Brasil

Terceira geração de meninos do Palmeiras, efêmera, chacoalha Abel

Se o treinador tem sua razão em pedir calma com os garotos, eles são novos para a vida, mas no limite de irem embora

Antes de tudo: o Campeonato Brasileiro tinha de parar. Primeiro pela isonomia esportiva, já que três dos vinte clubes estão mobilizados por minimizar os danos e salvar as vidas atingidas por um desastre climático. Segundo pelo senso de solidariedade, que possa dar conta de nos lembrar que há coisas mais importantes do que o esporte, ainda que visto como negócio. Mas quando a bola não pode parar, a gente se torna menos sensível à dor e às necessidades dos atingidos, inclusive falando daqueles que estão dentro de Grêmio, Internacional e Juventude. Um time jogando e outro ajudando gente com água no joelho. Para quem ama, vive e trabalha com futebol, resta um certo constrangimento e um lamento, grande, por ver essa força simbólica toda topando ser apenas o mais do mesmo. Não surpreende, mas, enfim. Segue o jogo.

Quem disse foi o agora ex-gerente de futebol Cícero Souza, com a licença da frase de efeito, mas tentando explicar esse encontro de interesse e momento compatíveis no centro de treinamento localizado na Barra Funda, em São Paulo: o Palmeiras precisava de um técnico como Abel Ferreira, o Abel Ferreira precisava de um clube como o Palmeiras. Desde que os desejos se esbarraram de verde e branco em novembro de 2020, meio por acaso, meio por afinidade de intenções, forjou-se uma relação que se estabelece no longo prazo, tentando se proteger das intempéries da semana e acreditando radicalmente que a estabilidade e a coesão do time e do elenco, mês após mês, é o que de melhor se tem a fazer. Ganhou muito assim, diversas vezes exclusivamente por isso.

Mas a maratona diante de um elenco histórico tem seus desafios, e o técnico português já vive seu quinto Brasileirão. José Mourinho muitas vezes sucumbiu no terceiro ano em seus trabalhos recentes. Pep Guardiola preferiu não renovar com o Bayern depois da terceira temporada, e Tite, à época de seu grande trabalho no Corinthians, também dizia algo parecido, de que uns três anos eram um bom período para uma passagem ter começo, meio e fim. Encontrar saídas, remexer o vestiário e arejar combinações que acumulam pôsteres na parede dá trabalho. E a nova geração dos meninos criados na Academia é finalmente o empurrão para oferecer a Abel a possibilidade de um novo time — enquanto der tempo.

Porque se o treinador tem sua razão em pedir calma com os garotos, eles são novos para a vida, mas no limite de irem embora. Endrick, aos 17 anos, era reserva de semifinal de Libertadores, preterido num time que, sem Dudu, foi de Mayke, Arthur e Rony. Logo mais, aos 18, viaja para Madri. Agora, Estevão, também 17, já é fruto do assédio europeu e a novidade será se o Palmeiras conseguir mantê-lo por muito tempo depois de chegar à maioridade. Luis Guilherme, adulto há três meses, é outro que não surpreenderá ninguém se qualquer dia acordar negociado com o estrangeiro. Precisam jogar, todas e sempre, pela maior quantidade de minutos que for possível. Amanhã pode ser tarde.

O português é um craque da gestão de grupo e defende seus jogadores como poucos. Tem um elenco leal ao seu trabalho e se tornou, desde o fim de 2020, o mentor de um time que tem uma capacidade de concentração poucas vezes vista. E em cima disso é interessante vê-lo mudar um pouco a rota e ceder mais protagonismo aos meninos que em outros tempos. Ele foi extremamente cuidadoso, para não dizer conservador, em dar logo o ataque na mão de Endrick. Agora, quando Estevão pega uma bola de pênalti e o faz com a categoria que lhe é particular, se vê uma imagem importante nessa fluidez das hierarquias em momento em que os pilares do time não estão voando como antes. Uma foto de uma certa renovação gradual, mas em curso, pronta.

Gustavo Gómez já não sobra diante de Murilo e Luan como em outros momentos, Zé Rafael sofreu com lesão e com as constantes mudanças de posicionamento, Veiga vive semanas de maior dificuldade em manter o ritmo por todo o jogo, Rony está em fase mais distante de seus tempos de gols improváveis. Dudu, ídolo da torcida, ainda precisará voltar de lesão e recuperar o ritmo depois de um ano. O time, por muitos momentos, foi empurrado por nomes como Aníbal Moreno, Ríos, Flaco, gente menos influente na formatação do quadro histórico. Tem espaço para os adolescentes, e já, até eles viajarem para a gente seguir vendo só de tarde, pela TV ligada na Champions League.

Abel admitiu que demorou a mudar o time no ano passado, quando da queda diante do Boca Juniors. Faz parte, a promoção dos jovens tem seus percalços, e vale ressaltar que gente como Tabata e Arthur poderiam ter rendido muito mais. Às vezes também é preciso de um empurrão mais incisivo, como o feito na virada para 2020, quando Vanderlei Luxemburgo cortou caminho para Gabriel Menino, Patrick de Paula, Danilo, Renan, Wesley, Verón. Eles subiram, ganharam e ficaram, abrindo caminho para a mais vitoriosa das gerações da base, a segunda dessa era, a campeã da Copinha com Vanderlan, Garcia, Naves, Fabinho, Jhon Jhon, Endrick. Agora, a terceira pede passagem para encurtar essa distância até a estabilidade assegurada, o direito de atuar em jogos seguidos, de jogar na melhor posição, de errar e não voltar ao fim da fila. Menos Disney, mais campo. Os elogios rasgados do treinador apontam para isso. Realidade.

Ainda não é o Palmeiras de Estevão e Luis Guilherme que vai a campo na noite desta quinta-feira em Montevidéu, menos pela escalação e mais pelo processo de oferecer ao talento a liderança técnica das ações e das ideias de um novo time. Mas dessa vez parece inevitável que, fosse semana que vem o maior jogo do ano, eles chegariam grandes, importantes, do tamanho do deslumbre que causam a cada toque na bola. Sorte de Abel, que sempre tem um plano, mas ganhou os miúdos para rabiscar as velhas pranchetas. Um chacoalhão que vem em ótima hora, mas, dores do futebol brasileiro, pode não durar muito. Tem um Chelsea abrindo a carteira ali na frente, para variar, e o melhor pode ser só agora.

Foto de Paulo Junior

Paulo JuniorColaborador

Paulo Junior é jornalista e documentarista, nascido em São Bernardo do Campo (SP) em 1988. Tem trabalhos publicados em diversas redações brasileiras – ESPN, BBC, Central3, CNN, Goal, UOL –, e colabora com a Trivela, em texto ou no podcast, desde 2015. Nas redes sociais: @paulo__junior__.
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