É ao mesmo tempo difícil e fácil de acreditar que o Manchester United sofreu outro colapso
O Galatasaray empatou na última terça-feira após estar perdendo por dois gols de diferença e deixou os Red Devils em situação crítica na Champions League
A torcida do Galatasaray preparou o inferno. O clima foi quente, fabuloso, hostil. E durante quase uma hora, o Manchester United lidou bem com ele. Precisava da vitória. O garoto Alejandro Garnacho aproveitou o embalo do seu golaço de bicicleta no fim de semana, e Bruno Fernandes mandou um míssil de fora da área. Era uma boa apresentação do time de Erik ten Hag. O Galatasaray, porém, encontrou um gol. André Onana não foi bem. O United ainda conseguiu fazer 3 a 1. Mas Onana falhou. De novo. E aí veio mais um colapso.
É difícil de acreditar que tenha acontecido novamente. É o terceiro em cinco rodadas da fase de grupos da Champions League, sem contar a derrota na estreia para o Bayern de Munique, quando nunca chegou a estar na frente, mas, de repente, levou dois gols em menos de cinco minutos. E ao mesmo tempo, é fácil de acreditar porque está claro há meses que há algo errado em Old Trafford, dentro de campo, fora de campo, em todos os lugares. E não era para ser assim.
Erik ten Hag fez uma primeira temporada promissora. Instaurou disciplina, até ao custo de um ídolo como Cristiano Ronaldo, conquistou um título, classificou-se à Champions League e teve momentos de bom futebol. Parecia mais o embrião de alguma coisa de verdade do que os outros sucessores de Alex Ferguson haviam conseguido construir. Em vez de um passo à frente, perdeu nove dos primeiros 17 jogos por todas as competições. O pior início desde 1973/74.
O trabalho de Ten Hag não progrediu como se esperava. E parece estar regredindo. Ele tem sua parcela de responsabilidade, mas existe um contexto mais amplo. Por exemplo: quem manda no Manchester United hoje em dia?
Fora de campo
A família Glazer foi responsável pelo dia mais feliz da torcida em uma década quando anunciou que estava colocando o clube à venda durante a última Copa do Mundo. Mas um ano depois, nada aconteceu, e a revolução deve ser menor do que se esperava.
Talvez os Glazers nunca realmente tiveram a intenção de se livrar do Manchester United. Jassim bin Hamad Al Thani, um banqueiro do Catar, e o bilionário britânico Jim Ratcliffe passaram meses em um leilão que nunca avançou. A aquisição completa está descartada no momento, embora Ratcliffe esteja prestes a adquirir 25% das ações. Deve também assumir controle do departamento de futebol, e a combinação de tudo isso gera uma situação estranha.
Quem tem autoridade para dar respaldo ao projeto esportivo se o noticiário fala tanto em mudanças de donos ou, pelo menos, da direção do departamento de futebol? O CEO, Richard Arnold, por exemplo, anunciou duas semanas atrás que está de saída. Na melhor das hipóteses, não é o cenário ideal para um momento de transformações.
A reformulação do elenco não avançou tanto quanto poderia no mercado de transferências. Quase € 200 milhões foram investidos para o Manchester United escalar Jonny Evans como titular em quatro rodadas consecutivas da Premier League, inclusive contra o Manchester City. Nada contra o experiente zagueiro que tem uma ligação afetiva com o clube, mas a ideia inicial era um contrato temporário para manter a forma física, não se tornar um dos líderes da defesa, em que pesem as lesões de Lisandro Martínez e Luke Shaw.
A principal contratação para o ataque foi um jovem de 20 anos, com apenas uma temporada razoável em uma liga de elite, a € 75 milhões. A aposta em Rasmus Hojlund não foi necessariamente ruim, mas é claramente um projeto para o futuro, enquanto o United tem necessidades um pouco mais urgentes no setor. Mason Mount também foi um investimento importante que, com toda sua experiência pelo Chelsea, deveria chegar pronto para jogar e ainda encontra dificuldades.
O desejo de mudar o goleiro titular era compreensível. De Gea estava desgastado e não se encaixava no estilo de jogo de Ten Hag. Mas a sua saída foi muito mal conduzida. O clube retirou uma proposta de renovação que havia sido assinada e ofereceu um salário ainda menor. Desrespeito com um jogador que foi essencial em momentos muito complicados.
Scott McTominay e Harry Maguire estiveram disponíveis durante toda a janela e acabaram ficando. E Anthony Martial ainda é jogador do Manchester United. Ainda entra de vez em quando, como contra o Galatasaray na última terça-feira. E ainda faz pouca coisa. Como contra o Galatasaray na última terça-feira.
Não conseguir virar a página com jogadores que claramente não têm mais tanto futuro limita os recursos para seguir com a reformulação e ainda é um potencial problema de vestiário porque alguns de seus integrantes sabem que estão lá apenas porque não houve negócio.
A administração de pessoas pareceu um dos pontos fortes de Ten Hag e, ao mesmo tempo, é um dos seus maiores desafios. Ele comprou briga com Cristiano Ronaldo e conseguiu vencê-la, embora as suas habilidades como treinador tenham sido questionadas em público pelo astro português, em uma entrevista bombástica à televisão britânica, pouco antes da rescisão de contrato.
