Mendilibar transformou o Sevilla em dois meses, para que sua sonhada taça enfim viesse após duas décadas de peregrinação
O grande feito de Mendilibar era manter o Eibar por seis temporadas seguidas em La Liga, até que vivesse seu ápice aos 62 anos, quando chegou para ser um tampão no Sevilla
José Luis Mendilibar experimentou diferentes realidades em sua carreira como treinador. Peregrinou muito ao redor da Espanha, desde que passou a se dedicar à prancheta no fim dos anos 1990. O meia formado pelo Athletic Bilbao nunca atuou pela primeira divisão. Precisou buscar a elite do futebol local como técnico, mas não que os planos tenham dado certo de primeira. Um desastre quando teve a chance de dirigir o próprio Athletic, o comandante precisou se contentar com equipes medianas, até que fizesse história na volta ao País Basco, mas num contexto modesto. O Eibar, estreante na elite, conseguiu durar seis temporadas na primeira divisão com Mendi. Nem isso abriu portas maiores de imediato. Assumiu um rabo de foguete no Alavés e ficou um ano sem emprego, até que a oportunidade pintasse. O Sevilla era outra bomba a se desarmar, mas com uma projeção que o veterano de 62 anos já nem esperava. E que garantiu, de maneira tão tardia, o primeiro título de elite em sua longeva carreira. Mendilibar virou do avesso a temporada dos rojiblancos. O risco de rebaixamento desapareceu. E, em poucos meses, deve ser técnico de Champions, ao resgatar a mística na Liga Europa e faturar a taça.
Durante os primeiros anos de sua carreira como jogador, Mendilibar teve uma ótima escola no Bilbao Athletic, a filial das Leones. Podia não apenas buscar a afirmação como meia dentro das prolíficas categorias de base em Lezama, mas também conviveu com muita gente de relevo na virada dos anos 1970 para os 1980. Jogadores de seleção foram seus companheiros, como Andoni Zubizarreta e Julio Salinas. Mais notável ainda era seu treinador, Javier Clemente, lenda dos bilbaínos e depois comandante da Espanha em duas Copas do Mundo. Ficariam ensinamentos do que era um estilo de jogo agressivo e vertical, mesmo que Clemente não tenha promovido Mendi quando passou a dirigir a equipe principal dos bascos.
Mendilibar precisou fazer seu próprio caminho nas divisões de acesso. Auxiliou o Logroñés no acesso da terceira para a segunda em 1983/84. Passou depois oito anos na segundona com o Sestao, onde chegou a ser treinado por Javier Irureta, futuro campeão à frente do Deportivo de La Coruña e que teve grande papel na transição de Mendi como técnico. Já em 1993/94, na última temporada da carreira, o meia despediu-se dos gramados no modesto Lemona. Precisaria seguir por outro caminho e deu asas ao seu talento como treinador. Dirigiu o próprio Bilbao Athletic no fim dos anos 1990, antes de rodar por outros times menores da terceira divisão. Sua primeira temporada de relevo aconteceu em 2004/05, na segundona, à frente do Eibar. Chegou a esboçar o acesso inédito, com bons resultados, mas sem cumprir o objetivo final. Contava com um elenco que reunia nomes como David Silva, Gorka Iraizoz, Joseba Llorente e Gaizka Garitano.
Certamente era cedo demais para Mendilibar assumir o Athletic Bilbao em 2005/06, sem qualquer experiência anterior na elite. O treinador tinha o selo de Lezama, mas não tarimba suficiente para a tarefa. E se frustrou. A estreia em La Liga parecia promissora o suficiente, com a vitória por 3 a 0 sobre a Real Sociedad em San Mamés. Depois disso, ficou nove rodadas sem triunfar, com seis derrotas no período. Os Leones passaram a ocupar a lanterna do Campeonato Espanhol. Mendi não resistiu, tornando-se o segundo técnico mais breve da história do clube. Javier Clemente o suplantou e conseguiu evitar o rebaixamento inédito dos bilbaínos, com uma campanha de meio de tabela.
