Itália

Goleiro como meio-campista, 2-7-2 e muito mais: como Thiago Motta foi de ridicularizado a respeitado com o Bologna?

Após virar motivo de piada na Serie A, Thiago Motta calou a boca dos críticos no Bologna ao fazer história apresentando um bom futebol

Na disputada Serie A, conquistar uma vaga para competições da Uefa pode ser considerada uma tarefa árdua. Os tradicionais clubes italianos brigam ponto a ponto por uma melhor colocação. E quem olha a tabela desta temporada se depara com o Bologna na zona de classificação à próxima Champions League. Um time que tem uma história rica no Calcio, mas que há décadas (para não dizer século) não era protagonista. E esse sucesso passa por Thiago Motta.

Desde setembro de 2022 no cargo, o jovem treinador chegou para substituir o icônico Sinisa Mihajlovic após um início ruim de temporada, com três empates e duas derrotas no campeonato. Em 2022/23, o ítalo-brasileiro brilhou e conseguiu levar o Rossoblù até a 9ª posição, igualando a última melhor campanha de 2011/12. Nada mal para um time que se limitava a evitar o rebaixamento para a Serie B nos anos anteriores.

Em sua primeira temporada completa no Bologna, Thiago Motta não só mostrou uma evolução nos resultados, como também tem apresentado um bom futebol que encanta a Europa. Atualmente, o Rossoblù ocupa o 4º lugar da Serie A com 42 pontos em 24 rodadas, ficando à frente de equipes como Lazio, Roma, Fiorentina e Napoli – esse último o atual campeão italiano. Entretanto, nem tudo foram flores para o técnico ítalo-brasileiro.

Thiago Motta chegou a ser ridicularizado na Itália ao explicar suas ideias de jogo em sua primeira experiência profissional. Isso porque o treinador defende seu estilo pautado no 2-7-2 (sim, já contando o goleiro como “jogador de linha”). O que antes parecia loucura, agora é lúcido o suficiente nas mãos do ítalo-brasileiro. De ridicularizado a respeitado, ele está fazendo o modesto Bologna a ser um coringa na Serie A com um futebol ofensivo e, ao mesmo tempo, equilibrado.

Quem é Thiago Motta e o que ele pensa para o futebol?

Nascido em São Bernardo do Campo-SP, Thiago Motta deixou o Brasil muito cedo para se profissionalizar no Barcelona, rapidamente ganhando destaque. O volante teve passagens por Atlético de Madrid e Genoa antes de chegar à Internazionale, onde, assim como na Espanha, foi campeão da Champions League. Em alta, ele se naturalizou italiano para disputar a Copa do Mundo antes de se aposentar no PSG, em 2018.

Assim que pendurou as chuteiras, Thiago Motta emplacou os estudos para se tornar treinador. Nesse período, o ex-volante comandou o Paris Saint-Germain nas categorias de base. Ele produziu uma tese para tirar sua licença pró de técnico na Uefa que rendeu a melhor nota de sua classe (108 de 110 possíveis), superando ninguém mais, ninguém menos que Andrea Pirlo. O ítalo-brasileiro recebeu o diploma ao fazer um trabalho intitulado “O valor da bola”.

As referências de Thiago Motta foram dois nomes bem conhecidos dos apaixonados por futebol. Marcelo Bielsa e Joachim Löw. O ex-volante se inspirou com a ideia do Leeds United do argentino, que prezava pela confiança coletiva, quando todos os jogadores sabem o que precisam fazer para avançar com a posse. Já o alemão serviu de modelo por conta de sua Alemanha campeã do mundo em 2014, quando os atletas atacavam enquanto defendiam, e defendiam enquanto atacavam.

Com a parte teórica dominada, o ítalo-brasileiro teve sua primeira oportunidade no final de 2019, quando assumiu o Genoa, mas ficou no comando por apenas 10 jogos e virou motivo de piada por causa de seu esquema revolucionário, o 2-7-2. Já na temporada 2021/22, Thiago Motta recebeu uma nova chance no futebol italiano, desta vez, no Spezia. Surpreendentemente, o treinador conseguiu evitar o rebaixamento na Serie A para, poucos meses depois, ir para o Rossoblù.

