Kane era o alvo perfeito e o Bayern acertou na mosca: um enorme sinal de força
Kane tomou a decisão de buscar novos rumos à carreira e o Bayern oferece um cenário excelente, assim como necessitado da presença do centroavante
Harry Kane chegou à encruzilhada de sua carreira nesta semana. Aos 30 anos, precisou tomar a decisão mais importante de sua trajetória. Seu lugar como um dos maiores ídolos da história do Tottenham é um fato. O centroavante passou nove temporadas no mais alto nível com os Spurs que, se não valeram títulos, alimentaram sonhos. O camisa 10 poderia criar raízes ainda mais profundas no norte de Londres e dedicar o restante de seus dias ao Tottenham, numa caminhada incerta sobre as glórias, mas de fidelidade incomum. No entanto, a ambição também é um destino. E, depois de tantos anos de mãos vazias, o Bayern de Munique despontou como uma chance concreta de reconhecer o talento do artilheiro em forma de taças. Neste sábado, enfim, o atacante assinou com os bávaros. Pode não ser o episódio mais romântico do futebol, mas abre horizonte a Kane, algo que ele também merece e não deixa de ser bonito. O inglês ganha novas perspectivas, enquanto os alemães recebem um protagonista para almejar de novo a Champions.
— LEIA MAIS: Despedida de Kane era o momento que o Tottenham sonhou que nunca precisasse chegar
O Bayern de Munique pagará €100 milhões para ter Harry Kane em seu elenco, num contrato assinado até 2027. Não é um valor comum para o clube, tradicionalmente mais comedido dentro de seus movimentos no mercado. A cifra se torna ainda mais expressiva pelo fato de que o camisa 10 estava no último ano de seu contrato com o Tottenham. Os bávaros avaliaram que a pedida era justa diante da urgência no negócio, pelos problemas da temporada passada, e também do risco de perder o artilheiro para outro clube no próximo mercado, se alguém viesse com mais grana. Já o Tottenham, que talvez visse o seu ídolo partir de graça em alguns meses, acaba bastante recompensado para reinvestir o dinheiro num momento de transição. O adeus de Kane é o sinal mais claro da cisão que vivem os Spurs.
Por algum momento nos últimos dias, Harry Kane pareceu titubear. Falou-se sobre detalhes no contrato e também do desejo do centroavante em assinar antes que a Premier League começasse. Fato é que, se ele considerava mesmo sair, o Bayern uniria o melhor dos mundos em diferentes sentidos – o peso da camisa, a chance de levar troféus, o alto nível competitivo. E, claro, o salário. Kane receberá cerca de €29 milhões anuais, o dobro de seus ganhos no Tottenham. Certamente ganharia mais na Arábia Saudita e provavelmente em outro clube da Premier League. Mas preferiu não colocar em xeque sua ligação na Inglaterra com o Tottenham, assim como preferiu um destino que torne a Champions um objetivo bastante palpável. É um projeto de carreira.
E o Bayern retribui com a empolgação ao redor de Kane. Até mesmo o voo do centroavante rumo a Munique causou comoção, com cerca de 70 mil pessoas acompanhando o trajeto do avião em plataformas online. O desembarque teria os primeiros torcedores alvirrubros prontos para recepcionar o artilheiro, como também aconteceu durante os exames médicos já adentrando a madrugada no CT dos bávaros. Kane fecha um capítulo de sua própria história. Mas abre outro que também pode render gratidão e idolatria. Para que seu faro de gols seja testado ao máximo em busca do maior dos troféus.
O mais curioso é que a primeira taça de Harry Kane pode vir logo neste sábado, e com ele em campo. O centroavante poderá estrear na Supercopa da Alemanha contra o RB Leipzig, se assim Thomas Tuchel avaliar pertinente. Já foi inscrito. Em suas primeiras declarações, o centroavante se disse esperançoso de atuar, até para retribuir ao carinho que recebeu nestas primeiras horas. Seria uma prova mais do que concreta do motivo pelo qual chegou: para ser multicampeão. E que também representa de vez o rompimento com a estagnação que viveu no Tottenham, algo fora de sua alçada e que rendeu até vice de Champions.
