Mundial de Clubes
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A final do Mundial rememora o auge da Serie A, quando Ancelotti e Ramón Díaz eram talentos em constantes duelos

Enquanto Ancelotti ditava o ritmo de timaços da Roma e do Milan, Ramón Díaz desandava a marcar gols no Calcio por Napoli, Avellino, Fiorentina e Inter

A final do Mundial de Clubes terá dois enormes conhecedores do futebol à beira do campo. Os currículos de Ramón Díaz e Carlo Ancelotti são recheadíssimos, entre os feitos do argentino principalmente no River Plate e as taças espalhadas pelo italiano em diferentes países. Pois os dois veteranos também são velhos conhecidos nos gramados, nascidos no mesmo ano e contemporâneos durante o período de ouro da Serie A. Carletto foi um meio-campista de grande categoria que compôs times históricos da Roma e do Milan. Já Pelado Díaz rodou mais pela Bota, mas teve bons momentos por Napoli, Avellino e Fiorentina, até se tornar um dos protagonistas do Scudetto mais arrasador da Internazionale. Os dois talentos se enfrentaram oito vezes dentro de campo, com equilíbrio nos resultados e grandes lembranças.

A primeira temporada de ambos na Serie A aconteceu em 1982/83. Ramón Díaz era um dos grandes talentos revelados pela Argentina na virada da década e marcou seu nome como um xodó do River Plate, bem como disputou a Copa do Mundo de 1982 com a Albiceleste. Depois do torneio, o atacante desembarcou no Napoli, como um dos estrangeiros dos celestes ao lado de Ruud Krol. Enquanto isso, Ancelotti estava em sua quarta temporada após trocar o Parma pela Roma. O jovem despontava como uma das referências no fortíssimo time romanista, de ídolos como Paulo Roberto Falcão, Roberto Pruzzo, Bruno Conti e Agostino Di Bartolomei.

Durante o primeiro turno da Serie A 1982/83, apenas Ramón Díaz atuou na vitória da Roma por 3 a 1 no San Paolo. Os dois jogadores coincidiram em campo pela primeira vez no segundo turno, dentro do Estádio Olímpico. A Loba liderava a Serie A e consolidava seu poderio rumo ao Scudetto daquele ano. Enquanto isso, o Napoli corria até risco de rebaixamento e, embora tenha escapado posteriormente, naquele momento ocupava a penúltima colocação. Deu o time da casa, de virada, com placar de 5 a 2.

Ramón Díaz até abriu o placar aos 12 minutos, num lance de velocidade e oportunismo, tão característico do atacante. Porém, a virada da Roma saiu antes do intervalo, e com um golaço de Carletto. Ancelotti soltou uma paulada cruzada de dentro da área, no segundo gol da equipe, antes que o vareio se delineasse na etapa final. Quem também caprichou nos seus tentos foi Di Bartolomei, com outros dois chutes potentes do meio da rua, o segundo deles em cobrança de falta.

Ancelotti experimentou pela primeira vez o que era conquistar o Scudetto. Ramón Díaz não ficou em Nápoles para a temporada seguinte, negociado com o Avellino. Num time modesto, mas de campanhas seguidas na elite, Pelado teria status de ídolo. Com Carletto lesionado em 1983/84, o reencontro dos jogadores aconteceu apenas no segundo turno da Serie A 1984/85. A Roma brigava pelas primeiras posições, o Avellino tentava evitar o rebaixamento. Melhor de novo para os romanistas, com o triunfo por 1 a 0 no Estádio Olímpico assegurado por um pênalti convertido por Pruzzo.

O costume dos talentos nesse momento era aparecer em partes distintas da tabela. Em 1985/86, novamente a Roma rondou a liderança e o Avellino precisou se safar da queda. Mas mesmo as limitações de seu time não impediam Ramón Díaz de se destacar. O atacante anotou dez gols naquela Serie A, incluindo o da vitória por 1 a 0 sobre a Loba no primeiro turno. Pelado marcou de falta, num chute de longe que contou com a colaboração do goleiro Franco Tancredi. Ancelotti entrou só nos minutos finais. O meio-campista seria titular, em compensação, na feroz revanche dos giallorossi no Estádio Olímpico, durante o segundo turno. Os romanistas golearam por 5 a 1. Foi uma atuação implacável de Pruzzo, autor dos cinco gols. Díaz anotou justamente o de honra do Avellino.

