Europa

Hazard se aposenta aos 32 anos: de prodígio no Lille a sucesso no Chelsea e decadente no Real Madrid

Eden Hazard anunciou sua aposentadoria, colocando fim a uma das grandes carreiras recentes do futebol

Um anúncio que pode parecer notícia velha, mas não é: nesta terça-feira (10), Eden Hazard anunciou a sua aposentadoria do futebol profissional, aos 32 anos. É raro um jogador se aposentar com essa idade, mas no caso de Hazard, foi quase uma constatação, mais do que uma decisão. Apesar dos últimos anos de nenhum brilho, é importante lembrar que o belga que pendura as chuteiras teve uma grande carreira e viveu excelentes momentos antes do ostracismo das últimas temporadas.

Hazard estava sem contrato desde que rescindiu com o Real Madrid ao final da última temporada. Não se acertou com outro clube e, a bem da verdade, não foi nem cogitado entre os principais clubes da Europa. Os anos de Real Madrid o deixaram com uma imagem muito negativa, tanto pelo comportamento quanto pela parte física. O seu destino era incerto.

A aposentadoria da seleção belga logo depois da péssima campanha na Copa do Mundo já deu um indício. Seus últimos meses como jogador de futebol foram pelo Real Madrid, quase não jogando. Contratá-lo seria uma aposta de risco. Nem mesmo um retorno para a França, onde ele começou, pareceu estar entre as possibilidades. A aposentadoria acabou sendo um caminho natural. Quase uma oficialização do que já estava acontecendo na prática.

A carta de despedida: “Pude realizar meu sonho”

Eden Hazard se despede da seleção belga (Icon Sport)

O anúncio de Eden Hazard foi feito no seu Instagram. “Você tem que ouvir a si mesmo e parar no momento certo. Depois de 16 anos e mais de 700 jogos disputados, decidi encerrar a minha carreira como jogador profissional”.

“Eu pude realizar meu sonho, joguei e me diverti em muitos campos ao redor do mundo. Durante a minha carreira, eu tive sorte de conhecer grandes técnicos e companheiros. Obrigado a todo mundo por esses grandes tempos, eu sentirei falta de todos”.

“Um agradecimento especial à minha família, meus amigos, meus conselheiros e as pessoas que ficaram ao meu lado nos bons e maus momentos. Finalmente, um imenso agradecimento a vocês, meus fãs, que me acompanharam por todos esses anos e pelo encorajamento em todos os lugares que joguei”.

“Agora é o momento de aproveitar com as pessoas que amo e ter novas experiências. Vejo vocês fora dos gramados em breve, meus amigos”.

 
 
 
 
 
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O início como prodígio no Lille

Eden Hazard como promessa do Lille, em 2008 (Icon Sport)

Nascido em La Louvière, na Valônia, Bélgica, filho de dois jogadores de futebol. Tanto sua mãe, Carine, quanto seu pai, Thierry, eram jogadores de futebol. Os dois tiveram carreiras discretas. O pai passou a maior parte da carreira atuando em nível semiprofissional com o La Louvière, na segunda divisão belga, atuando como volante. A mãe atou na primeira divisão belga e encerrou a carreira quando estava grávida de três meses de Eden. O seu pai se aposentou em 2009.

O primeiro clube de Hazard na base foi o Royal Stade Brainois, quando ainda tinha quatro anos. Passou oito anos no clube até que foi jogar no AFC Tubize. Foi lá que ele foi observado por olheiros do Lille, em um torneio que jogou pelo clube. O clube francês fez uma proposta aos pais do garoto, que foi para o Lille em 2005.

Na temporada 2006/07, Hazard atuava tanto pelo time reserva quanto pelo time sub-18 do Lille, mas foi relacionado para um jogo do time principal com a ausência de diversos jogadores. Fez a sua estreia oficial pelo clube sob o comando de Claude Pauel em um jogo contra o Nancy, no dia 24 de novembro de 2007, derrota por 2 a 0. Com a camisa 36 às costas e ainda com 16 anos, entrou em campo e atuou por 12 minutos. Em janeiro de 2008, o jogador voltou a ser relacionado para o time principal e entrou alguns minutos nos jogos contra o Metz, Sochaux e PSG.

Para a temporada 2008/09, o jovem Eden Hazard foi promovido ao time principal pelo técnico Rudi Garcia e passou a usar a camisa 26. Passou a ser um reserva que entrava constantemente na equipe desde o começo da temporada. Marcou seu primeiro gol pelo clube no dia 20 de setembro de 2008, contra o Auxerre.

Seu primeiro jogo como titular foi contra o Saint-Etienne, no dia 15 de novembro de 2008 e fez um gol. Foi nessa temporada que ganhou seu espaço e terminou como titular do time. Fez 35 jogos no total, com seis gols e quatro assistências. Jogou em diversas posições no ataque, mas especialmente pela ponta direita.