Como joga o Bologna de Thiago Motta?

Com a saída de Mihajlovic, que estava à frente do Bologna desde 2018/19, Thiago Motta assumiu já com a temporada em curso. Apesar disso, fez uma campanha de respeito ao conseguir implementar suas ideias. Já em 2023/24, com uma preparação decente na pré-temporada, o treinador fez os ajustes necessários e potencializou as peças que já tinha à disposição, assim como os reforços que chegaram para substituir as saídas impactantes.

Jerdy Schouten, Nicolás Domínguez e Marko Arnautovic (três alicerces de 2022/23) foram embora na janela de transferências. O Rossoblù, por sua vez, contratou Dan Ndoye, Sam Beukema, Riccardo Calafiori, Giovanni Fabbian, Oussama El Azzouzi e Alexis Saelemaekers. Jogadores jovens e com potencial de crescimento. Lewis Ferguson, Nikola Moro, Michel Aebischer e Charalampos Lykogiannis – que já estavam no elenco – evoluíram ainda mais.

Só que o grande astro do Bologna do ítalo-brasileiro é Joshua Zirkzee, que era reserva de Arnautovic, mas se tornou a principal estrela desta temporada. Eles são as engrenagens da máquina do técnico na Serie A, que constrói desde o arqueiro e abafa a defesa adversária com um objetivo bem claro: ter a bola o máximo de tempo possível. Para Thiago Motta, o valor da pelota é o coração de sua filosofia, e isso pode ser explicado por algumas estatísticas dos Rossoblù.

Estatísticas do Bologna que você precisa saber

Segundo o SofaScore, o Bologna de Thiago Motta na Serie A é/tem:

  • 2ª maior posse de bola (média de 57,8% por jogo)
  • 2º em mais passes certos (média de 470 por partida)
  • 4ª melhor defesa (22 gols sofridos)
  • 1º em desarmes (média de 17,3 por jogo)

O revolucionário 2-7-2 de Thiago Motta

O 2-7-2 de Thiago Motta não significa atuar com 12 titulares, mas sim incluir o goleiro na construção. Como estamos acostumados a ver, um esquema tático é lido através das linhas horizontais. Por exemplo, um 4-3-3 significa quatro defensores, três meias e três atacantes. Só que o técnico do Bologna nada contra a maré. O ítalo-brasileiro encara seu sistema verticalmente. Ou seja, ele divide os setores em esquerda, centro e direita.

Portanto, seu Rossoblù pode ser entendido como um lateral e um ponta na esquerda, sete atletas no meio (contando o arqueiro), e o lateral e o ponta na direita: 2-7-2. No modelo tradicional, Thiago Motta usa um 4-2-3-1, mas o goleiro Skorupski tem um papel crucial: ele participa ativamente do início da troca de passes, que começa dentro da grande área do Bologna até encontrar os espaços à frente.

Foto: (Reprodução/homecrowd) - Construção ofensiva do Bologna de Thiago Motta: goleiro é o primeiro meio-campista; um dos volantes se projeta, dando espaço para um dos zagueiros subir uma linha; centroavante se movimenta para ser opção de passe
Foto: (Reprodução/homecrowd) – Construção ofensiva do Bologna de Thiago Motta: goleiro é o primeiro meio-campista; um dos volantes se projeta, dando espaço para um dos zagueiros subir uma linha; centroavante se movimenta para ser opção de passe

Um dos volantes atua mais avançado, o que abre brecha para um dos zagueiros subir uma linha e ser uma opção de passe progressivo. O talento de Skorupski com os pés rende uma superioridade numérica ao time de Thiago Motta, que (quase) sempre terá um jogador livre para receber a posse mais à frente. O treinador do Rossoblù concilia a estratégia de dois professores que teve nos tempos de jogador: José Mourinho e Gian Piero Gasperini.