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Harry Kane também marca uma nova era ao Bayern
Durante a atual sequência de conquistas na Bundesliga, o Bayern de Munique se acostumou a não errar. O planejamento meticuloso do clube gerou um domínio inédito na história das grandes ligas europeias e se desdobrou duas vezes também na Champions League. A última temporada, entretanto, enterrou várias virtudes dos bávaros. A demissão do técnico repentina, as trocas de farpas em público e a falta de encaixe em campo cobraram o seu preço. Voltou a ser o FC Hollywood, de mais ego que bola. Se o Bayern não perdeu a Salva de Prata por milagre (e incompetência do Borussia Dortmund), as campanhas insuficientes na Champions geravam uma pressão. Uma limpa aconteceu nos últimos meses, com as saídas necessárias de Hassan Salihamidzic e Oliver Kahn, como também a despedida de Sadio Mané sem nem mesmo tentar o segundo ano.
O Bayern readmitiu as antigas lideranças na direção para retomar os prumos, como Uli Hoeness e Karl-Heinz Rummenigge. O Bayern admitiu diversos erros, entre eles a falta de foco no mercado passado em busca de um substituto para Robert Lewandowski. Harry Kane chega a Munique para inaugurar esse novo momento. É o homem de área que vai entregar muitos gols e vai potencializar o time no geral, com contribuições aos companheiros. É a liderança serena e a face de um projeto grandioso. É o sinal de que os bávaros querem mais, o quanto antes. É quem tentará lavar os pecados dos últimos meses, nem que para isso seja preciso gastar uma fortuna. Mas não que ele deva ser visto como uma fórmula mágica para o que foi desorganização dos dirigentes e apatia dos jogadores, mesmo que melhore o ambiente e o ânimo no geral.
Não dá para cravar que Harry Kane emplacará no Bayern, muito menos que ganhará a Champions. O próprio Sadio Mané parecia um baita negócio dos bávaros e a frustração foi tremenda. O ponto é que, por aquilo que Kane entregou em quase uma década como titular do Tottenham, a margem de erro nesta contratação parece muito pequena. O vento a favor do centroavante é forte. E não é só que o inglês pareça capaz de anotar 50 gols por temporada no Bayern. Ele é um jogador que eleva todo o time. Mais do que isso, é exatamente o futebolista que se necessitava na Allianz Arena neste momento, por suas características e por aquilo que representa além das quatro linhas.
Kane será o ponto focal do Bayern
O encaixe de Harry Kane no Bayern de Munique parece o mais simples possível. Thomas Tuchel precisa pensar mais no que vai precisar exigir dos companheiros ao redor do que determinar o que o centroavante fará no comando de ataque. Vai ser o homem de referência dentro da área, mas não só nela. E nunca estará isolado, porque o artilheiro também busca o jogo. Durante os últimos tempos, o Bayern pareceu um time estático e sem soluções para resolver os maiores duelos. Kane dará respostas por aquilo que pode fazer e por aquilo que pode ajudar os demais a fazerem.
O Bayern se acostumou a isso na era vitoriosa, sobretudo com Robert Lewandowski. Obviamente, a grande lembrança que o polonês deixou na Baviera são seus números absurdos de gols, que resultaram em tantas taças. Entretanto, é importante não classificar Lewa apenas como um atacante de área. O craque fazia uma tarefa muito importante na hora de puxar a marcação, fazer o pivô, preparar os lances aos companheiros. Isso se internalizou e os mecanismos do Bayern funcionam melhor com um homem de referência – como tradicionalmente sempre foi. Não à toa, Eric Maxim Choupo-Moting teve momentos ótimos na temporada passada, independentemente de suas limitações.
O Bayern também sabe, porém, como é complicado ficar dependente de apenas um jogador. Lesões de Lewandowski fizeram os bávaros jogarem fora chances de título na Champions. Mesmo Choupo-Moting fez falta em momentos cruciais da temporada passada, inclusive quando atravessava sua fase mais inspirada. A presença de Kane não pode seguir pelo mesmo caminho. É importante entender como o inglês poderá azeitar a máquina alvirrubra. Mas não que isso gere uma necessidade irremediável dos seus gols. Algo que o goleador poderá contribuir é na forma de entender o melhor rendimento dos companheiros.
