Fomos campeões: O Dortmund que se vingou da Juventus em 1997
Aurinegros superaram um inimigo íntimo no principal jogo de sua história, em Munique
A final da Liga dos Campeões de 1997 foi especial por uma porção de motivos. Não só pela Europa conhecer um novo campeão, mas porque o Borussia Dortmund, último sobrevivente da edição, obteve sua maior glória diante de um adversário que, mais cedo na mesma década, havia lhe derrotado em decisões continentais. Bicampeão alemão, o time aurinegro contava com um grande trabalho que projetou o clube e o técnico Ottmar Hitzfeld para as páginas da história.
Mas a Alemanha era pouco para o Dortmund. A sensação da Bundesliga queria se provar no continente e, enquanto construía seu período mais vencedor, a torcida remoía a final da Copa da Uefa em 1993, quando caiu diante da Juventus de Roberto Baggio, um gênio que tomou o jogo para si e chegou ao topo. Mais tarde, em 1994-95, na semifinal da mesma Copa da Uefa, os bianconeri triunfaram mais uma vez e avançaram para pegar o Parma, deixando o Dortmund pelo caminho.
A história dessa rivalidade particular seguiu em 1995-96: houve dois duelos entre Borussia e Juve, na Champions, com uma vitória para cada. E o Ajax foi o algoz dos aurinegros, na fase de quartas de final. A sabedoria popular do futebol indica que o melhor caminho para conquistar um título é disputar uma competição com frequência. Esse foi o destino do Dortmund de Hitzfeld, que de tanto jogar a Champions, aprendeu suas manhas. A cada fase superada, aumentava o desejo de vingança, em outros termos para os germânicos.
Importante observar que não foi só a maturidade que fez o Borussia chegar mais cascudo para a revanche, quatro anos depois. Além de ter se reforçado bem e ganhado entrosamento no elenco, Hitzfeld ganhou peças que estiveram do lado italiano no passado recente: Andreas Möller, Júlio César, Jürgen Köhler e Paulo Sousa, todos titulares em ambas as equipes. Sousa, aliás, estava no elenco campeão europeu da Juve em 1996. E, bem, duas conquistas da Bundesliga mudaram o grupo de patamar.
Além dos ex-juventinos, outras figuras ocupavam certo protagonismo: o meia Michael Zorc, o volante Matthias Sammer e o atacantes Stephane Chapuisat e Karl-Heinz Riedle. A inesquecível saga dos alemães na Champions de 1996-97 começou num grupo ao lado de Atlético de Madrid, Widzew Lodz e Steaua Bucareste. No fim, os espanhóis ficaram com a liderança, embora tenham caído cedo no mata-mata. Adiante, o Borussia cresceu, derrubando Auxerre e o Manchester United, este após duras batalhas vencidas pelo placar mínimo. Com a passagem para Munique assegurada, Hitzfeld e seus pupilos mantiveram o status de azarões.
Inegavelmente, a Juventus era a sensação da temporada. No entanto, para a alegria do Dortmund, Roberto Baggio, algoz de outros carnavais, já não estava mais lá. Praticamente descartado e enviado ao Milan com a ascensão meteórica de Alessandro Del Piero, o craque do rabo de cavalo era um pesadelo para os alemães e sempre marcava nos confrontos. Tirando isso, o time de Marcello Lippi era ainda mais estelar do que anteriormente. Perdera Sousa, Köhler e Baggio, mas tinha Ciro Ferrara, Vladimir Jugovic, Zinedine Zidane e Christian Vieri. Del Piero, que retornava de lesão, acabou ficando no banco para a decisão.
Em dia 28 de maio de 1997, a Juve esfregava as mãos para esperar o tricampeonato continental e tinha quase todos os prognósticos a seu favor. Queria ser a grande dinastia italiana depois do Milan arrasador de Arrigo Sacchi e Fabio Capello. Lippi tinha muitos pontos que pesavam para que a Juve buscasse o título, exceto um detalhe que faria toda a diferença quem estava do outro lado já não suportava mais perder para a Juventus. Era chegada a hora do basta.
A tarde em Munique estava favorável e com um clima bastante ameno. E a finalíssima esteve à altura dos mais empolgados prognósticos. Quando a bola rolou, a Juventus buscou o gol e adotou uma tática muito mais agressiva, criando chances a todo momento, chutando a gol e buscando cruzamentos. Foi um duelo de ataque contra defesa. Ao Dortmund, restava utilizar o contragolpe para causar algum estrago na bem postada retaguarda juventina.
Foi essa a tônica da decisão. A imposição da Juve era inevitável, quase irresistível. Mas o ataque não estava em um grande dia. Ora nas mãos de Klos, ora na trave, ou para fora. Nada dava certo, apesar da insistência. Muito superior, a esquadra italiana encurralou o Dortmund, que se limitou a carregar a bola e buscar dribles pelos flancos para levar algum perigo. Chapuisat, conhecido goleador, guardou seus melhores momentos para ser garçom. Bagunçou a defesa rival e sempre era levado para a linha de fundo. Quando os alemães finalmente responderam e subiram ao ataque, um cruzamento de Lambert achou Riedle, para mandar saudações à Velha Senhora, aos 29′. O centroavante matou no peito e emendou uma bomba quase rasteira para superar Angelo Peruzzi. Mas até ali, nada ganho.
O Dortmund estava vacinado pelas derrotas anteriores. Com frieza e paciência, estudou o pouco espaço concedido pelos adversários. Chapuisat fintou um e na hora de mandar para a área, foi bloqueado por Porrini. No escanteio cobrado por Möller, Riedle, que não era lá muito alto, sobrou na área e testou firme no canto superior de Peruzzi. Em cinco minutos, a fortaleza alvinegra ruiu. Era grande o estrago, mas faltava pouco mais de uma hora para que a Juve, encrencada, buscasse uma reação. Vale repetir: Lippi tinha um baita timaço para isso. As mexidas do técnico no intervalo foram para colocar a Juve ainda mais no ataque.
Porrini saiu para dar lugar a Del Piero, que tabelaria com Zidane e Di Livio. O francês, inclusive, carimbou o pé da trave de Klos no início da segunda etapa. A pressão foi efetiva. Vieri recebeu, acionou Boksic, que foi até o fundo e cruzou para trás. Del Piero tocou de letra, com classe, e diminuiu. Parecia óbvio que a Juventus estava com a faca entre os dentes para fazer o segundo e até virar. Mas o Borussia seguiu firme no seu plano, sereno e à espreita de uma nova falha.
Como franco-atirador, o time alemão desafogou a pressão ficando um pouco mais com a bola nos 45 minutos finais, sobretudo após o gol de Del Piero. Aos 70′, Hitzfeld mexeu. Tirou Chapuisat, cansado, e promoveu a entrada do jovem Lars Ricken. Um minuto depois, ele recebeu de Möller em um contragolpe, com todo o campo à frente. Em vez de carregar até a área, o menino olhou e notou Peruzzi adiantado. Com ousadia, mandou um chute por cobertura. O arqueiro não podia fazer nada além de observar a bola cair nas redes.
Os juventinos bem que foram para o abafa, mas era um desafio muito grande. Tranquilo, o Borussia administrou o relógio e celebrou um momento que há muito esperava, contando com o apoio de figuras que conheciam o inimigo tão bem. Em Dortmund, naquela noite, a janta foi um prato frio, mas com sabor inesquecível…