Outros momentos de indisciplina, de jovens como Alejandro Garnacho ou estrelas como Marcus Rashford, receberam respostas implacáveis. Era uma necessidade instaurar um padrão de exigência maior em um clube que parece (sendo gentil) ter perdido a sua mentalidade vencedora desde a aposentadoria de Alex Ferguson. O próprio Ten Hag falou que herdou uma cultura “não muito boa” e suas cobranças foram elogiadas por líderes do vestiário como Bruno Fernandes.
Mas nunca para. Jadon Sancho questionou Ten Hag em público e está afastado desde setembro. Antony passou um tempo fora para responder a acusações de violência doméstica. Novos burburinhos de insatisfação surgiram recentemente com Raphaël Varane, que não é titular pela Premier League há dois meses. As relações estariam praticamente quebradas, segundo a imprensa inglesa, e não costuma ser um sinal de controle de vestiário quando reportagens como essa constantemente chegam ao público.
Dado o histórico do Manchester United desde a aposentadoria de Ferguson, Ten Hag provavelmente tem razão em adotar uma linha mais dura de comportamento e disciplina para administrar os seus jogadores, mas essa é um outro aspecto em que ele precisa de um forte respaldo dos chefes. Sancho, por exemplo, foi um investimento altíssimo do clube. A decisão de negociá-lo em janeiro, provavelmente por um preço bem menor, não pode ser bancada apenas pelo treinador.
E em campo
Tudo isso que acontece nos bastidores invariavelmente respinga no gramado, onde há problemas um pouco mais específicos. Entre eles, jogadores que caíram de rendimento. Casemiro é um caso notório, ainda que sua ausência por lesão esteja sendo sentida. Outro, claro, é André Onana, cujas falhas custaram caro ao Manchester United na fase de grupos, depois de ser provavelmente o melhor goleiro da Champions League na campanha vice-campeã da Internazionale. Parece estar sentindo mais que qualquer outro o abalo à confiança do momento ruim.
Há outros. Marcus Rashford parecia ter dado um salto quando emplacou uma sequência irresistível no começo do ano, mas não conseguiu dar seguimento. O já mencionado Mount decepciona, e Antony, problemas extra-campo à parte, parece cada vez mais incapaz de justificar os € 95 milhões pagos por ele.
A esta altura, o trabalho de Ten Hag deveria estar oferecendo uma estrutura mais sólida para evitar tantas oscilações de desempenho. Ele chegou como um discípulo da escola do Ajax e fez movimentos que sugerem a ideia de praticar um estilo de jogo de mais controle e posse de bola – um zagueiro rápido e técnico como Lisandro Martínez, por exemplo, ou a troca de De Gea, ruim com os pés, por Onana, bom com os pés.
Mas o Manchester United ainda se desorganiza com imensa facilidade e, mesmo em seus melhores momentos, parece demais com o time de Solskjaer, que brilhava em transição quando tinha campo para correr e sofria contra defesas mais fechadas.
Essa, porém, é uma situação de quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha: se o todo não está funcionando, se há problemas gerais no clube, se o coletivo sofre, é natural que os jogadores e o técnico não consigam fazer seu melhor trabalho; e se eles estão sofrendo individualmente, isso apenas alimenta o problema mais amplo, e o Manchester United se vê preso a um ciclo em que nenhuma vitória passa a segurança de que um novo desastre não está no horizonte.
O de Istambul chegou após vitórias contra Luton Town e Everton que haviam passado certa tranquilidade. E eles nem são novidade. Mesmo entre os sinais promissores da última temporada, o United sofreu derrotas pesadas contra Brentford, Manchester City, Liverpool e Sevilla. Pareceram, naquele momento, acidentes de percurso de um time em formação. Ten Hag respondeu bem, com um discurso que misturava cobrança e confiança, e sempre houve reação. Se a expectativa era que desaparecessem, parecem estar se proliferando.
Um time com tanta ambição não pode se acostumar a elas. Até porque, começa a ser possível questionar, por exemplo, qual teria sido a campanha do Manchester United se Marcus Rashford não tivesse entrado em uma fase mágica após a Copa do Mundo ou o quanto aquele sucesso não foi impulsionado por uma excelente temporada individual de Casemiro. É importante ressaltar que o mesmo time que permitiu o o empate do Galatasaray fez uma grande partida durante quase uma hora, mas importa pouco se um erro ou dois são suficientes para tudo desabar. E não pela primeira vez.
O Manchester United precisa ganhar do Bayern de Munique, garantido em primeiro lugar, no Old Trafford, e torcer por um empate entre Copenhague e Galatasaray. É uma situação difícil, e ser eliminado na fase de grupos seria horrível, mas não o fim do mundo. Aconteceu com Solskjaer em 2020/21, e aquele time ainda foi vice-campeão inglês, com uma das suas melhores campanhas pós-Ferguson, além de chegar à final da Liga Europa. Ano passado, o Barcelona não avançou às oitavas de final e conseguiu ser campeão espanhol.
Mas, principalmente, o problema é que parecia que o Manchester United finalmente havia encontrado um caminho com Ten Hag e, neste momento, isso (no mínimo) é bastante duvidoso. Continua sendo um clube desesperado por estabilidade, e não parece que a encontrará, nem dentro e nem fora de campo, nem classificado às oitavas de final, e muito menos eliminado, em um futuro próximo.