A Escócia disputará a segunda Eurocopa seguida, fruto de um excelente trabalho
A Escócia evoluiu bastante desde a chegada do técnico Steve Clarke, em 2019, e conta com um elenco de bons recursos para ser competitiva
A Escócia atravessou um longo inverno no futebol de seleções. A Tartan Army ficou mais de duas décadas sem disputar as competições internacionais, com as repetidas ausências a partir da virada do século. A Euro 2020 encerrou o hiato que vinha desde a Copa do Mundo de 1998, e gerou grande comoção no país. Agora, os escoceses se acostumam novamente aos grandes palcos: estarão também na Euro 2024. A classificação veio sem que o time precisasse entrar em campo, graças à vitória que também classificou a Espanha e eliminou a Noruega no Grupo A. Fica a expectativa de um bom papel na Eurocopa, em preparação ao sonho de voltar à Copa do Mundo em 2026 e também à Euro 2028, que será realizada dentro do próprio Reino Unido.
A Escócia possui uma tradição inegável em Copas do Mundo, mesmo que nunca tenha passado aos mata-matas. São oito participações nos Mundiais, de 1954 a 1998. Já o histórico na Eurocopa é mais limitado. A Tartan Army estreou no torneio em 1992 e repetiu a presença em 1996. Caiu cedo nas duas participações, mas teve alguns momentos de destaque. Já o retorno à Euro 2020 valeu mais pela festa do que pela campanha. Não que os escoceses tenham feito partidas ruins, mas o único ponto saiu no sonolento empate por 0 a 0 contra a Inglaterra. As derrotas contra República Tcheca e Croácia aceleraram a eliminação.
A falta de vitórias na Eurocopa passada, porém, não custou o embalo da Escócia. O bom trabalho realizado pelo técnico Steve Clarke desde 2019 se mantém. A Tartan Army fez um bom papel nas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2022. Não conseguiu competir com uma avassaladora Dinamarca em seu grupo, mas esteve presente na repescagem. A queda aconteceu nas semifinais, diante da Ucrânia, mas a qualidade dos escoceses parecia sublinhada. O que se nota mais uma vez nestas eliminatórias da Eurocopa, agora com classificação.
A atual campanha
A Escócia fez uma campanha bastante tranquila nas eliminatórias da Euro, e por méritos próprios. A vaga se encaminhou especialmente pelos resultados iniciais. Não tanto pela estreia, um esperado 3 a 0 sobre o Chipre no Hampden Park. Muito mais valioso foi o resultado na segunda rodada, o triunfo sobre a Espanha por 2 a 0. Scott McTominay foi a estrela no Hampden Park, com os dois gols numa apresentação de contornos históricos à Tartan Army. E ainda mais vital foi o triunfo da terceira rodada, os 2 a 1 sobre a Noruega em Oslo. Os oponentes abriram o placar com Erling Braut Haaland, mas a insana virada teve tentos de Lyndon Dykes e Kenny McLean depois dos 42 do segundo tempo. O confronto direto ganharia um peso enorme na sequência.
A Escócia fechou sua participação no primeiro turno do Grupo A com a vitória por 2 a 0 sobre a Geórgia em Glasgow. O time também fez sua parte no reencontro com o Chipre, com os 2 a 0 em Larnaca. Já a classificação antecipada poderia ter vindo contra a Espanha, mas os 2 a 0 dos anfitriões em Sevilha eram compreensíveis, construídos nos minutos finais. Apesar disso, a situação da Escócia era bastante confortável, até porque a Noruega não conseguiu engrenar. E a derrota norueguesa contra os espanhóis neste domingo acabou por se tornar cabal.
A Escócia se classifica com duas rodadas de antecipação. A equipe soma 15 pontos de 18 possíveis, com 12 gols marcados e apenas três sofridos. A consistência da equipe de Steve Clarke é notável, até pela organização que teve ao longo da campanha e também pelo caráter demonstrado em jogos-chave. Desta maneira, os escoceses só cumprirão tabela na reta final. Visitarão a Geórgia em Tbilisi, com os adversários sem mais chances no Grupo A, mas garantidos na repescagem. Já a Noruega é a última adversária em Glasgow e sequer sabe se disputará a repescagem, no intrincado sistema que depende da Liga das Nações. Em caso de nova vitória, poderá ser mais uma prova de força da Tartan Army no Hampden Park.