Depois disso, parecia difícil imaginar Mendilibar num clube de tanto peso em La Liga. Precisou recomeçar em ambientes mais limitados. Deu sua volta por cima no Valladolid, com o acesso logo na primeira temporada, em 2006/07. Manteve o time por duas edições consecutivas na primeira divisão, até ser demitido na campanha do rebaixamento em 2009/10. Depois disso, assumiu o Osasuna, que vinha de uma década expressiva. Emendou duas temporadas na metade de cima da tabela, com um honroso sétimo lugar em 2011/12. Durou três anos no cargo, até mais uma demissão em 2013/14, ao sofrer três derrotas nas três primeiras rodadas de La Liga. Já o Levante não viu o melhor de Mendi. Ficaria só oito partidas em 2014/15, com uma mísera vitória.
Existia um teto para o sucesso de Mendilibar, mesmo considerando sua longa rodagem em clubes da elite espanhola. E por isso não surpreendeu quando ele passou a dirigir o Eibar em 2015/16. De volta ao antigo clube e morando novamente no País Basco, a missão do treinador não era simples: seu antecessor, Gaizka Garitano, tinha oferecido um grande salto aos bascos. Assumiu o time na terceira divisão e, logo nas duas primeiras temporadas, possibilitou dois acessos – incluindo a promoção inédita à primeira divisão. Também manteve o time longe do rebaixamento na primeira campanha na elite, até sair de cena. A favor de Mendilibar, ele assumia um clube muito bem gerido nos bastidores e inserido numa realidade sem grande pressão. Fez muito com o pouco que tinha em mãos.
As seis temporadas em que Mendilibar manteve o Eibar na primeira divisão do Campeonato Espanhol são uma proeza. O treinador quase sempre contou com um dos menores orçamentos de La Liga e quase nunca correu riscos de descenso. Pelo contrário, o Eibar chegou a frequentar a zona de classificação às copas europeias até o início do segundo turno em 2015/16 e brigou pela Liga Europa até a reta final de 2016/17. Também pintou dentro do G-7 quando conseguiu uma honrosa nona colocação em 2017/18. Seguiu distante dos temores em 2018/19 e sobreviveu fora do Z-3 em 2019/20. Não deixa de ser notável que, em 190 rodadas durante suas cinco primeiras temporadas, só tenha passado seis delas dentro da zona de rebaixamento.
Uma hora o ciclo chegaria ao fim, e aconteceu em 2020/21. A pequenez do Eibar tornou mais difícil a permanência numa realidade impactada pela pandemia. A queda se consumou, mas Mendilibar ainda ficou até a rodada final para lutar pelo resgate, apesar da lanterna no Campeonato Espanhol. Era hora de buscar novos ares. Mas, apesar de operar acima das expectativas e de ajudar a revelar talentos, não é que Mendi parecesse tão bem cotado no mercado. Seu time era bastante competitivo, mas o futebol de solidez defensiva e transições rápidas não o colocavam necessariamente como um revolucionário. O sexagenário não tinha cartaz. Quando pôde ter uma nova chance, era para tentar salvar o Alavés numa campanha dramática em 2021/22. Ficou por 12 partidas, com só uma vitória. Não tinha começado o campeonato e nem terminou.
Ninguém contratou Mendilibar para a temporada 2022/23. O veterano desfrutava das férias forçadas por quase um ano, sem saber por quanto tempo ainda duraria sua carreira como treinador. E certamente abriu um sorriso quando Monchi o acionou. Tudo bem que a situação do Sevilla na tabela de La Liga não oferecia nada muito diferente do que estava acostumado, com mais uma briga contra o rebaixamento. Porém, vinha com a Liga Europa de brinde. Mesmo que os rojiblancos se arrastassem na temporada, já tinham feito o suficiente para alcançar as quartas de final da competição que tanto amam. Para um técnico que nunca tinha passado sequer das quartas de final da Copa do Rei, não deixava de ser relevante. Em torneios internacionais, no máximo, Mendi havia dirigido o Athletic Bilbao na desimportante Taça Intertoto. Perdeu os dois jogos contra o Cluj em 2005.
Mendilibar não tinha muita margem para manobra no Sevilla. Chegou em março, na Data Fifa, depois da frustração na volta de Jorge Sampaoli. A escolha de Mendi mostrava como o Sevilla errou ao buscar o argentino. Sampaoli possui um estilo de jogo bastante diferente do que se via com Julen Lopetegui – e isso sem falar no gênio intempestivo, que gerava ruídos nos vestiários. Mendilibar proporcionava uma liderança tranquila e, em campo, seria mais próximo daquela ideia pedida por Lopetegui nos três anos anteriores. Poderia simplificar o trabalho, num elenco que tinha mais qualidade do que a tabela apontava, mas que também sofreu problemas sérios em sua montagem na pré-temporada.
