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Disputa por braçadeira e bate-boca público são sequelas de uma Bélgica fraturada internamente

Depois de uma Copa do Mundo em que foi mal e caiu ainda na primeira fase, Bélgica tem evidentes problemas internos desde o Catar

A Bélgica parece viver dias difíceis. Depois de uma Copa do Mundo em que passou vergonha, com uma primeira fase tão ruim que acabou eliminada sem chegar sequer às oitavas de final. Os problemas de relacionamento eram evidentes e a saída do técnico Roberto Martínez foi esperada, mas seis meses depois, o que vemos é que as coisas não melhoraram tanto quanto se esperava. No último domingo, o caldo entornou: Thibaut Courtois deixou a seleção da Bélgica antes do jogo contra a Estônia, nesta terça-feira, insatisfeito por não ter sido escolhido como capitão.

A disputa acontece porque até a Copa o capitão do time era Eden Hazard, que se aposentou da seleção belga ainda em dezembro. Aos 31 anos e vindo de uma passagem horrorosa no Real Madrid, foi o primeiro sinal do fim da tão falada geração belga. Seria apenas o primeiro. Depois dele, vieram Toby Alderweireldv e Axel Witsel. Sem Hazard, a braçadeira passou a Kevin De Bruyne. Até aí, tudo certo. O problema surgiu para saber quem seria o capitão na ausência de De Bruyne, que está machucado nesta data Fifa.

Romelu Lukaku foi escolhido como capitão do time contra a Áustria. Segundo o Nieuwsblad Sport, Courtois não gostou e sequer se apresentou no hotel que a seleção belga estava concentrada antes do duelo com a Estônia. A versão foi confirmada pelo técnico da Bélgica, Domenico Tedesco, em entrevista coletiva.

“Juntos decidimos que Romelu Lukaku seria o capitão contra a Áustria e Thibaut contra a Estônia”, afirmou Tedesco. “Isso foi OK para todo mundo, mas depois do jogo, ele [Courtois] subitamente queria falar comigo e me disse que iria para casa porque estava decepcionado e se sentiu ofendido”.

“Desde o começo, tentei mostrar o reconhecimento que ele merece. Aos meus olhos, ele é o melhor goleiro do mundo. Eu o adoro como goleiro, mas também como pessoa. Estou chocado”, continuou o treinador da Bélgica, revelando até mais do que se imaginava.

O jogo contra a Áustria acabou empatado por 1 a 1, com Lukaku como capitão e Courtois em campo. Supostamente, Courtois deixou o elenco por uma lesão no joelho. Tedesco, porém, não confirmou a informação. “Eu gostaria de dizer que é uma lesão, mas não posso mentir. Eu sempre tentei proteger os jogadores, mas isso é impossível nessa situação. Eu tentei dizer a ele para ficar por mais dois dias”, continuou Tedesco.

Só que Courtois não gostou das declarações do técnico e foi a público para se defender. “Eu fiquei surpreso de ouvir a coletiva de imprensa do técnico em que ele fez um relato parcial e subjetivo de uma conversa particular que tivemos após a partida contra a Áustria”, disse o goleiro.

“Eu quero deixar claro que esta não é a primeira vez ou a última vez que falei com o técnico sobre problemas no vestiário, mas é a primeira vez que alguém decidiu tornar isso público. Estou profundamente decepcionado com isso, mas quero deixar claro que as afirmações do treinador não condizem com a realidade. Eu insisto que em nenhuma situação eu exigi qualquer coisa e falei com meu colega Lukaku para esclarecer as circunstâncias relacionadas a esta situação”.

Clima tenso entre os brothers desde a Copa

O goleiro Courtois com o técnico Tedesco (Icon Sport)

A sensação de fim de feira que a Bélgica viveu na Copa do Mundo ainda deixou sequelas. No Catar, alguns sinais indicavam que a antes badalada seleção vinha recheada de problemas, que acabaram desembocando na campanha horrível.

