Eliminatórias da Copa

Estevão, outro e sempre, é mais um menino para sonhar na seleção brasileira

Equipe de Dorival encara Equador nesta sexta-feira (06), mas prodígio palmeirense ainda não deve ser titular

O que une todos os torcedores do país, deixando de lado a insuportável competição em que se colocam como os maiores prejudicados pela arbitragem, é um carinho incondicional, um prazer genuíno em assistir jogadores revelados em casa. É nossa defesa: contra o dinheiro estrangeiro, os milionários pulando de time em time e a domesticação do jogo, queremos o talento puro e atrevido dos garotos. Bota os meninos!

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É onde ainda somos os melhores – não sei se algum time do mundo no passado recente formou um trio de adolescentes ao nível de Endrick, Luiz Guilherme e Estevão para serem escalados juntos, por exemplo. É também onde o olho brilha e o sonho não cabe no sorriso, porque a gente volta a ser criança e esquece, num drible na linha de fundo, dos salários, empresários, olheiros, mercados e diferenças monetárias que logo ali na frente vão chegar para atrapalhar nossas vidas – que pena é tê-los arrancados dos nossos campos tão cedo.

É ainda identidade, marca estampada no jeito de pisar na bola e carregada até o final da carreira, porque um menino da Vila é diferente de alguém made in Cotia, e quem sai do Celeiro de Ases é uma coisa, do Terrão é outra, e de Xerém, do Ninho… Tem cria da Colina e cria da Academia, cada um tem um jeito, ora subjetivo, ora cravado pela comissão técnica influenciada pelo histórico da casa, na maneira própria de subir o rapaz de 16, 17 anos incompletos.

É salvação quando o time vai mal ou o reforço que chegou com pompa, apresentação em sala cheia e vídeo personalizado nas redes, não guarda uma bola para dentro. Às vezes chega a ser fetiche – tem quem sempre vai jurar que fulano, um moleque que comeu a bola num jogo de base que assistiu por acaso, é muito melhor que esse trintão que só joga porque passou pela seleção e custou caro. De todo jeito, é um barato, e é unânime: amamos quando entra um pivete e nos leva, no corpo franzino, a lembrar o que é ter as pernas frescas e partir para cima do marcador.

Eu achava no ano passado que Endrick era o mais influente menor de idade numa campanha importante dum grande clube brasileiro em muito tempo. Houve Ronaldo naquele Cruzeiro de 1993, Alexandre Pato guardado para já ser titular em 2006, Neymar no Santos meio irregular de 2009, mas o ex-camisa 9 palmeirense ressuscitou um Campeonato Brasileiro por conta própria, quando até o clube já entendia o ano como perdido – tipo assim, se não tem o Endrick, não tem o Palmeiras campeão, ponto. E aí, como brota craque em cada canto dessa terra, surgiu Estevão, outra coisa assombrosa. Ele precisou de muito pouco para que o time criasse uma dependência de sua bola, o que chega a ser embaraçoso. Como é que já chega sendo o melhor e mais decisivo jogador do elenco? É uma vantagem flagrante mesmo diante de um vestiário multicampeão.

Estevão já merecia ser titular da seleção brasileira?

Dorival Júnior não demorou, que bom, e já levou o ponta-direita para a seleção. Existe um certo conservadorismo no ar em relação a preservar atletas de baixa idade, o que para mim é um receio que não se justifica. Estevão precisou responder se, tal qual Endrick, ouviu do treinador que precisará ter calma, coisa e tal. Bobagem. Ele está entre os 23 pelo que joga hoje, não pelo que vai oferecer um dia. É das contradições do nosso debate, que na ânsia de cuidar do talento acaba, por vias tortas, podando e jogando ainda mais assunto nas costas do garoto. Queremos gente boa, mas com calma? Sei não. Quem é especial é urgente.

Estevão não será titular, justo, e ali tem alguém hoje mais pronto e talvez melhor, o espetacular Luiz Henrique, qualidade cristalina com uns aninhos e um pulo na Europa a mais. Mas é importante que os jogadores formados no Brasil reconheçam no time nacional um lugar que acolhe e banca o jeito dessa turma jogar, sem precisar necessariamente esperar uma maturidade projetada nem a transferência, até porque às vezes ela não dá conta da expectativa. A Copa do Mundo de Paulo Henrique Ganso era a de 2010, aos 20 anos, não depois. Não teve depois. A seleção de Estevão é agora.

Se os ingressos são caríssimos, a identificação está sob dúvidas e o time, coletivamente, anda sofrendo para encaixar (uma vitória em seis jogos: como foi desastrosa a busca por resultados com Fernando Diniz), que ao menos a camisa amarela nos dê aquele gostinho de ver a perna esquerda de Estevão sambando para cima de um equatoriano qualquer. É sexta-feira tarde da noite, afinal, e se não for para ser divertido e nos contar o que temos de melhor, nem vale tanto assim.

Foto de Paulo Junior

Paulo JuniorColaborador

Paulo Junior é jornalista e documentarista, nascido em São Bernardo do Campo (SP) em 1988. Tem trabalhos publicados em diversas redações brasileiras – ESPN, BBC, Central3, CNN, Goal, UOL –, e colabora com a Trivela, em texto ou no podcast, desde 2015. Nas redes sociais: @paulo__junior__.
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