Foi quando começaram as especulações sobre o novo garoto prodígio. Seu nome era tratado constantemente como alvo de interesse de vários grandes clubes europeus, mesmo com o jogador dizendo que não pretendia sair na próxima temporada e com o presidente do clube dizendo que não o venderia.

Hazard pelo Lille em 2012 (Icon Sport)

Se tornaria um jogador importante e destaque do Lille nas temporadas seguintes. Em 2009/10, fez 52 jogos, marcou 10 gols e fez 13 assistências. Foi a temporada 2010/11 que o consagrou definitivamente como um dos grandes nomes do futebol europeu para os próximos anos. Ele foi o grande destaque do Lille naquela temporada que o time e os Dogues conquistaram o título da Ligue 1. Hazard fez 54 jogos, 12 gols e 14 assistências. Formava um ataque perigosíssimo junto a Moussa Sow e Gervinho.

Também naquela temporada 2010/11, ajudou o time a conquistar a Copa da França naquela temporada, em uma final contra o PSG de Claude Makelele e Nenê (sim, aquele). Foi o último ano dos parisienses ainda sem o investimento do Catar. Hazard foi eleito o melhor jogador da Ligue 1, o que não é pouca coisa. Era visto nessa época como um jogador de potencial para os próximos anos e as especulações sobre sua transferência aconteciam em todas as janelas.

Mesmo com tantas especulações, ele ainda permaneceu no clube por mais uma temporada. Em 2011/12, passou a vestir a camisa 10 e sua saída era vista como inevitável. Jogou a Champions League pelo Lille e ajudou o clube a ficar em terceiro lugar na tabela da Ligue 1, atrás apenas do campeão Montpellier (de Olivier Giroud) e do PSG, agora já turbinado pelos investimentos do Catar.

Ao final daquela temporada, foi disputado por diversos clubes que queriam a sua contratação. O seu próximo destino era acompanhado por muita atenção ao redor do mundo. Hazard era um dos principais responsáveis pela geração belga ser tão elogiada. Suas atuações em alto nível, junto a jogadores que pintavam como promissores no time belga, faziam com que as projeções fossem que o time poderia tender muito bem.

A consolidação no Chelsea

Hazard se tornou ídolo no Chelsea (Icon Sport)

No dia 4 de junho de 2012, o Chelsea anunciou um acordo com o Lille para a transferência de Eden Hazard. O clube de Stamford Bridge pagou 32 milhões de libras pelo jogador (43,4 milhões de libras, em valores corrigidos pela inflação). O próprio jogador belga anunciou nas suas redes sociais que estava indo para “o atual campeão europeu”. O Chelsea tinha recém-conquistado o título da Champions League, em uma emocionante final contra o Bayern de Munique.

Pelos Blues, Hazard inicialmente recebeu a camisa 17 e se tornaria rapidamente um destaque do time. Na sua primeira temporada pelo clube, 2012/13, fez 62 jogos, marcou 13 gols e fez impressionantes 24 assistências (14 delas na Premier League).

Sua carreira pelo Chelsea seria marcado por grandes atuações, sucesso e títulos. Na primeira temporada, 2012/12, conquistou a Liga Europa – mas perdeu a disputa do Mundial de Clubes contra o Corinthians, no fim de 2012.

Na temporada 2014/15, levou a Copa da Liga. Foi campeão da Premier League duas vezes, em 2014/15 e em 2016/17. Ganhou a Copa da Inglaterra em 2017/18. Seu último título foi a Liga Europa de 2018/19, no seu último jogo pelo clube.

A sua saída foi fortemente especulada em 2018, quando o Real Madrid fez proposta para levar o jogador, logo depois de perder Cristiano Ronaldo para a Juventus. O Chelsea fez jogo duro, porque estava proibido de contratar na época por uma punição sofrida por irregularidade na contratação de menores de idade. Assim, o clube não vendeu, mas prometeu a Hazard que aceitaria a proposta na temporada seguinte. Em 2019, enfim, Hazard foi negociado com o Real Madrid por 115 milhões de euros (136,9 milhões, com correção da inflação).

Foram 352 jogos pelo Chelsea, com 110 gols marcados nos seus anos que viveu nos Blues. Se tornou um ídolo eterno em Stamford Bridge e foi para o Real Madrid ser a grande estrela que o time merengue queria, com um dos melhores jogadores da Europa naquele período. Mas não aconteceu.

Seleção belga: o líder da ótima geração belga

Hazard contra o Brasil na Copa 2018 (Icon Sport)

Antes de falarmos sobre o capítulo Real Madrid da história de Hazard, que acabou por ser o último, é importante falar da sua vida na seleção belga. Hazard atuou desde muito cedo nas categorias de base da Bélgica, do sub-15 ao sub-19. Não jogou o sub-21 porque já estava na seleção principal com essa idade.