Um desses indícios foi a perda de uma unidade conquistada através da língua. A Bélgica é um país dividido, que tem duas línguas muito faladas: o flamengo (uma versão do holandês falada por 60% do país). No sul, outra língua é dominante: o francês. Por isso, nos vestiários, essa divisão já acontecia naturalmente. Roberto Martínez viu que os jogadores usavam o inglês para falar em grupo, por ser comum aos dois grupos. A língua estabelecida como da seleção foi inglês, o que deu um sentido de unidade aos Diabos Vermelhos. Por um tempo.

Na Copa, os jogadores por vezes voltaram a falar seus idiomas com mais frequência, salientando assim ainda mais a divisão no elenco. Mas esse era apenas um dos sinais de que a coisa estava degringolando. Em campo, o time tinha perdido de Marrocos. O clima era ruim, os jogadores tinham discutido feio, com muitos dedos apontados um na cara do outro.

Quando as famílias chegaram para o churrasco com o grupo, em uma ideia de reunião que tinha sido um sucesso em 2018, viram que o clima era muito diferente. Fontes dizem que o clima já era esse quando a seleção belga chegou ao Catar.

Isso ficou mais evidente quando Kevin De Bruyne deu entrevista ao Guardian antes da Copa dizendo que a Bélgica não tinha chance de ganhar o título porque o time estava envelhecendo e que os jovens ainda não estavam no mesmo nível dos outros jogadores como em 2018.

Bom, a declaração podia até ser verdade e provavelmente a maioria das pessoas concordava, mas pegou mal. E isso ficou claro na entrevista pós-jogo de Jan Vertonghen, 35 anos, após a derrota para Marrocos. Ele disse que o time tinha perdido talvez porque “era velho demais no ataque”. Uma clara resposta ao companheiro de equipe.

Dias depois da campanha malsucedida na Copa, o jornal L’Equipe publicou uma matéria que contava bastidores a Copa em que Vertonghen e De Bruyne tiveram um desentendimento sério a ponto de precisarem ser separados por Romelu Lukaku para não se agredirem fisicamente. Hazard e Vertonghen também bateram boca na frente dos demais, embora sem confronto físico.

Embora seja normal ter diferenças e até tensões dentro de um grupo que ficou junto por muitos anos, o que parece faltar à Bélgica, de acordo com pessoas que acompanharam o time de perto, é uma liderança que ajude a aliviar essas tensões, como Vincent Kompany. Desde que o antigo capitão se aposentou, não houve um novo líder nesse sentido. Nem Eden Hazard, nem Kevin De Bruyne, nem Thibaut Courtois ou Romelu Lukaku conseguiram exercer esse papel.

Mesmo com as aposentadorias e uma tentativa de renovação de Domenico Tedesco, há problemas dentro do elenco e essa disputa pela braçadeira, com Courtois insatisfeito por não ter sido o escolhido na ausência de De Bruyne, mostra que essas arestas estão longe de estarem aparadas. Aquela que era considerada uma promissora geração de jogadores se esvaiu. A Bélgica parece ter voltado a tempos que tinha alguns grandes jogadores, uma grande maioria de coadjuvantes e alguns jovens que ainda não estão no mais alto nível internacional. Tudo isso sem uma grande liderança, nem um sentido de unidade que o grupo já teve.

Os belgas parecem ainda buscar o seu caminho e precisarão de um norte para serem guiados. A dúvida é se Tedesco conseguirá ter essa autoridade para exercer essa liderança, ou se alguém no elenco conseguirá exercer esse papel para dar um sentido de grupo a um elenco que tem individualidades com personalidades fortes e que parecem distantes entre si.

Em campo, a Bélgica venceu a Estônia por 3 a 0, sem muita empolgação e com gols do novamente capitão Lukaku, que mal foram comemorados depois das desavenças dentro do grupo e que se tornaram públicas entre Tedesco e Courtois.

Foto de Felipe Lobo

Felipe Lobo

Formado em Comunicação e Multimeios na PUC-SP e Jornalismo pela USP, encontrou no jornalismo a melhor forma de unir duas paixões: futebol e escrever. Acha que é um grande técnico no Football Manager e se apaixonou por futebol italiano (Forza Inter!). Saiu da posição de leitor para trabalhar na Trivela em 2009, onde ficou até 2023.
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