Copa Ouro

Com 47 mil habitantes, São Cristóvão e Neves consegue um pequeno milagre e vai estrear na Copa Ouro

São Cristóvão e Neves surpreendeu no qualificatório da Copa Ouro e se torna a seleção da nação menos populosa a disputar a fazer decisiva do torneio continental

A Copa Ouro começa no próximo sábado, mas só terminou de definir os últimos três de seus 16 participantes nesta terça-feira. E a repescagem da competição continental ofereceu suas surpresas. Nem tanto por Guadalupe e Martinica, equipes frequentes no torneio ao longo das últimas décadas e que inclusive disputaram a edição de 2021. O milagre fica por conta de São Cristóvão e Neves, única seleção estreante da Copa Ouro 2023. Os Sugar Boyz já tinham registrado um feito e tanto com a vitória na semifinal do qualificatório, contra Curaçao. Pois conseguiram surpreender de novo na decisão e despacharam a Guiana Francesa. Depois do empate por 1 a 1 no tempo normal, a vaga saiu nos pênaltis, com o triunfo por 4 a 2. O feito é enorme para um país de 47 mil habitantes, que ocupa apenas o 139° lugar no Ranking da Fifa.

A seleção de São Cristóvão e Neves existe desde 1938, mas limitada apenas a pequenos torneios regionais. Foi somente no fim da década de 1970, depois que as ilhas se tornaram um estado associado do Reino Unido, que os são-cristovenses passaram a disputar as competições regionais da Concacaf. Na época, os Sugar Boyz faziam parte da União Caribenha de Futebol (CFU) e figuravam no principal torneio da entidade. Passos maiores aconteceram a partir de então, com a independência do país em 1983 e a filiação à Fifa em 1992. Seria o momento em que, dentro de seus limites, São Cristóvão e Neves teria sua projeção local.

Durante os anos 1990, São Cristóvão e Neves fez boas campanhas na Copa do Caribe. Chegou à quarta colocação em 1993 e viveria seu ápice em 1997, quando co-sediou a competição. Os Sugar Boyz foram vice-campeões, derrotados por Trinidad & Tobago na decisão. Entretanto, na época, o bom desempenho não necessariamente rendia vaga direta na Copa Ouro. Os são-cristovenses tiveram que disputar um confronto direto com Cuba, vice-campeã da Copa do Caribe de 1996, por um lugar na Copa Ouro de 1998. Perderam e ficaram a um triz da classificação inédita.

Na mesma época, São Cristóvão e Neves passou a disputar as Eliminatórias para a Copa do Mundo, integrando o classificatório da Concacaf a partir do Mundial de 1998. Seu melhor desempenho aconteceu no qualificatório para a Copa de 2006. A equipe passou das fases preliminares e chegou a disputar a penúltima etapa, mesmo sem amedrontar México e Trinidad & Tobago pela classificação. De qualquer maneira, dificilmente os desempenhos dos são-cristovenses nas Eliminatórias chamaram atenção. Uma exceção, que sinalizou certo crescimento, veio na caminhada para a Copa de 2022. Os Sugar Boyz avançaram na primeira fase, num grupo relativamente duro contra Trinidad & Tobago, Porto Rico, Guiana e Bahamas. Todavia, atropelados por El Salvador, não avançaram ao octogonal final. A façanha desta geração ficaria mesmo para a Copa Ouro.

São Cristóvão e Neves se credenciou para a última fase qualificatória da Copa Ouro através de seu desempenho na Liga das Nações 2022/23. Assim como acontece na Eurocopa, a Copa Ouro também oferece um atalho aos times da última divisão da Nations – no caso, a terceira da Concacaf. Desta maneira, o rebaixamento dos são-cristovenses na primeira edição da Liga das Nações, da Liga B para a C, auxiliaria o time na atual ascensão. Os Sugar Boyz se garantiram na fase final das eliminatórias da Copa Ouro graças ao acesso na terceirona da Nations, num grupo que tinha Aruba e Saint Martin. A partir de então, integrariam os mata-matas de repescagem da Copa Ouro, nos quais 12 times se dividiram em três chaves, com semifinais e final. Apenas o vencedor de cada chave ficaria com a vaga na fase principal do torneio continental.