Sua primeira convocação aconteceu em novembro de 2008, com o técnico René Vandereycken. Ele tinha 17 anos, 10 meses e 12 dias quando fez a sua primeira partida pelos Diabos Vermelhos, um amistoso cotra Luxemburgo. A partir de 2009, se tornaria uma presença constante no time do seu país, ganhando mais e mais influência — no jogo e no vestiário.

Viveu uma grande decepção quando o time não conseguiu a classificação para a Eurocopa de 2012, quando já tinha um elenco com jogadores promissores. O time comandado por Georges Leekens ficou atrás de Alemanha e Turquia no Grupo A das Eliminatórias e ficou fora do torneio de seleções da Europa. Eden Hazard já era o principal nome, acompanhado ainda por outros jogadores como Toby Alderweireld, Vincent Kompany, Jan Vertonghen, Axel Witsel e Nacer Chadli.

A decepção seria superada com a classificação para a Copa do Mundo de 2014, no Brasil. Já com Romelu Lukaku no ataque, a Bélgica fez ótima campanha no Brasil, sendo eliminada apenas pela Argentina, nas quartas de final. Os argentinos foram finalistas. A sensação era que a Bélgica poderia ter feito mais.

Na Euro 2016, novamente a Bélgica se classificou, desta vez com alguma tranquilidade. A campanha gerava expectativa, pelos jogadores que tinha e pelo que fizeram em 2014. O time tinha Kevin De Bruyne e Yannick Carrasco para se juntarem a Hazxard e Lukaku. O bom desempenho do time parou nas quartas de final novamente diante da surpreendente seleção de Gales, de Gareth Bale. Aquela derrota derrubou o técnico Marc Wilmots e a Bélgica contratou um nome inusitado: Roberto Martínez.

Veio, então, o auge daquele time. Na Copa do Mundo de 2018, a Bélgica atendeu todas as expectativas. Fez uma ótima fase de grupos, liderou a chave que tinha a Inglaterra, e foi às oitavas de final com autoridade. Passaram um sufoco contra o Japão, é verdade, e conseguiram a virada apenas nos acréscimos, em um emocionante 3 a 2.

As quartas de final, porém, marcaram o grande jogo daquele time. Diante do pentacampeão Brasil, a Bélgica abriu vantagem logo no primeiro tempo, fez 2 a 0 e segurou a pressão na segunda etapa, mesmo tomando um gol. Eden Hazard fez um ótimo jogo, ajudou o time, que chegava à semifinal da Copa. Diante da França, fez um jogo muito parelho e perdeu por 1 a 0, um gol de escanteio. Novamente, uma derrota que deixou a sensação que o time poderia fazer mais.

Hazard foi um dos melhores jogadores daquela Copa. Saiu da Rússia consagrado como um dos melhores jogadores do mundo naquele momento. Até por isso o Real Madrid já queria levá-lo logo depois do torneio na Rússia. Não conseguiu e teve que adiar seus planos. A Bélgica entregou um desempenho que se esperava e ainda tinha jogadores em idade de conseguirem mais.

Veio então a Eurocopa 2020 (jogada em 2021, por causa da pandemia de Covid-19). Em uma Euro itinerante, a Bélgica foi batendo adversário por adversário e chegou às quartas de final vencendo todos os jogos (Rússia, Dinamarca, Finlândia e Portugal, nas oitavas de final). Diante da Itália, que vinha também muito bem até ali, o time degringolou. Sem Hazard, machucado, a equipe foi derrotada por 2 a 1 pelos italianos, que seriam os campeões do torneio. A falta de futebol naquele dia preocupou e já dava indícios que havia algo errado.

A Copa do Mundo 2022, no fim daquele ano, comprovou que a ótima geração belga já tinha passado do seu melhor. Em uma campanha muito ruim, o time caiu ainda na fase de grupos, com atuações terríveis dos seus principais jogadores. Eden Hazard terminou aquele torneio no banco de reservas, em um empate diante da Croácia por 0 a 0. Entrou nos minutos finais daquele jogo, que eliminou os belgas, no dia 1º de dezembro de 2022.

Dias depois, no dia 7, Hazard anunciou a sua aposentadoria da seleção, ainda com 31 anos. Parecia precoce pela idade, mas não pelo futebol. Naquele momento, Hazard já vivia um ostracismo no Real Madrid, seu clube desde 2019, e seu futebol pareceu ter ficado em algum lugar do passado. Restaram dúvidas sobre o que ele faria com a própria carreira nos meses seguintes.

