José Luis Mendilibar viveu um inesquecível sonho com o Sevilla. O clube se tornou uma grande oportunidade para o treinador de 62 anos, mais conhecido por trabalhos em equipes pequenas e por conduzir o Eibar por anos a fio na primeira divisão espanhola. A missão do veterano no Ramón Sánchez-Pizjuán era clara: evitar o rebaixamento em La Liga 2022/23, o que ele cumpriu com sobras. Porém, num clube tão acostumado a dominar a Liga Europa, dava para fazer mais. O comandante ficará marcado por, numa fantástica campanha, reafirmar a vocação dos sevillistas no torneio continental e erguer outra vez o troféu. O sonho apenas não durou muito. Neste domingo, Mendilibar acabou demitido, diante da falta de resultados neste início de temporada.
O Sevilla faz uma campanha bastante fraca na largada de La Liga. Os rojiblancos conquistaram apenas oito pontos em oito rodadas, num modesto 14° lugar. O penoso empate por 2 a 2 contra o Rayo Vallecano se tornou a gota d'água, mas tropeços recorrentes no Campeonato Espanhol, inclusive contra adversários mais frágeis, ampliam os problemas. Também não ajudaram os dois empates nas duas primeiras rodadas da Champions League. E, como a essa altura da temporada não dá para fazer mudanças profundas no elenco, Mendilibar paga o preço com o seu emprego.
Cabe dizer que a relação interna de Mendilibar não era mais das melhores. Declarações públicas recentes minaram seu trabalho, com críticas abertas ao desempenho dos atletas. Além disso, o treinador resolveu barrar várias lideranças contra o Rayo Vallecano. Jesús Navas, Ivan Rakitic e Sergio Ramos ficaram no banco, enquanto Fernando Reges foi sacado no primeiro tempo, quando os rayistas venciam por dois gols de vantagem na Andaluzia. Os próprios jogadores criticavam a falta de rendimento do time, o que antecipou a decisão da diretoria. Nomes como Andoni Iraola, Javi Gracia, Marcelino García Toral, André Villas-Boas e até mesmo Antonio Conte surgem como alternativas na imprensa espanhola.
Dá para questionar o trabalho ruim do treinador nestes últimos meses, é claro. Mendilibar renovou com o Sevilla sob as expectativas de elevar o aproveitamento visto na reta final da temporada passada. Isso não aconteceu. Segue uma equipe fragilizada defensivamente e com dificuldades para impor suas vitórias. Mas não que isso deva incidir apenas sobre o treinador. O mercado de transferências não favoreceu os rojiblancos e criou-se um clima de previsões exageradas sobre um elenco deficiente, após a conquista da Liga Europa. A falta de regularidade se nota outra vez no Campeonato Espanhol, distante da briga pelo topo da tabela. Uma mudança de técnico pode até gerar um gás, mas não será a solução para o enfraquecimento – vide os problemas do último ano.
A passagem de Mendilibar pelo Sevilla
Mendilibar totalizou 30 partidas à frente do Sevilla, com 11 vitórias e 11 empates, além de 56 gols anotados e 43 sofridos. Os números passam distantes de transmitir uma boa impressão, especialmente quando se considera que o aproveitamento ficou abaixo dos 50% dos pontos disputados. O que o favorece é o contexto. O comandante conseguiu resolver o problema mais urgente, que era evitar o rebaixamento em La Liga. Os andaluzes ganharam solidez defensiva naquele momento e aproveitaram uma briga parelha para ganhar um respiro. Além do mais, os resultados de peso na Liga Europa ofereceram uma ótima impressão. Vale lembrar que o Sevilla eliminou Manchester United e Juventus, antes da decisão contra a Roma. A animação era justificada.
Até a final da Liga Europa, Mendilibar tinha apenas duas derrotas em 16 partidas à frente do Sevilla. Depois da turbulenta saída de Julen Lopetegui e de um péssimo trabalho de Jorge Sampaoli, o treinador basco pareceu entender bem os anseios do clube e do elenco. Simplificou o trato diário, ao passo que montou uma equipe bem mais funcional. Além disso, aproximou-se bastante dos jogadores, que defenderam abertamente sua permanência após o contrato temporário que assinou de início. Entretanto, com as mudanças no início dessa nova temporada, não se viu um salto. A estagnação teve seu preço e a direção avaliou ser melhor uma mudança de rota. Mesmo com a conquista da Liga Europa, Mendilibar não era um nome forte dentro do mercado.
Apesar da demissão, Mendilibar poderá ser lembrado com carinho pelo sevillismo. O último título da Liga Europa tem um lugar especial dentro das muitas conquistas na competição, pela maneira como reverteu um cenário difícil e veio contra os prognósticos. A força dos andaluzes no torneio se provou em grande estilo e o comandante claramente esteve entre os artífices. Além do mais, Mendilibar também sabe que viveu uma oportunidade única no Nervión. Sua história no Eibar é sensacional, assim como teve longas estadias por clubes como Valladolid e Osasuna. Todavia, os sevillistas concederam uma chancela de primeira grandeza à sua trajetória. Quando uma chance desse tamanho seria improvável, ele alcançou seu ápice.
O que fica para o Sevilla
O Sevilla aproveitará a Data Fifa para colocar ordem na casa. Porém, mesmo sendo o início da temporada, a situação parece difícil para a equipe em termos de pretensões. Com apenas oito pontos conquistados, está dois pontos acima da zona de rebaixamento. Pior ainda é a distância de 11 pontos em relação ao G-4. Tudo bem que os andaluzes estão com um jogo atrasado, no que poderia ser um confronto direto com o Atlético de Madrid, mas não que o cenário atual anime. Mesmo com otimismo, uma projeção mais real a essa altura seria se contentar com a briga pelas vagas na Liga Europa ou na Conference.
Vale destacar como o Sevilla tem feito mercados mais retraídos nas últimas temporadas. Monchi saiu rumo ao Aston Villa, mas não que fizesse um trabalho tão bom recentemente. E os reforços da janela de verão vieram a custo baixo – a exemplo do nome mais badalado, Sergio Ramos, na volta para casa. Figuras como Djibril Sow, Dodi Lukébakio, Adrià Pedrosa, Orjan Nyland, Boubakary Soumaré e Mariano Díaz tentam mostrar serviço, mas sem impulsionarem o elenco rumo ao G-4. Também pesaram as saídas de medalhões como Bono e Papu Gómez.
O Sevilla ainda tem recursos para buscar a recuperação em La Liga. Jesús Navas, Ivan Rakitic e Sergio Ramos garantem muita tarimba em alto nível, enquanto há outros bons valores como Loïc Badé, Marcos Acuña, Lucas Ocampos e Yussef En-Nesyri. O problema acontece quando nem a defesa é segura o suficiente e nem o ataque oferece tantas alternativas aptas a resolver. Mendilibar se viu atolado nas últimas semanas, mas não era apenas uma questão de plano tático. É ver se um novo comando consegue algum sinal de vida para, quem sabe, garantir uma jornada mais tranquila em La Liga – e uma boquinha na Liga Europa, como sempre.