E vai ter gente que crescerá ao lado de Harry Kane, certamente. Talvez o melhor exemplo seja Mathys Tel, atacante de 18 anos que o Bayern prepara ao seu futuro. Mesmo os jogadores pelas pontas tem chances de decolar, assim como aqueles se mandam ao apoio. Um dos encontros mais esperados, sem dúvidas, é ver como a inteligência de Kane na criação irá se parear com a inteligência única de Thomas Müller no posicionamento. Os alvirrubros contarão com uma dupla de ataque das mais sábias naquilo que é entendimento do jogo e combinação de elementos no ataque.
A bala na agulha do Bayern
Harry Kane é a contratação mais cara da história do Bayern de Munique. Os €100 milhões pagos pelo centroavante superam os €80 milhões pagos há quatro anos para tirar Lucas Hernández do Atlético de Madrid. Além disso, é um valor três vezes maior que o desembolsado na temporada passada por Sadio Mané. Kane é um jogador altamente cobiçado no mercado, no auge da carreira, depois de uma temporada excepcional. E um astro num grau de consagração que o Bayern não costuma trazer, mais por filosofia e discurso de garimpar seus protagonistas (ou tirá-los de outros clubes alemães em condições favoráveis) do que por qualquer outra coisa. De qualquer forma, condições para fazer isso os bávaros têm há muito tempo. Como era até mais comum no início do século, como nos exemplos das compras de Arjen Robben e Franck Ribéry, dos dois maiores do clube.
Há alguns meses, Uli Hoeness chegou a classificar a contratação de Harry Kane como uma “loucura”. Isso antes de outras “loucuras” acontecerem no clube, como a demissão de Julian Nagelsmann e a admissão do fracasso com Mané. Agora, fazer esse movimento se tornou lógico para os bávaros e o clube amarrou muito bem o assunto ao longo do verão. Financeiramente, o Bayern não fica atrás de outros clubes que fazem compras nestas cifras, como o Real Madrid. Pode não ter um magnata por trás em comparação com os ingleses, mas a estrutura financeira dos alvirrubros é uma das mais robustas da Europa, especialmente pela força comercial e de patrocínios dentro de uma economia como a da Alemanha. Entretanto, a austeridade costumava imperar nas janelas.
Curiosamente, o Bayern de Munique entrou no jogo de cifras dilatadas dos últimos anos através das compras de defensores. Foi o que aconteceu neste mercado atual, inclusive, com Kim Min-jae saindo até barato pelas circunstâncias, nos €50 milhões de sua multa rescisória pagos ao Napoli. Antes de Kane, exceção feita a Leroy Sané, cinco das seis contratações mais caras do clube eram zagueiros e as três seguintes eram volantes. O Bayern preferia não entrar nos costumeiros leilões por astros de ataque. A visão de Kane como o nome ideal para o clube, unido a um cenário em que ninguém parecia realmente como concorrente nesta janela, auxiliaram os alvirrubros a darem o xeque-mate em busca do astro do Tottenham.
É verdade que Kane poderia não estar mais no Tottenham, quando há duas temporadas ele se viu próximo de seguir ao Manchester City, mas não houve acordo. A contratação de Erling Braut Haaland, entretanto, fechou as portas no destino mais provável até então na Premier League. Sem negócio em relação a outros clubes do país, especialmente de Londres, o Bayern precisava se precaver de outros movimentos inesperados – embora, com Lewandowski no Barcelona e o Real Madrid pensando só em Kylian Mbappé, outros potenciais pretendentes também estivessem sob controle. No máximo, viria um interesse do Paris Saint-Germain, que também se vê de mãos atadas enquanto Mbappé não sai e que nem de longe atrai como o Bayern em termos de projeto esportivo. Não era só Kane o alvo perfeito, mas esse também era o momento perfeito para a investida.