O sucesso de Steve Clarke
Steve Clarke merece amplos elogios pelo trabalho que realiza à frente da Escócia. O ex-lateral disputou apenas seis partidas pela seleção nos tempos de jogador, embora tenha defendido o Chelsea por mais de uma década, em tempos de reconstrução do clube entre 1987 e 1998. Já à beira do campo, sua experiência se concentra sobretudo como assistente. Trabalhou ao lado de Ruud Gullit e Sir Bobby Robson no Newcastle; de José Mourinho, Avram Grant e Felipão no Chelsea; de Gianfranco Zola no West Ham; e de Sir Kenny Dalglish, Roy Hodgson e Rafa Benítez no Liverpool. Sem dúvidas, pôde aprender um bocado com uma série de grandes nomes, alguns deles que conheceu em seus tempos de atleta em Stamford Bridge.
Steve Clarke não decolou em suas primeiras experiências como treinador principal. Teve seu destaque à frente do West Brom na Premier League 2012/13, mas foi demitido no meio da temporada seguinte. Depois, não emplacou no Reading pela Championship. Voltou a ser assistente no Aston Villa, ao lado de Roberto Di Matteo, até assumir o Kilmarnock em 2017. Era sua primeira passagem pelo Campeonato Escocês e se deu bem, motivado por dirigir seu time do coração. Clarke teve resultados acima das expectativas, com uma quinta colocação no Campeonato Escocês e depois uma terceira. Levou o time de volta às copas europeias depois de 19 anos e ainda recebeu o prêmio de melhor técnico do país em 2018/19. Foi a deixa para assumir a seleção.
O nível de rendimento da Escócia desde a chegada de Steve Clarke é excelente, com 26 vitórias em 48 partidas, além de um um aproveitamento de 59,7% dos pontos disputados. O treinador botou a Tartan Army de volta em duas Eurocopas e passou perto de levar o país novamente a uma Copa do Mundo. O moral é inegável, por conseguir algo que outros treinadores mais badalados que o antecederam não fizeram. Valorizou a história da Escócia e, pelo futebol apresentado no atual ciclo, poderia sonhar até mesmo com uma inédita classificação aos mata-matas da Eurocopa.
Os recursos do elenco
Faz diferença a qualidade que a Escócia também tem à disposição em seu elenco. O nível do time é bom. É verdade que o trabalho coletivo eleva as perspectivas da Tartan Army, mas diferentes setores contam com seus talentos. Angus Gunn é o atual titular no gol, com muita experiência na Inglaterra, em setor que passou por renovação recente. A defesa costuma contar com três zagueiros, geralmente composta por Jack Hendry e Ryan Porteous. Já um dos destaques na zaga é Kieran Tierney, mesmo improvisado no setor. As alas, afinal, estão muito bem servidas. Andy Robertson é o dono da braçadeira de capitão e a grande referência técnica pela esquerda. O lado direito conta com Aaron Hickey em franca ascensão nos clubes.
No meio-campo, Scott McTominay é outro dono do time e cresce demais nas partidas da seleção. É o grande destaque nestas eliminatórias da Euro, com seis gols. Joga até mais solto, em busca do ataque, com a companhia de Callum McGregor na faixa central. Mais aberto pelos lados, John McGinn é outro jogador em alta na Premier League e com muita capacidade de resolver. Ryan Christie costuma ser a companhia do outro lado. Mais à frente, Lyndon Dykes atua como homem de referência e teve seus momentos de brilho na campanha, embora seja limitado. Ainda há opções como o atacante Che Adams, o lateral Nathan Patterson, o meia Lewis Ferguson e o volante Billy Gilmour. Não é um elenco de craques, mas tem muitos recursos.
Há uma evolução clara no trabalho da Escócia. A equipe consegue uma grande regularidade desde 2019, assim como recentemente apresenta mais capacidade de competir em partidas decisivas. Isso dá frutos, com a sequência de presenças na Eurocopa. Uma boa campanha continental depende, é claro, do sorteio dos grupos e do momento no meio do próximo ano. Ainda assim, até pelo sistema de classificação que beneficia os melhores terceiros colocados, as ambições da Tartan Army podem ser maiores do que a mera presença no torneio.