A imagem do dia na Euro 2020: Suspiros de um tempo que não volta mais
Depois de decepções desde o título de 2006, a Azzurra se reinventa com técnica, coração e um título muito marcante
O que teve de gente cravando o fim da instituição seleção italiana de futebol desde 2018 não foi brincadeira. Depois de um trabalho péssimo com Giampiero Ventura à frente da sua equipe, a Itália soube lamber suas feridas e se refazer rapidamente para retomar sua posição entre as grandes do planeta. Quase quatro anos depois de cair na repescagem para a Suécia, vendo a Copa do Mundo de 2018 da televisão, a Squadra Azzurra comemora mais um título. E que título especial: a Euro 2020.
Minha geração, nascida e forjada nos anos 1990, com uma Serie A forte que decaiu brutalmente na virada para o novo milênio, não havia visto uma Itália com tanta organização, vontade e predestinação. Nos acostumamos àquela safra memorável que foi campeã mundial em 2006, aos trancos e barrancos, e pensávamos, do alto de nossa rasa sabedoria, que aquilo era o resumo do melhor que o futebol italiano poderia entregar. Submersa em uma crise gigantesca que foi o escândalo do Calciopoli, a Azzurra desafiou a lógica e reuniu um grupo talentosíssimo de jogadores para bater a França da mesma maneira que venceu esta edição da Euro.
De lá pra cá, muita coisa mudou. A Itália deixou de ser potência, passou alguns bons vexames, trocou de técnico e parou de gerar expectativas no resto do planeta. Este golpe no coração de um povo tão apaixonado demorou anos para ser superado. Porque feridas não fecham de um dia para o outro, sobretudo quando usamos os mesmos medicamentos de outrora. A solução para a Itália foi Roberto Mancini, subestimado por trabalhos decepcionantes em clubes, e que ambicionava revolucionar o centro da paixão de todo italiano: os homens de azul. E como gostam de falar os outros por aí, a revolução também foi estética, acima de tudo estética.
A Itália versão 2021 passou dos 30 jogos invictos, encantou, jogou ofensivamente, atacou, ficou com a bola, colocou grandes adversários nas cordas e mereceu muito ser campeã, não foi mera obra do acaso. Tomou cedo um gol da Inglaterra, que foi fruto de falhas de marcação, mas se entendeu com seus nervos e foi atrás da reação. Poderia muito bem ter matado os rivais no tempo normal, mas o destino quis que o drama desse outra carga de cores a um dia tão peculiar.
Envelhecemos e aprendemos muito desde que Fabio Grosso converteu a última penalidade em Berlim, diante da França, em 2006. Experimentamos um futebol cada vez mais dinâmico e depreendemos de cada derrota italiana um significado diferente. Grandes também agonizam como a Itália agonizou em 2010, em 2014, e na ausência de 2018. Grandes possuem recursos para responder a momentos de crise com provas incontestáveis de que a competência gera um pouco de sorte e só é sortudo quem trabalha duro, não quem fez tudo de qualquer jeito e foi presenteado por forças do além.
Fomos campeões neste domingo, todos nós que fizemos de nossas tragédias um combustível para construir um amanhã diferente, ensolarado e promissor. Nunca é tarde para se reinventar e Mancini é prova disso. Os heróis de 2006 podem repousar em seus lugares na História, agora com a companhia de uma juventude brava, liderada por um zagueiro capitão que pode até não fazer brilhar os olhos como Franco Baresi, Paolo Maldini, Fabio Cannavaro ou Alessandro Nesta, mas que em determinação jamais ficou devendo a nenhum deles. Viva Giorgio Chiellini, viva a Itália e viva a nossa garra de se remontar a cada dia.
O autor aproveita o espaço e a ocasião para agradecer imensamente aos irmãos de Trivela pela oportunidade incrível de se reencontrar com uma paixão de sempre que é a de acompanhar o futebol com uma e outra palavra como tempero. Foi um enorme prazer abrir e encerrar esta Eurocopa entre vocês, fazendo parte de um time que é campeão em dar orgulho a quem o segue.