De novo, a luta do povo e o futebol se cruzam no Egito
O título do Al Ahly na Liga dos Campeões da África foi bem mais representativo do que apenas a oitava conquista continental do clube ou a garantia da viagem ao Mundial de Clubes. A decisão serviu também como válvula de escape para manifestações políticas e para a reunião das massas. Afinal, apesar do aparato de segurança gigante, foi a primeira vez que o governo e a Fifa deram permissão para que se lotasse as arquibancadas de um estádio no Cairo desde o fatídico 1º de fevereiro de 2012, quando 74 pessoas morreram no estádio de Port Said.
A festa em torno do clube egípcio mais popular foi evidente no Estádio al-Muqawilyn al-‘Arab. As arquibancadas estiveram lotadas com 60 mil espectadores, mas mais gente viu o jogo histórico, se amontoando até mesmo nos muros, nas grades e no placar. Além disso, várias faixas relacionadas ao massacre de Port Said foram erguidas. Algumas com os nomes e os rostos dos 72 vermelhos mortos no episódio, outras com frases de apoio – “A morte não irá nos separar e a prisão não pode nos parar, África para o Al Ahly”, “Nossos mártires continuam aqui, nós tomaremos seu poder por eles e pela resistência” e “O sangue dos mártires triunfou”.
No entanto, não foi só de alegria e lembranças que foi feito o dia dos Diabos Vermelhos. A torcida, que foi fundamental nas manifestações que culminaram na queda de Hosni Mubarak em 2011, entrou em conflito com a polícia nos arredores do estádio antes da partida e foi atacada com bombas de gás lacrimogêneo – o número de feridos e presos não foi divulgado. Já depois da vitória, a celebração foi abreviada por um toque de recolher imposto pelo Estado.
Dentro de campo, também ficaram claros os protestos contra a situação política do país, que viveu novo golpe militar em julho deste ano. Ahmed Abdel-Zaher comemorou o segundo gol fazendo o sinal da ‘Rabaa’ (indicado com quatro dedos da mão levantados), característico dos islamitas perseguidos pelos militares e que já foi repetido por outros atletas. O governo já prometeu abrir uma investigação contra o jogador.
Já Mohamed Aboutrika, nome mais simbólico dos vermelhos, se recusou a cumprimentar o Ministro dos Esportes, Taher Abou-Zeid. Além disso, o craque deu uma mostra de cumplicidade imensa com a torcida na festa do título. Ao apito final, saiu correndo para o setor das arquibancadas onde estavam os torcedores mais engajados na questão política, se embrenhando em meio aos policiais, assim como vestiu a camisa já usada em 2012, com o número 72, em alusão aos ‘mártires de Port Said’. Sinal de que este é apenas mais um episódio da luta empunhada pelo Al Ahly e que vai muito além das quatro linhas do campo.
Abaixo, o vídeo da comemoração de Aboutrika após o apito final, além de fotos de dentro e de fora do estádio: