Eliminatórias da Copa

Por que Maradona virou grande símbolo de protestos contra o governo Milei na Argentina

Argentina ferve com tensões políticas e violência com barra bravas envolvidos em protestos de aposentados; Trivela acompanhou in loco

BUENOS AIRES (ARGENTINA) — As camisas de futebol se multiplicam e colorem as ruas do centro de Buenos Aires. Uma a cada duas, com o nome de Diego Maradona às costas. Munidos de bumbos, bandeiras e faixas, os argentinos entoam seus cânticos.

Poderia muito bem ser uma festa para um clássico como o da última terça-feira (25), em que a Argentina atropelou o Brasil com uma goleada por 4 a 1 no Monumental de Núñez. Mas não era.

Na verdade, os milhares de argentinos estavam reunidos na Avenida de Mayo para um protesto contra o Governo Milei, na última segunda-feira (24), feriado nacional pelo Dia da Memória, Justiça e Verdade.

As muitas camisas de times de todas as cores e também da seleção argentina são uma prova do profundo vínculo dos torcedores de futebol e de Diego Maradona com os manifestantes.

Futebol e política caminham juntos na Argentina

A cada quarta-feira, milhares de aposentados se reúnem em frente à Casa Rosada, sede do governo federal, para protestar contra o governo Milei. Em pauta, a reivindicação de muitos direitos revogados na atual gestão – desde o auxílio para compra de medicamentos a uma redução nos valores pagos em aposentadoria.

A tensão escalou pouco a pouco, até os protestos ganharem contornos de violência. A cena de uma idosa com a camisa do modesto clube Chacarita Juniors sendo agredida por um policial rodou o país, fruto da política “antiprotestos” instituída pelo governo e em especial pela ministra de segurança, Patricia Bullrich.

— O “controle” das ruas foi uma das bandeiras de campanha de Milei. Desde que assumiu, o governo colocou em prática um protocolo “antiprotesto”, utilizando o aparato repressivo do estado para evitar qualquer tipo de manifestação. Por isso, os aposentados vêm sofrendo na própria pele durante os seus protestos — explica o jornalista argentino Joaquín Mosquera à reportagem da Trivela em Buenos Aires.

Foi a partir destas cenas que os barra bravas entraram em ação. A “barra” [termo associado a torcidas organizadas na Argentina] do Chacarita Juniors decidiu convocar a presença de seus integrantes nas manifestações. Esta atitude se espalhou por outras torcidas, e o resultado foi um confronto recente entre os torcedores e a polícia.

O envolvimento dos barra bravas, aliás, não é tão “simples” quanto a mera defesa dos aposentados. As torcidas costumam lucrar com os clubes e os jogos de poder e participam também de movimentos políticos.

— As manifestações de torcedores de futebol nos protestos é vista como positiva, por serem torcedores genuínos. Mas na Argentina, as barra bravas são grupos não só violentos, mas que também têm vínculos com a política. Grupos que buscam capitalizar politicamente este tipo de mobilizações — explica Mosquera.

Torcedores participam de protesto na Argentina
Torcedores participam de protesto na Argentina (Foto: Imago)

- - Continua após o recado - -

Assine a newsletter da Trivela e junte-se à nossa comunidade. Receba conteúdo exclusivo toda semana e concorra a prêmios incríveis!

Já somos mais de 3.200 apaixonados por futebol!

Ao se inscrever, você concorda com a nossa Termos de Uso.

La Mano de Dios

As manifestações recentes têm também um toque de Diego Maradona – como tudo o que ocorre na Argentina, diga-se. Além das muitas camisas com o nome do eterno ídolo de uma nação, uma frase dita por ele serve de lema para os manifestantes.

— Hay que ser muy cagón para no defender a los jubilados (Tem que ser muito “cagão para não defender os aposentados”, na tradução em português).

Esta frase estampa cartazes e faixas carregadas pelos manifestantes e foi usada também para convocar os torcedores e integrantes das “barras” a se juntar aos protestos.

— Tudo na Argentina tem um toque de Maradona. Para além de todas as contradições que ele pode ter tido (e quem não as tem?), se tem algo que caracterizou Diego fora do futebol foi sempre estar do lado do povo e defender quem ele considerava mais fraco. É por isso (e por muitas razões mais) que a figura de Maradona transcende o futebol e será sempre um símbolo de luta. Porque se tem algo que Maradona não fazia era ficar calado — explica o jornalista Joaquín Mosquera.

A relação de Maradona com o povo, claro, é bem mais profunda e transcende até mesmo o futebol. O “Dios” é o grande ídolo de uma nação, também por seu envolvimento com questões políticas e por sempre se posicionar do lado dos menos favorecidos.

Em uma de suas declarações mais famosas, Maradona afirmou categoricamente:

— Sou um filho da classe trabalhadora e sempre estarei ao lado dos que lutam por justiça.

Ao longo dos anos, Maradona sempre se posicionou politicamente como integrante da esquerda. Sua relação de amizade e admiração por Fidel Castro e Hugo Chávez é prova disso. Na Argentina, ele esteve ao lado do governo dos Kirchner.

Torcedor protesta com frase de Maradona
Torcedor protesta com frase de Maradona (Foto: Eduardo Deconto)

Entenda os protestos dos aposentados na Argentina

Os aposentados protestam contra o corte de diversos benefícios pelo governo Milei. Entre as medidas, estão o fim do auxílio para compra de medicamentos e a redução dos valores da aposentadoria. O ajuste fiscal é uma das bandeiras do atual presidente argentino.

Mas a verdade é que as marchas de quarta-feira são uma tradição bem mais antiga do que o governo Milei. Desde a década de 90, os aposentados percorrem a avenida Rivadavia, em frente ao Congresso Nacional, em direção à Casa Rosada, evidenciando que o problema previdenciário do país é um grande problema há anos.

Estes atos foram historicamente encabeçados por Norma Piá e se transformaram em tradição na Argentina. Hoje, eles são uma espécie de símbolo da luta dos setores sociais por mais direitos.

Foto de Eduardo Deconto

Eduardo DecontoSetorista

Jornalista pela PUCRS, é setorista de Seleção e do São Paulo na Trivela desde 2023. Antes disso, trabalhou por uma década no Grupo RBS. Foi repórter do ge.globo por seis anos e do Esporte da RBS TV, por dois. Não acredite no hype.
Botão Voltar ao topo