Os dois jogadores poderiam inclusive ter se encontrado na Copa do Mundo de 1986, com o Argentina x Itália da fase de grupos. Ancelotti foi reserva da Azzurra, mas Díaz sequer foi convocado para a Albiceleste por desavenças com Diego Maradona. Na Serie A, Pelado deu um salto na temporada seguinte. Passou a fazer parte da Fiorentina. Foi quando começou a reverter a freguesia nos duelos com Carletto. Durante o primeiro turno da Serie A 1986/87, a Viola ganhou da Roma por 2 a 1 em Florença. Ramón Díaz abriu o placar naquele triunfo, em tarde na qual Ancelotti usou a 10 e a faixa da Loba. Já no returno, empate por 1 a 1, com mais um gol de Díaz. Os dois times terminaram aquela campanha no meio da tabela.

Em 1987/88, seria a vez de Ancelotti mudar de clube. Num momento de declínio da Roma, o meio-campista se tornaria um dos maestros do Milan de Arrigo Sacchi. Teria a companhia de Marco van Basten, Ruud Gullit, Franco Baresi, Paolo Maldini e todos os craques daquele esquadrão. Os rossoneri ficaram o Scudetto no primeiro ano de Carletto, enquanto a Fiorentina pintou só no meio da tabela. Mesmo assim, a Viola bateu os poderosos logo na segunda rodada, em pleno San Siro. Os violetas tinham um ataque respeitabilíssimo, com a combinação de Ramón Díaz e Roberto Baggio. E os dois comandaram o triunfo por 2 a 0. Os gols saíram na reta final, o primeiro com o argentino num rebote e o segundo numa linda arrancada do italiano. Durante o segundo turno, Pelado foi desfalque no empate por 1 a 1 em Florença. No fim, Ancelotti riu por último com o novo troféu.

A volta por cima de Ramón Díaz enfim aconteceu em 1988/89. O atacante faria parte de um pacotão de reforços da Internazionale, levado por empréstimo. Foi exatamente sua melhor temporada na Serie A, com 12 gols. Os nerazzurri não deram quaisquer chances à concorrência, com uma campanha de recordes sob as ordens de Giovanni Trapattoni. O Milan terminou 12 pontos atrás, mas não que Ancelotti saísse de mãos abanando naquela temporada. Os rossoneri conquistaram a Champions depois de 20 anos, numa campanha de goleadas inesquecíveis. Carletto deixou sua marca com um golaço nos 5 a 0 sobre o Real Madrid nas semifinais e, durante a decisão, botou Gheorghe Hagi no bolso nos 4 a 0 diante do Steaua Bucareste.

Aquela seria a temporada, também, do último embate entre Ramón Díaz e Ancelotti. Pelado ficou somente no banco de reservas durante o clássico do primeiro turno. Aldo Serena anotou o gol na vitória da Inter por 1 a 0, sem que Ancelotti evitasse a derrocada do Milan. Já no segundo turno, num momento em que os interistas nadavam de braçada, o empate por 0 a 0 apenas consolidou o status dos líderes. Ancelotti quase anotou um golaço, em míssil que explodiu no travessão e bateu no chão, deixando dúvidas se a bola entrou. Díaz também ficou no quase em sua tentativa de pintura, ao rabiscar fora da área e parar na boa defesa de Giovanni Galli.

Apesar da importância no Scudetto, Ramón Díaz não foi suficientemente valorizado na Internazionale. O clube abriu mão do argentino para contar com Jürgen Klinsmann e completar o famoso “trio alemão”, ao lado de Lothar Matthäus e Andreas Brehme. O atacante jogou duas temporadas no Monaco a partir de 1989 e também fez sucesso, antes de voltar para ser campeão no River Plate. Pendurou as chuteiras no Yokohama Marinos, em 1995, como uma das primeiras estrelas da J-League, sem se cansar de marcar seus gols. Já Ancelotti se aposentou dos gramados até antes, em 1992. Apesar disso, teve tempo de conquistar o bi da Champions em 1989/90 e seu terceiro Scudetto em 1991/92, enquanto disputou a Copa de 1990 com a Itália.

Os dois veteranos tiveram três vitórias para cada lado em seus confrontos, mas Ramón Díaz sobrou em gols, seis contra um de Ancelotti. Ao menos, Carletto pode se gabar do mais bonito desses tentos, num tirambaço que segue vivo em sua memória. Nas coletivas de imprensa antes da final do Mundial, o atual treinador do Real Madrid inclusive se lembrou da pintura marcada contra o time do atual comandante do Al-Hilal. Nestas quatro décadas no futebol, os dois medalhões viveram muita coisa, ampliando as listas de conquistas também na casamata. Pela idade dos sessentões, dá para imaginar que este seja o último encontro. Mas para reviver uma trajetória brilhante de ambos os lados.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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