Fomos Campeões: O Leverkusen que conquistou a Europa antes de ter um título nacional
Vitória na Copa da Uefa de 1987/88 teve dois jogos insanos dos Aspirinas contra o Espanyol
Até 1997, a Copa da Uefa era decidida em duas partidas. O formato, que para muitos é mais justo, pois dá mais tempo para que cada equipe execute sua proposta e tenha o direito de jogar em casa, foi abolido pela Uefa em sua competição secundária, já que não havia coerência com os demais torneios em vigor, a Liga dos Campeões e a Recopa Europeia (extinta em 1999), definidas em jogo único.
Assim sendo, poucas finais com ida e volta foram tão emocionantes quanto a que rendeu ao Bayer Leverkusen seu primeiro troféu na história. Internacionalmente, os Aspirinas são conhecidos como aquele time que por vezes compete, mas falha na hora de se consagrar. Essa fama foi consolidada, sobretudo, pela campanha fantástica na temporada 2001/02, quando disputou três títulos até o fim e foi vice em todos: na Liga dos Campeões, diante do Real Madrid, no Campeonato Alemão (para o Dortmund, na última rodada) e na Copa da Alemanha (contra o Schalke).
Mas a pecha de eterno vice não vale para 100% dos casos. Em 1988, a equipe conheceu pela primeira vez o gostinho de um título de elite (em 1978, conquistou a segunda divisão), e o fez justamente em uma competição continental. Como estamos falando do Leverkusen, uma equipe de histórico bastante peculiar, não tinha como ser uma final convencional. O adversário foi o Espanyol, que embora esteja sempre à sombra do Barcelona, possui um status tradicional em seu país, com quatro conquistas da Copa do Rei e veio de grande campanha naquela Copa da Uefa.
Final de 180 minutos não se resolve em apenas 90
No caminho até a decisão, o Leverkusen derrubou Austria Viena, Toulouse, Feyenoord, Barcelona e Werder Bremen, em uma trajetória bastante complicada e definida pela margem mínima do agregado, excetuando o confronto com os austríacos. Diante de Barça e Werder, os Aspirinas avançaram com apenas um gol em 180 minutos, sem necessitar de prorrogação ou penalidades. O páreo era duro e, embora os alemães já tivessem superado adversários qualificados, nada indicava que o duelo contra o Espanyol de Javier Clemente seria moleza. Tanto não indicava como foi um osso duro de roer.
Na Catalunha, os Periquitos emplacaram um sonoro 3 a 0 com dois gols de Sebastián Losada e um de Miquel Soler. Vantagem gigantesca, ainda que em solo doméstico, e que serviu para que a nanica torcida do Espanyol se entusiasmasse com a possibilidade manifesta de um título continental. O problema é que, em 18 de maio, duas semanas depois da primeira partida, o Leverkusen teria outros 90 minutos para tentar o milagre no Ulrich Haberland-Stadion, em sua cidade. Em 1988, o futebol nem sonhava com uma reviravolta como a da final da Champions em 2005, entre Milan e Liverpool, que foi para o intervalo com um 3 a 0 e acabou em 3 a 3. Portanto, não tinha como não atribuir o favoritismo aos catalães pelo atropelamento na ida.
A equipe alemã, treinada por Erich Ribbeck, não tinha muitos astros que possamos citar nominalmente sem que pareça um exercício aleatório. Mas dois deles o grande público certamente reconhece: o sul-coreano Cha Bum-kun, pioneiro asiático no futebol alemão, e o meia Tita, multicampeão com o Flamengo no início da década de 80. Foi de Tita, inclusive, que saiu o primeiro gol da partida de volta, já na segunda etapa, quando muitos locais consideravam a batalha perdida.
O Bayer começou devagar, e não encontrou espaço para furar o bloqueio defensivo do Espanyol. Bizarramente, coube à própria retaguarda catalã entregar o ouro: aos 11 minutos da etapa final, a zaga interceptou um passe da linha de fundo. Miguel Ángel, responsável pelo corte, dominou mal e se enrolou com a bola a ponto de adiantá-la dentro da pequena área. Esperto, Tita avançou para dar o bote e tocou para o gol livre de Thomas N'Kono, dando um sinal de vida dos germânicos no confronto. Apressado, o brasileiro pegou a bola na rede e correu para o meio-campo, não havia tempo a perder.
A corrida contra o tempo
Dali em diante, uma pressão insana do Leverkusen visava ferir novamente o Espanyol, para diminuir o estrago. Se tiver bambu, tem flecha, diz o ditado. Cinco minutos depois, outro gol: o reserva Klaus Täuber, que tinha acabado de entrar no lugar de Tita, arranjou uma descida pela esquerda e um cruzamento à meia-altura. De peixinho, o centroavante Falko Götz testou firme e ampliou para os Aspirinas. Mais uma vez, a zaga dos Periquitos só olhou. A final estava aberta novamente.
Clemente bem que tentou arrumar a casa, deu instruções aos seus atletas para que segurassem a vantagem mínima, que ainda dava o título ao Espanyol, mas ele não contava com a aparição decisiva de Cha Bum-kun. Aos 34, o coreano subiu mais alto que todo mundo para testar uma bola alçada na área em cobrança de falta. Fatal na hora certa, o Bayer detinha toda a vantagem emocional para o resto do confronto. Em choque, Clemente observava sua fortaleza ruir enquanto acendia um cigarro, estarrecido com o que passava diante dos seus olhos.
Com um pouco mais de sorte, os donos da casa poderiam ter feito o quarto gol para garantir no tempo normal a conquista. No entanto, era para ser com muito drama a consagração dos comandados de Ribbeck. A partida se arrastou e pouco aconteceu até o apito final, incluindo a prorrogação, que consistiu em uma batalha de nervos.
É virada que você quer? Então toma mais uma
Nos pênaltis, a história de reviravoltas se repetiu: o Leverkusen começou desperdiçando sua cobrança, com o meia Ralf Falkenmayer, que telegrafou um traque para a defesa de N'Kono. Os espanhóis converteram os chutes com Pichi Alonso e Job, abrindo 2 a 0, mas foram engolidos pela pressão das arquibancadas e perderam todas as demais chances. Santiago Urquiaga acertou o travessão e Manuel Zúñiga chutou baixo no meio, acertando as pernas de Rüdiger Vollborn.
Quando Täuber converteu com seriedade a quarta cobrança alemã rente à trave, a pressão recaiu totalmente sobre Losada, o homem que havia marcado um doblete no Sarrià. Diferente do cenário com bola rolando, a margem de erro era inexistente. Se marcasse, Losada jogaria de volta a bomba no colo dos oponentes. Mas em vez disso, o camisa 11 bateu muito mal na bola e isolou um chute pelo alto, à sua direita. O Leverkusen conseguiu duas viradas no mesmo jogo e levantou a primeira taça de sua longa história.
A segunda, pela Copa da Alemanha, veio em 1993, contra o time B do Hertha Berlim (!!!!), mas apenas um atleta do time campeão de 1988 permaneceu: o goleirão Vollborn. A taça local foi erguida pelo capitão Franco Foda, após uma vitória por 1 a 0, gol de Ulf Kirsten. Desde então, os Aspirinas falharam em levantar qualquer outro caneco, alimentando uma infame reputação de sempre entregar os pontos na hora da decisão. Por outro lado, quem estava vivo naquela louca disputa europeia em 1988 sabe que um dia o time já foi capaz de desafiar a lógica e uma montanha gigantesca para poder abraçar a glória.