Fomos Campeões: O adeus vitorioso de Guy Roux no Auxerre na Copa da França
Depois de mais de 40 anos à frente do clube, o treinador se despediu erguendo a taça
Despedidas nunca são fáceis quando se criou laços entre treinador e clube. Principalmente quando você tem décadas de um trabalho calcado na confiança. O Auxerre passou grande parte de sua história com um único treinador em seu banco de reservas: Guy Roux, que entre 1964 e 2005 levou a equipe aos seus principais títulos. Entre os canecos conquistados está, evidentemente, o da Copa da França de 2005, último troféu a entrar na sala nobre do AJA.
Quando se fala de trabalhos em longo prazo, o de Sir Alex Ferguson no Manchester United é a maior referência. Tanto pelo tempo de parceria (27 anos) quanto pelo legado de maior time da Inglaterra entre os anos 1990 e 2000. Na França, Guy Roux tentou fazer algo parecido, embora dispusesse de menos recursos, torcida e força midiática para tal. O pequeno Auxerre, com Roux, saiu das profundezas da segunda divisão para se firmar na elite e ainda conseguir alguns títulos de grande relevância nacional.
A bem-sucedida Era Roux
O treinador chegou em meados da década de 1960 e só garantiu o acesso à Ligue 1 em 1980, lentamente remando para os primeiros lugares da tabela. O Auxerre, de Roux em diante, passou a ter alguma tradição em revelar jogadores, ou ao menos descobrir nomes que fizeram história em outros lugares, como o goleiro Joël Bats, contratado do Sochaux, e Jean-Marc Ferreri, revelado em sua base. Os dois foram campeões europeus com a França na Euro 1984. No mesmo período, Eric Cantona estourava como promessa francesa, embora sua carreira tivesse demorado a progredir por conta do temperamento difícil do atacante.
Os anos 1990 viram um Auxerre mais forte e com capacidade de contratar jogadores relevantes de nível internacional. Foi a consolidação de campanhas excelentes, e em 1994, com trinta incríveis anos no banco, Roux entregou o primeiro título, na Copa da França. O clube repetiu a façanha em 1996, na memorável dobradinha em que também venceu a Ligue 1. Comandado em campo por Laurent Blanc, Corentin Martins e Lilian Laslandes, o modesto AJA colhia os frutos de um casamento pacífico com seu técnico, artífice de tal façanha.
A era vitoriosa foi prolongada, e o Auxerre levantou mais outros dois canecos da Copa da França. Nesse intervalo, superou um imprevisto com Roux, que se ausentou entre 2001 e 2002 do cargo para fazer uma cirurgia delicada no coração. Em 2003, de volta, Guy levou o time a outro triunfo copeiro, superando o Paris Saint-Germain na Copa da França. Outra geração pedia passagem e o AJA dispunha de várias jovens promessas locais: Philippe Mexès, Jean-Alain Boumsong, Yann Lachuer, Djibril Cissé e Olivier Kapo, além do senegalês Khalilou Fadiga, que havia feito sucesso na Copa do Mundo de 2002.
Lachuer foi o único remanescente na campanha de 2005, na Copa da França, quando o Auxerre foi até a decisão para enfrentar o Sedan. O grande sucesso de 2003 atraiu olhares de grandes europeus. O desmanche tirou grande parte da força do elenco, mas não a vontade de competir. Na primeira rodada, o AJA passou pelo PSG, e até a decisão, derrubou Boulogne e Nímes. Do outro lado da chave, na semifinal, o Sedan surpreendeu e derrotou o Monaco para chegar à decisão.
A hora do adeus
Em 4 de junho de 2005, já se sabia que aquele era o último jogo de Roux no banco. Após mais de 2000 jogos, o treinador decidiu que era a hora de se aposentar. E o elenco lhe deu o último presente para celebrar os 41 anos de relação. A missão já havia sido cumprida, mas cabia celebrar um derradeiro título no Stade de France, diante de 78 mil pessoas.
O jogo foi complicado, mas no minuto 37, o atacante zimbabuano Benjani Mwaruwari brigou com a zaga, insistiu na jogada e, apesar de quase ter perdido a bola, arrumou um gol finalizando no cantinho da meta de Patrick Regnault para abrir o placar. O Sedan reagiu e, com um golaço absurdo de Stephane Noro, deixou tudo igual aos 18 minutos da etapa final. Noro carregou a bola, viu espaço na marcação e chutou de muito longe para acertar o travessão. A bola quicou dentro do gol de Fabien Cool e chocou a torcida presente.
Mas a noite de festa do Auxerre não podia ser arruinada: no último minuto, Kanga Akalé desceu pela esquerda, cruzou no meio da área e achou o conterrâneo Bonaventure Kalou, que voou para a bola e tocou de primeira. Kalou havia saído do banco no lugar do capitão Lachuer para dar mais mobilidade ao ataque do AJA. A aposta de Roux, pela última vez, deu certo. Foi o suficiente para garantir o quarto título do clube na competição.
Roux deu lugar a Jacques Santini no banco do Auxerre e anunciou que estava deixando o futebol. A decisão foi revertida dois anos depois, quando o veteraníssimo comandante assumiu o Lens. No entanto, a passagem durou apenas quatro partidas. Contar mesmo, apenas as quatro longas décadas no Auxerre contaram. O senhorzinho nanico que ajudou a colocar o Auxerre no mapa já estava eternizado nas páginas do esporte muito antes disso.