As seis contratações mais caras da história do Bayern
- Harry Kane, €100 milhões, Tottenham
- Lucas Hernández, €80 milhões, Atlético de Madrid
- Matthijs de Ligt, €67 milhões, Juventus
- Kim Min-jae, €50 milhões, Napoli
- Leroy Sané, €49 milhões, Manchester City
- Dayot Upamecano, €42,5 milhões, RB Leipzig
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A bandeira da Inglaterra fincada na Alemanha
Harry Kane deixa a Premier League com dimensões gigantescas não apenas ao Tottenham, como também na Premier League. O centroavante conseguiu ultrapassar Jimmy Greaves como maior artilheiro da história dos Spurs em fevereiro, despedindo-se com 280 gols. Outro recorde que parecia possível, mas que ficará pelo menos no aguardo, é a artilharia histórica da liga. Kane acumula 213 gols na era Premier League, 47 a menos que Alan Shearer. Pelo seu ritmo nos últimos nove anos, duas temporadas poderiam ser suficientes para si. Entretanto, a decisão de se mudar à Alemanha deixa dúvidas se algum dia poderá ser possível retomar o fio da meada.
Kane acaba reforçando a presença de jogadores da Inglaterra na Bundesliga, que se tornou comum especialmente nos últimos anos. O Campeonato Alemão se tornou uma alternativa para escoar talentos que não eram aproveitados de imediato pelos clubes da Premier League, num ambiente que valoriza muito mais os jovens. O Borussia Dortmund foi quem mais surfou nessa onda, com os sucessos de Jadon Sancho e Jude Bellingham. O Bayern tem Jamal Musiala, que também cresceu na Grã-Bretanha, mesmo que seja nascido na Alemanha e defenda a seleção local. Mas é um movimento mais específico.
Apenas dois jogadores de nacionalidade “principal” inglesa defenderam o Bayern em sua história. O mais recente, de pouca projeção no clube, foi Omar Richards. Antes disso, os bávaros contaram com Owen Hargreaves no início do século, mas num negócio de circunstâncias totalmente distintas, de um atleta descoberto no Canadá e que chegou à seleção inglesa já depois de estourar no Estádio Olímpico. Também dá para citar o galês Mark Hughes, trazido do Barcelona nos anos 1980, mas que teve uma passagem efêmera pela Baviera.
Por suas dimensões, Kane reforça essa troca de influências de Alemanha e Inglaterra atualmente no futebol. Tornou-se comum inclusive torcedores ingleses frequentarem estádios alemães pela “experiência mais real”, com preços mais favoráveis, diferentemente da elitização da Premier League. O centroavante poderá ser um embaixador deste processo, até por suas dimensões dentro da própria seleção inglesa e por ser no geral querido mesmo por seguidores de outros clubes da Premier League. Além do mais, a chegada do artilheiro parece resgatar outros movimentos do passado. Em especial, de Kevin Keegan.
Keegan desembarcou na Bundesliga um pouco mais jovem, aos 28 anos, mas quando já era um astro no Liverpool que acabara de conquistar a Copa dos Campeões. Seus três anos no Hamburgo foram transformadores, e não apenas por consolidar o clube no topo da tabela do país e expandir as fronteiras também nas competições europeias. O desempenho de Keegan nos Dinossauros foi tão arrebatador que rendeu duas Bolas de Ouro consecutivas, entregues em 1978 e 1979. O atacante se despediria já em 1980, mas ainda hoje é lembrado como um dos melhores estrangeiros que passaram pela Alemanha. Kane pode se aproximar de todo esse impacto.
Harry Kane ainda honra a história de grandes artilheiros do Bayern de Munique. Pode ser visto um dos dignos herdeiros da linhagem de Gerd Müller, que ainda inclui figuras como Karl-Heinz Rummenigge e Élber. Ao longo de muitos anos, o estilo de jogo dos bávaros pedia inclusive que o clube tivesse mais de um centroavante de alto nível ao mesmo tempo. Luca Toni e Miroslav Klose chegaram juntos, enquanto os grandes times do começo da década passada reuniram figuras como Mario Gómez, Mario Mandzukic e Claudio Pizarro. De certa maneira, Lewandowski teve uma dominância tão grande que espantou outras sombras, mas criou novos problemas ao próprio Bayern em sua saída. Kane é quem assume esse legado agora.
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