Europa

Vinicius Junior, o 8º brasileiro a conquistar a Bola de Ouro (em algum universo mais justo)

Craque do Real Madrid se junta a enormes nomes do futebol brasileiro com prêmio incontestável, mesmo sofrendo com preconceito e críticas

O texto abaixo foi preparado para ser publicado assim que Vinicius Junior, nesta segunda-feira (28), fosse anunciado como o vencedor da Bola de Ouro pela temporada 2023/2024. Diante do resultado questionável por uma série de fatores, decidimos publicá-lo de qualquer forma.

Assim, a Trivela anunciaria a vitória de Vinicius Junior — que aconteceu em alguma realidade paralela mais justa por aí:


Nunca o Brasil, o país do futebol, passou tanto tempo sem a ganhar a Bola de Ouro desde a inclusão de não europeus na premiação, em 1996. Até esta segunda-feira, 27 de outubro de 2024, o último brasileiro a levá-la tinha sido Kaká, em 2 de dezembro de 2007. Quase 17 anos depois, Vinicius Júnior mudou essa realidade.

A conquista como o melhor do mundo pela revista France Football na temporada 2023/24 ao atacante do Real Madrid e da Seleção brasileira traz várias camadas e simbolismo.

Primeiro, um retorno da confiança, do otimismo e da autoestima do torcedor brasileiro, que, além de quase duas décadas sem um melhor do mundo, não vence uma Copa do Mundo desde 2002.

E, principalmente, a história de lutas e reviravoltas de Vini, com episódios de descrença de rivais e imprensa, o racismo escancarado na Espanha (às vezes até no Brasil) e a consolidação como o principal craque do maior time do planeta.

Apesar dos apelos de europeus para que Rodri, do Manchester City, ganhasse a premiação, a premiação do camisa 7 dos Blancos é incontestável e merecida.

Neste espaço, uma publicação oficial da Bola Ouro nas redes sociais seria inserida.

Vini Jr se junta a panteão do futebol brasileiro

A Bola de Ouro que vai para a sala de troféus da cria do Flamengo o coloca lado a lado com nomes que são ídolos do futebol brasileiro. Além de Kaká, também levaram a premiação da revista francesa Ronaldinho Gaúcho (2005), Ronaldo Fenômeno (1997 e 2002) e Rivaldo (1999).

Neste recorte, considerado oficial, Vini é o quinto brasileiro a conquistá-la, mas, em 2015, a France Football fez uma revisão dos prêmios antes de 1996, quando só europeus podiam vencer, e reconheceu que Pelé, Garrincha e Romário também venceriam se contasse atletas de outros continentes.

O Anjos das Pernas Tortas e o Baixinho teriam ganho em 1962 e 1994, respectivamente, pelo papel decisivo nos títulos da Copa do Mundo daqueles anos. Já o Rei levaria sete vezes.

Claro que todos os jogadores citados, com as carreiras encerradas, são nomes maiores para o futebol brasileiro do que o ganhador de 2024, mas Vinicius Júnior, aos 24 anos, ainda tem muita história a escrever.

Todos os brasileiros que já venceram a Bola de Ouro

  • Pelé (1958, 1959, 1960, 1961, 1963, 1964 e 1970)*
  • Garrincha (1962)*
  • Romário (1994)*
  • Ronaldo (1997 e 2002)
  • Rivaldo (1999)
  • Ronaldinho Gaúcho (2005)
  • Kaká (2007)
  • Vinicius Júnior (2024)

*Prêmios considerados após revisão em 2015

O poder de decisão que pesou para que Vinicius Júnior ganhasse a Bola de Ouro

Seria muito injusto tirar o troféu das mãos daquele que foi campeão da Champions League, de La Liga e da Supercopa da Espanha, todos como protagonista.

O ponta esquerda pesou de forma decisiva basicamente em todos os momentos sensíveis da temporada, especialmente no primeiro semestre deste ano. Isso começa ainda em janeiro, na final da Supercopa, marcando duas vezes contra o Barcelona em goleada marcante de 4 a 1.

No mesmo mês, contra o Girona, então concorrente pela liderança do Campeonato Espanhol, Vini abriu o placar e deu duas assistências em jogo que, além de encaminhar a taça pelo 4 a 0, ficou marcado pelo marcador do camisa 7, Yan Couto, sair literalmente chorando de campo após sofrer vários dribles do compatriota.

No mata-mata da Champions, entra o principal momento de Vinicius Júnior, com gol ou assistência em todas as fases, incluindo o segundo gol da final contra o Borussia Dortmund.

Vinicius Júnior no mata-mata da Champions League 23/24:

  • Oitavas de final contra o RB Leipzig: 1 gol (agregado 2 a 1)
  • Quartas contra o Manchester City: 2 assistências (agregado 4 a 4, vitória nos pênaltis por 4 a 3)
  • Semifinal contra o Bayern de Munique: 2 gols (agregado 4 a 3)
  • Final contra Borussia Dortmund: 1 gol (placar final 2 a 0)

Vale citar que o brasileiro somou apenas 13 jogos entre agosto até o fim de dezembro de 2023 por conta de duas lesões que o deixaram fora de combate por mais de dois meses.

Nos primeiros quatro meses da temporada, somou apenas seis gols e três assistências e nem era cotado para ser o melhor do mundo porque o colega Jude Bellingham brilhava naquele momento, mas o atacante tratou de mudar isso depois da virada do ano.

Vinicius Júnior pelo Real Madrid em 2023/24

CompetiçãoJogosGolsAssistências
La Liga26155
Champions League1064
Copa do Rei100
Supercopa da Espanha230
Total39249

Um símbolo contra o preconceito e a cara da resiliência

Vini conseguiu manter esse nível, como nas últimas temporadas, mesmo enfrentando o ódio e o preconceito em quase todo estádio que pisava na Espanha, episódios que desgastaram sua saúde mental.

Em março, durante a preparação para um amistoso entre Brasil e Espanha, organizado como uma mensagem contra o racismo, o brasileiro demonstrou o quanto isso mexeu com ele ao se emocionar em um discurso forte e corajoso, pedindo providências das autoridades locais.

— Estou aqui há muito tempo assistindo a isso e me sinto cada vez mais triste. Tenho cada vez menos vontade de jogar. A cada reclamação feita, me sinto pior, mas tenho que aparecer aqui e mostrar minha cara. Pedi ajuda à UEFA, à FIFA, à CONMEBOL, à CBF – eles podem lutar contra isso. O problema que existe na Espanha é que o racismo não é um crime. — desabafou o jogador de 24 anos com lágrimas nos olhos.

A perseguição racista, vista no duelo contra o Sevilla em outubro do ano passado, acontece também quando o atacante nem está em campo ou envolvido na partida.

Torcedores do Atlético de Madrid hostilizaram uma menina que usava a camisa do brasileiro antes do clássico no primeiro turno da última La Liga, quando Vinicius foi desfalque. Os fãs dos Colchoneros também gritaram “Vinicius, chimpanzé” nos arredores do Metropolitano em dia que o time de Madrid jogava contra a Internazionale pela Champions.

A passos de tartaruga essa realidade tem mudado. Recentemente, a polícia da Espanha identificou e prendeu quatro homens, torcedores do Atleti, por uma campanha de ódio contra o brasileiro no último mês. Antes, um homem que ofendeu racialmente o jogador do Real Madrid e Samuel Chukwueze foi preso.

E essa mudança tem o dedo direto de Vini Jr, apontando o dedo para os preconceituosos e cobrando providências das autoridades do Campeonato Espanhol, Federação Espanhola, do Ministério Público e da polícia.

A trajetória até a Bola de Ouro: origem humilde, desconfiança com mudança e evolução na Espanha

A luta de Vini para alcançar o objetivo e mudar a vida da família começou como a de boa parte da população brasileira: um garoto pobre, nascido em um bairro humilde (Porto do Rosa, em São Gonçalo), sonhando em se tornar jogador.

Cria do futsal, levou sua qualidade em dribles curtos e agilidade ao futebol de campo, iniciando em escolinhas do Flamengo e, em 2010, oficialmente aprovado para ingressar no clube.

Superando a gigante distância entre seu bairro em São Gonçalo e o Ninho do Urubu, o pequeno Vini divida os treinos com as aulas para despontar como a maior promessa da base rubro-negra, também brilhando em várias categorias de base da seleção brasileira.

Vinicius Junior, o pai Vinicius, a mãe Fernanda, o irmão José e a sobrinha Jamile, filha da irmã Alessandra
Vinicius Junior, o pai Vinicius, a mãe Fernanda, o irmão José e a sobrinha Jamile, filha da irmã Alessandra (Foto: Arquivo Pessoal/ge)

Esse destaque o levou a ser vendido em maio de 2017, com apenas 16 anos e dois jogos pelo profissional do Fla, para o Real Madrid por 45 milhões de euros (à época R$ 164 milhões).

O valor e o recorte curto na elite do futebol brasileiro (ficou apenas até o meio de 2018), somado a muito clubismo e, em alguns casos, racismo disfarçado, levaram pessoas a duvidarem do sucesso de Vinicius Júnior na Espanha.

“Não tem nível para Europa”, “será emprestado assim que chegar”, “vai jogar só no time B”, foram alguns dos comentários à época, além de apelidos, como “Neguebinha”, em referência ao ex-jogador do Fla Negueba. Esse discurso não vinha só de rivais, mas também de jornalistas e ex-jogadores.

Ele até passou rapidamente pelo Real Madrid Castilla, a equipe B do clube, mas logo foi para o profissional.

O Malvadeza, como ficou conhecido o jogador, calou a boca de todos com muito trabalho. Evoluiu a finalização, uma deficiência clara no início, de forma incrível, se tornando um finalizador confiável e também um passador de muita qualidade e, claro, unindo tudo isso à inventividade, habilidade, velocidade e drible que já tinha.

A evolução fica evidente olhando os números desde que pisou na Espanha, quebrando os recordes de temporada mais artilheira da carreira a cada temporada. O trabalho e a perseverança do craque brasileiro o levaram a ser o incontestável melhor do mundo em 2023/24.

A evolução de Vinicius Junior, temporada a temporada, no Real Madrid:

  • 2018/19: 31 jogos, 4 gols (média de 0,12 gol) e 8 assistências
  • 2019/20: 38 jogos, 5 gols (0,13) e 3 assistências
  • 2020/21: 49 jogos, 6 gols (0,12) e 4 assistências
  • 2021/22: 52 jogos, 22 gols (0,42) e 16 assistências
  • 2022/23: 55 jogos, 23 gols (0,41) e 19 assistências
  • 2023/24: 39 jogos, 24 gols (0,61) e 9 assistências

Países com mais Bolas de Ouro*

  • 1. Argentina — 8 prêmios
  • 2. Holanda, Portugal, Alemanha e França — 7 prêmios
  • 3. Brasil — 6 prêmios
  • 4. Inglaterra e Itália — 5 prêmios

*Sem considerar prêmios após revisão

Foto de Carlos Vinicius Amorim

Carlos Vinicius AmorimRedator

Nascido e criado em São Paulo, é jornalista pela Universidade Paulista (UNIP). Já passou por Yahoo!, Premier League Brasil e The Clutch, além de assessorias de imprensa. Escreve sobre futebol nacional e internacional na Trivela desde 2023.
Botão Voltar ao topo