O português da Internazionale era a favor de uma transição rápida para chegar com perigo ao gol quando tiver espaços. Já o italiano do Genoa fazia isso de forma mais organizada (com mais passes), visando que mais jogadores chegassem ao campo de ataque. Essa é a receita do Bologna de 2023/24: um time sedento pelo último terço, mas sem desfazer sua estrutura para chegar até lá.

Foto: (Reprodução/homecrowd) - Se um dos zagueiros do Bologna avança, a primeira linha de Thiago Motta fica com três defensores, e o outro volante, assim como o meia-atacante, se aproximam dos pontas para dar opção de 1-2
Foto: (Reprodução/homecrowd) – Se um dos zagueiros do Bologna avança, a primeira linha de Thiago Motta fica com três defensores, e o outro volante, assim como o meia-atacante, se aproximam dos pontas para dar opção de 1-2

Já saindo do seu campo de defesa, o Rossoblù se comportar como um 4-3-3, com dois meias apoiando os pontas para criar situações de tabela. A carta na manga de Thiago Motta é Zirkzee, que não fica preso entre os zagueiros, mas sim se desloca bastante para buscar a bola, inclusive se aproximando das linhas defensivas. Um centroavante móvel, que apoia seus companheiros.

Perde-pressiona

O Bologna do ítalo-brasileiro é adepto do perde-pressiona. Isso significa que, quando a defesa adversária recupera a posse em seu próprio campo, o Rossoblù sobe suas linhas e diminui os espaços para dificultar a saída do rival. Obviamente, esse sufoco de Thiago Motta tem como objetivo recuperar a pelota o mais rápido possível, cujo setor de campo é mais confortável para sua defesa não sofrer lá atrás e gera novas chances para seu ataque.

Foto: (Foto: (Reprodução/homecrowd) - Quando perde a bola no ataque, o Bologna de Thiago Motta pressiona o adversário em seu próprio campo para recuperar a posse, mantendo uma estrutura de três defensor mais um podendo livremente abafar o cara da bola ou cortar o passe
Foto: (Foto: (Reprodução/homecrowd) – Quando perde a bola no ataque, o Bologna de Thiago Motta pressiona o adversário em seu próprio campo para recuperar a posse, mantendo uma estrutura de três defensor mais um podendo livremente abafar o cara da bola ou cortar o passe

E esse ideal defensivo é montado desde lances de seu setor ofensivo perto do gol adversário. O Bologna mantém um formato 3-1 enquanto o restante dos jogadores ataca a grande área adversária. A partir do momento que o Rossoblù fica sem a bola, o volante tenta cortar o passe adversário e/ou gruda no rival com a posse. Esse é um jeito de Thiago Motta não ficar vulnerável a contra-ataques, já que costuma povoar seu último terço de campo.

Se o rival conseguir escapar dessa armadilha, o Bologna recua suas linhas para formar um 4-2-3-1, com os pontas marcando os laterais rivais e Zirkzee pairando sobre os zagueiros do oponente. Isso direciona o time adversário a tentar progredir pelo meio, encontrando dois volantes ferozes que buscam o desarme. Em bloco baixo, o Rossoblù parte para o 4-5-1, com a mentalidade de recuperar a bola e ter alguém para contra-atacar.

Foto: (Reprodução/homecrowd) - Em bloco baixo, o Bologna de Thiago Motta monta um 4-5-1 já pensando no contra-ataque. Por exemplo, se a bola está no lado esquerda da sua defesa, o ponta oposto se projeta mais à frente para receber a posse na recuperação
Foto: (Reprodução/homecrowd) – Em bloco baixo, o Bologna de Thiago Motta monta um 4-5-1 já pensando no contra-ataque. Por exemplo, se a bola está no lado esquerda da sua defesa, o ponta oposto se projeta mais à frente para receber a posse na recuperação
Foto de Matheus Cristianini

Matheus CristianiniRedator

Jornalista formado pela Unesp, com passagens por Antenados no Futebol, Bolavip Brasil, Minha Torcida e Esportelândia. Na Trivela, é redator de futebol nacional e internacional.
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