Fifa ainda se comporta de forma medíocre no planejamento da Copa do Mundo Feminina
Enquanto o Mundial masculino já tem horizontes até 2034, a Copa de Mulheres pena para conhecer a sede de sua próxima edição, em 2027

A Fifa vai definir a próxima casa da Copa do Mundo Feminina só no ano que vem. No dia 17 de maio de 2024, acontecerá a votação dos países membros. A África do Sul retirou sua candidatura, enquanto propostas conjuntas dos Estados Unidos e do México; Bélgica, Alemanha e Países Baixos foram entregues; além, é claro, do ousado projeto solo do Brasil. Ou seja, o anfitrião do Mundial de 2027 só será conhecido três anos antes do início do torneio.
– Se faz necessário que a Fifa faça isso (o planejamento) com mais antecedência, como faz no masculino. A gente ainda não sabe qual será a sede de 2027, sendo que estamos indo para 2024. O tamanho da Copa é outro, o significado da Copa das Mulheres é outro, o engajamento que se tem na Copa Feminina é outro, então é necessário e urgente a se pensar em ter mais antecedência na hora de revelar as suas sedes – afirmou Rafael Alves, comentarista e fundador do Planeta Futebol Feminino.
Para efeitos de comparação, as edições masculinas já estão marcadas até 2034, mais de uma década de antecedência. A edição de 2026, que será realizada conjuntamente por Estados Unidos, México e Canadá, foi entregue no dia 10 de abril de 2017 – nada menos do que nove anos antes do primeiro jogo.
Sem entrar na problemática de direitos humanos e das mulheres, a Arábia Saudita, anfitriã do Mundial de 2034, tem 11 anos de antecedência em sua preparação, o que é quase tanto quanto os doze anos que o Catar recebeu ao ser escolhido em 2010 para sediar o evento do ano passado.
– Não só comparando com o torneio masculino ou mesmo outros grandes eventos, eu acho que qualquer trabalho produzido com antecedência tem chances de ter uma qualidade melhor nos seus resultados, na organização, nas prospecções. É claro que mais tempo, nesse caso, como acontece no masculino, seria de uma ordem de grandeza de pensar em novos investimentos nessas cidades ou mesmo uma adequação dos espaços esportivos – ponderou Aira Bonfim, historiadora e pesquisadora da modalidade.
Não há tanta urgência para as definições da Copa do Mundo Feminina, mas a fixação da Fifa pelo torneio masculino e suas receitas parece desconsiderar o potencial do campo inexplorado do futebol de mulheres. Apesar do curto prazo, a Copa do Mundo Feminina de 2023 atingiu cerca de 570 milhões de dólares (R$ 2,8 bi), embora a entidade tenha negligenciado a venda dos direitos de transmissão em vários territórios até o último minuto.
– A Fifa tem um potencial muito grande de tornar ainda maior essa Copa do Mundo, que é melhor do que foi feito há alguns anos, mas ainda está longe de ser o ideal – analisou Rafael.
Fifa trata a Copa do Mundo como moeda de troca
A Copa do Mundo Feminina foi realizada na Austrália e na Nova Zelândia nesta temporada, mas os países da Oceania só tiveram a confirmação em 25 de junho de 2020. A discrepância fica muito nítida quando é levado em conta o esforço que foi feito para levar as próximas edições masculinas aos anfitriões desejados.
A Fifa anunciou que a edição de 2030 vai acontecer em mais de um continente para celebrar o aniversário do primeiro evento. Espanha, Portugal, Marrocos, Argentina, Paraguai e Uruguai vão sediar partidas. Já a Copa de 2034 foi anunciada de forma não oficial, sem que houvesse uma votação real pelas 211 federações-membro da Fifa.
Gianni Infantino, presidente da Fifa, passou três anos abrindo o caminho para que a edição de 2034 fosse parar na Arábia Saudita, segundo reportagem do jornal norte-americano The New York Times. A matéria faz revelações sobre os esforços do país banhado em petróleo, que tem investido dinheiro no esporte para “limpar sua imagem”. A Arábia já distribuiu mais de 300 patrocínios a clubes e ligas, de acordo com o Instituto Dinamarquês de Estudos do Esporte.
Além disso, o próprio chefe de Estado saudita, Mohammed bin Salman, admite sem papas na língua que o seu governo usa o recurso de “sports washing”. O dinheiro “infinito” que ronda o país é o chamariz que a entidade de futebol precisa para assegurar que, mesmo com inúmeros desrespeitos aos direitos humanos, um evento da magnitude de uma Copa seja sediado por lá.
– Tem sido, sim, uma incidência alta da escolha de espaços onde a condição financeira e econômica, de lucro, literalmente, cercam as escolhas primárias de local, do país que pode acolher esses torneios. Não existe nenhum compromisso em relação aos direitos humanos, não existe nenhum compromisso com o acesso de mulheres a esses esportes ou mesmo de equidade – afirmou Aira.