Nestes últimos dias de qualificatório, São Cristóvão e Neves superou muito as expectativas. Primeiro, pela classificação diante de Curaçao nas semifinais da repescagem. Os adversários eram uma das equipes de maior ascensão recente na Concacaf e integram a primeira divisão da Liga das Nações. Além disso, o elenco treinado por Aron Winter é recheado de jogadores com experiência em grandes ligas europeias – com destaque a nomes como Cuco Martina, Vurnon Anita, Juninho Bacuna, Leandro Bacuna e Jürgen Locadia. O fato de aparecerem 51 posições à frente no Ranking da Fifa não facilitou aos curaçauenses no desafio diante dos Sugar Boyz. Os são-cristovenses buscaram o empate por 1 a 1 e avançaram nos pênaltis.

Já na decisão, Guiana Francesa se sugeria um adversário até mais acessível para São Cristóvão e Neves. Os oponentes disputam a segunda divisão da Liga das Nações da Concacaf e haviam jogado a Copa Ouro apenas uma vez, em 2017. Não possuem um elenco tão qualificado quanto o de Curaçao e sequer fazem parte da Fifa, como um território ultramarino francês. O desafio dos são-cristovenses era fazer o raio cair pela segunda vez no mesmo lugar, diante de teóricos favoritos. E cumpriram a missão. Durante o tempo normal, as equipes empataram por 1 a 1. Tiquanny Williams abriu o placar para os Sugar Boyz, enquanto os oponentes empataram num pênalti convertido por Arnold Abelint. Já na disputa por penais, São Cristóvão e Neves foi mais competente no triunfo por 4 a 2. Todos do time converteram as cobranças e o goleiro Julani Archibald, que já tinha feito a diferença na semifinal, voltou a ser herói.

O comando técnico de São Cristóvão e Neves atualmente está nas mãos de Austin Huggins. Antigo jogador da seleção, ele fazia parte da equipe que ficou a uma partida da classificação para a Copa Ouro de 1998. Consegue dar a volta por cima, duas décadas e meia depois. Huggins assumiu o cargo há poucos meses, em 2022, substituindo um brasileiro. Leonardo Neiva realizou um bom trabalho recente, responsável pela caminhada de destaque nas Eliminatórias da Copa de 2022.

Já o elenco dos Sugar Boyz mistura principalmente jogadores da liga local, outros em atividade na NCAA dos Estados Unidos e mais alguns das divisões de acesso do Campeonato Inglês – se valendo de muitos descendentes são-cristovenses nascidos no Reio Unido. Destes, o nome mais relevante é o meio-campista Romaine Sawyers, de 31 anos. Natural de Birmingham, chegou a defender brevemente o West Brom na Premier League e atualmente veste a camisa do Cardiff City na Championship. Já entre aqueles nascidos no Caribe, os destaques são o goleiro Julani Archibald (atualmente na quinta divisão espanhola) e o zagueiro Gerard Williams (formado pelo Sunderland e que atualmente joga na Índia). Williams é o recordista em aparições pela equipe nacional, enquanto Archibald é o quarto da lista.

Entre seus descendentes, São Cristóvão e Neves não possui tantos talentos assim em atividade por outras seleções. A grande exceção é Marcus Rashford, de mãe são-cristovense e que certamente provocaria um impacto tremendo nos Sugar Boyz. Contudo, até pela população diminuta das ilhas, as possibilidades são consideravelmente escassas. Tal limitação torna o feito da equipe ainda maior por essa classificação para a Copa Ouro. É a nação menos populosa a participar do torneio da Concacaf em sua história.

Nas outras decisões das preliminares, as classificações de Guadalupe e Martinica não foram tão surpreendentes. Guadalupe derrotou Guiana por 2 a 0, gols de Liam Gordon e Andreaw Gravillon. A equipe jogará a Copa Ouro pela quinta vez, com destaque para a caminhada até as semifinais em 2007. Já Martinica bateu Porto Rico por 2 a 0, gols de Brighton Labeau e Kévin Fortune. São 12 participações dos martinicanos na Copa Ouro, sem nunca passar das quartas de final, mas presentes nas três últimas edições. Ambas as equipes fazem parte apenas da Concacaf, e não da Fifa, como seus territórios são posses ultramarinas da França.

São Cristóvão e Neves estará no Grupo A da Copa Ouro, o mesmo de Estados Unidos, Jamaica e Trinidad & Tobago. O Grupo B contará com México, Haiti, Honduras e Catar. O Grupo C é o de Costa Rica, Panamá, El Salvador e Martinica. Por fim, o Grupo D reúne Canadá, Guatemala, Cuba e Guadalupe. O torneio acontece de 24 de junho a 16 de julho, em estádios espalhados pelos EUA e também um no Canadá.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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