A decadência no Real Madrid

Hazard pelo Real Madrid (Icon Sport)

A chegada ao Real Madrid foi badalada. Eden Hazard foi contratado como um dos melhores jogadores do mundo, algo que o Real Madrid adora fazer. Recebeu a camisa 7, que tinha sido de Cristiano Ronaldo (e de Mariano Diaz na temporada anterior, mas isso é melhor esquecer). Vinha com o prestígio de ter sido um dos melhores da Premier League em todos os anos que atuou por lá. Vinha badalado por uma grande Copa do Mundo em 2018. Vinha, portanto, cercado de expectativas.

Só que Hazard não aconteceu. Um dos motivos foram as lesões. Teve problemas musculares no começo da temporada 2019/20. Depois, uma lesão no tornozelo. Depois, uma fratura no pé, uma fissura na fíbula e uma pancada, na reta final da temporada. Foram apenas 22 jogos na temporada, com um gol marcado e sete assistências. Ficou 24 jogos ausente naquela temporada por lesão. Em outros três, esteve no banco e não entrou. É importante lembrar que essa foi a temporada que tudo precisou parar por causa da pandemia da Covid-19.

A situação não melhoraria na temporada seguinte. Em 2020/21, novamente jogou pouco, mais uma vez afetado por lesões e uma má forma técnica que parecia não passar. Foram 21 jogos no total, com quatro gols e uma assistência. Foram 30 jogos perdidos na temporada por lesão. Com a ascensão de Vinícius Júnior, se tornou ainda menos importante no time.

A temporada 2021/22 manteve a tendência. Foram 23 jogos, um gol e duas assistências. Novamente teve problemas com lesões e atuações ruins, bem abaixo do que se esperava dele. Inevitavelmente, estava no fim da fila para entrar em campo. Até esteve no banco na final da Champions League, vencida pelo Real Madrid com gol de Vinícius Júnior, mas sequer entrou. Foram 15 jogos ausente por lesão. Outros 18 que ficou no banco e não entrou em campo.

Sua presença no Real Madrid se tornou um problema que o clube tentava se livrar. Era o maior salário do elenco, mas não jogava, seja porque não estava disponível, com as muitas lesões, seja porque estava jogando mal e tecnicamente não justificava a sua presença. Até por isso, a temporada 2022/23 foi ainda mais triste. Foram apenas 10 jogos, com um gol e duas assistências. Desta vez, perdeu menos jogos por lesão, apenas seis, mas ficou no ostracismo. Ficou no banco em 42 jogos sem sequer entrar em campo.

Ao longo de toda a sua trajetória no Real Madrid, o jogador por vezes foi acusado de leniência nos tratamentos e na forma como entrava em campo. Difícil julgar isso. O fato é que ele jogou pouco, seja por lesão, seja porque jogou mal a grande maioria dos seus jogos. Terminou como a última opção no ataque, mesmo em um time que precisava rodar o seu elenco.

Mesmo ainda com contrato em vigor, acertou a sua rescisão com o Real Madrid, em junho de 2023. Terminou a sua carreira pelo clube merengue como uma imensa decepção e será sempre visto em Madri como um grande desperdício de dinheiro que o clube fez. Deixa o Real Madrid com números muito ruins: 76 jogos, sete gols e 12 assistências. Só será lembrado por torcedores por ser uma decepção.

Sua saída do Real Madrid não pareceu despertar interesse em grandes clubes, como tinha sido desde o início da sua carreira. Tal qual seus anos em Madri, sua carreira terminava de modo melancólico. Dá pra dizer que Hazard decidiu pendurar as chuteiras quando percebeu que não teria muitas opções além disso. Para alguém que chegou a um nível tão alto, talvez não valesse a pena continuar jogando de qualquer jeito, em qualquer nível. Os problemas físicos pesaram, tendo afetado todos os seus anos na Espanha.

A aposentadoria de Hazard aos 32 anos não surpreendeu, porque na prática ele já estava aposentado há algum tempo. O jogador que brilhou intensamente pelo Lille e pelo Chelsea nunca desembarcou no Real Madrid. Foi uma sombra de si mesmo tanto no clube espanhol quanto na seleção belga nos últimos anos. O fim é triste, mas é preciso lembrar que apesar desses últimos anos de ostracismo, Hazard conseguiu ter ótimos momentos, que estarão nos corações e mentes de torcedores do Lille, do Chelsea e da seleção belga.

 
Foto de Felipe Lobo

Felipe Lobo

Formado em Comunicação e Multimeios na PUC-SP e Jornalismo pela USP, encontrou no jornalismo a melhor forma de unir duas paixões: futebol e escrever. Acha que é um grande técnico no Football Manager e se apaixonou por futebol italiano (Forza Inter!). Saiu da posição de leitor para trabalhar na Trivela em 2009, onde ficou até 2023.
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