A resposta do Sevilla em La Liga foi extremamente positiva. Mendilibar assumiu um time que tinha acabado de perder por 6 a 1 para o Atlético de Madrid e se encontrava somente dois pontos acima da zona de rebaixamento. Conseguiu quatro vitórias e um empate nas primeiras cinco partidas pelo Campeonato Espanhol. E, apesar da derrota para o Girona depois, as novas quatro partidas de invencibilidade logo depois catapultaram os rojiblancos para a metade superior da tabela. Os piores temores ficaram para trás. Dava até para sonhar com uma vaga na Conference League. Mas não que fosse o único objetivo dos sevillistas.
A Liga Europa era um banquete para Mendilibar. O treinador arregaçou as mangas e conseguiu tirar o melhor de seu elenco, contra adversários bem mais qualificados. Viu-se um time batalhador, que não sentia qualquer tipo de pressão em busca dos resultados e que conhecia muito bem os caminhos da competição. Os 2 a 2 contra o Manchester United em Old Trafford já pareciam gigantes, mas ficaram até pequenos com os 3 a 0 no Nervión. Depois, nas semifinais, a Juventus suou muito para buscar o 1 a 1 em Turim e o Sevilla se esforçou mais ainda para sair vitorioso na Andaluzia, com os 2 a 1 de virada concluídos na prorrogação. Impressionava a forma como a equipe buscava a glória e como a própria torcida vinha junto numa avalanche.
O Sevilla voltou a acreditar em si. Tornou-se um time bem mais sólido e direto, o que se esperava com Mendilibar. O novo treinador cumpriu à risca o que se pedia e extrapolou bastante as expectativas. Um de seus méritos estava no trato com os jogadores, mais próximo e menos exigente, o oposto de Sampaoli. Isso ajudou a aliviar o ambiente. Também preferiu não inventar nestes meses em que precisou acelerar os processos. Costuma se definir como um “técnico à moda antiga”, que se vale menos das análises de vídeos e estatísticas. Priorizou o lado mais prático do futebol, do campo e bola, e o que se notou em campo foi uma melhora expressiva, com o ápice na Puskás Arena.
Dado o grau dos desafios anteriores, a Roma nem era a adversária mais temível na final. E se tem algo que o Sevilla conhece bem é a decisão da Liga Europa. Chegaram com 100% de aproveitamento na história do torneio e mantiveram. De novo, não seria uma partida tão simples em Budapeste. A Loba não atacava tanto, mas era muito perigosa quando chegava e abriu o placar com Paulo Dybala. Os méritos do Sevilla estiveram em crescer pouco antes do intervalo e em arrancar o empate no início do segundo tempo, com o gol contra de Gianluca Mancini. Mendilibar não foi bem em sua escalação, mas corrigiu a equipe com as entradas de Erik Lamela e Suso. Foi um time com muito mais cara do que é a mística rojiblanca na Liga Europa, mais vivo e ativo.
O Sevilla não manteve o ritmo o tempo todo. Dependeu de Bono na sequência do tempo normal. Já na arrastada prorrogação, os rojiblancos estavam um pouco mais inteiros e quase conseguiram a virada com uma bola no travessão, mas não que tenha sido um futebol bem jogado. A taça seria definida nos pênaltis, um momento no qual o Sevilla parecia bem mais leve. Tinha muito do costume na Liga Europa, tinha muito também do ambiente que Mendilibar conseguiu criar. Nem parece que a equipe cambaleante do início da temporada saiu campeã, com uma transformação de apenas dois meses. Soa surreal que os temores de cair para a segundona virem, em tão pouco tempo, o planejamento para a Supercopa e para a fase de grupos da Champions.
Mendilibar, que em teoria seria só um tampão e tem contrato apenas até o final da temporada, se colocou como mais um técnico histórico para o Sevilla. Junta-se a Juande Ramos, Unai Emery e Julen Lopetegui como campeões europeus. Merece ganhar a renovação. Merece ganhar a oportunidade de estrear na Champions, aos 62 anos, depois de duas décadas vividas da zona intermediária para baixo de La Liga. Se aquela passagem pelo Eibar era especial, essa pelo Sevilla é meteórica. Do muito que o veterano havia experimentado, faltava o gosto de ser campeão e o reconhecimento pela longa jornada. Agora ele desfruta.