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Parceria com David Luiz e autoconfiança em dia: Como o nigeriano Shola vive o Flamengo

Atacante nigeriano do sub-20 rubro-negro abriu o jogo sobre as suas mais diferentes fases no esporte que ama

O alegria não fica apenas no futebol mostrado em campo. O nigeriano Ogundana Shola, principal destaque das categorias de base do Flamengo atualmente, também carrega um sorriso de orelha a orelha fora dos gramados.

Shola será uma das atrações do Flamengo no Mundial sub-20, que será disputado no Maracanã, no próximo dia 24. Titular absoluto da equipe de base pelo lado esquerdo do ataque e galgando as primeiras oportunidades junto ao elenco profissional, o jovem de 19 anos está curtindo o momento.

— Eu estou sempre com um sorriso no rosto porque estou muito feliz. Não tenho porque estar triste. Estou no maior clube do Brasil, tendo oportunidades, me destacando. Vou fazer o meu melhor sempre para ajudar o Flamengo e me tornar peça importante entre os profissionais — disse Shola em entrevista exclusiva à Trivela. 

Mas a trajetória de Shola não carrega apenas bom momentos. Natural de uma pequena cidade da Nigéria, o atacante teve que superar poucas e boas para chegar ao clube de maior torcida do Brasil.

Shola e os primeiros passos no futebol na Nigéria

Natural de Ifaki, cidade de pouco mais de dez mil habitantes, Shola demorou um pouco para dar seus primeiros passos no futebol.

Ele costumava dividir o tempo da infância entre a escola e ajudando a família em casa, fato que deixava pouco para o esporte. A partir dos 11 anos, no entanto, tudo mudou.

Navegue pelo mapa para conhecer Ifaki, na Nigéria

O nigeriano revelou que, após conversa com o pai, o apoio foi imediato. A família, inclusive, o acompanha com vigor até hoje, mesmo que a diferença entre os horários do Rio de Janeiro e Ifaki, que é de quatro horas, nem sempre ajude.

— Eu demorei para começar a jogar futebol. Estava na escola, também precisei ajudar bastante em casa quando era mais novo. Foram tempos difíceis antes de mostrar para a minha família que eu queria viver de futebol. A partir desse momento, meu pai me deu todo o suporte que eu precisava. Foi a partir daí que comecei a rodar a Nigéria e a África em busca do meu sonho — disse.

— A gente se liga bastante para falar sobre a minha rotina aqui, eles também costumam acompanhar alguns jogos, mas o fuso horário nem sempre ajuda. Eles ficaram muito felizes recentemente, quando fui chamado para integrar o elenco profissional. Sinto saudade, mas entendo que estou correndo atrás do meu sonho também — explicou.

Shola
Shola começou a se destacar no futebol nigeriano (Foto: Arquivo Pessoal)

Primeiras experiências no Flamengo

Shola chegou ao Flamengo após desempenho maravilhoso na Vilarregio Cup, disputada na Itália, em que ajudou o Remo Stars a se sagrar vice-campeão. Entre as memórias daquela competição estiveram o scout rubro-negro ao longo de toda a campanha, que também o visitou na Nigéria, além dos excelentes números. Faltou só um fator, que parecia estar guardado para o clube da Gávea.

— Fui artilheiro, mas não fiz na final. Vai ver é algo com o Flamengo (já que ele marcou na final da Libertadores sub-20).

O atacante também revelou bastidores das suas primeiras experiências no Flamengo. A timidez falou mais alto naquelas primeiras semanas em que ainda atuava no time B do sub-20. Segundo ele, diante do fato de que poucos sabiam das suas habilidades, ter a bola era raridade, contraste visível com o cenário atual.

— O meu primeiro treino com o grupo foi um pouco desconfortável. Já era esperado também, ninguém me conhecia, não sabiam o que eu podia fazer, por isso ninguém tocou a bola para mim. Eu percebi rápido que precisava tomar uma atitude e reclamei com o técnico (na época, Leonardo Cherede). Não tenho nenhuma vergonha de dizer isso. Tirei um tempo para relaxar e duas semanas depois jogamos um amistoso. Marquei dois gols. Desde então, nunca mais tive problemas com companheiros que não passam a bola. Eles viram o que eu posso fazer — revelou.

Shola ainda explicou, com muito carinho, que leva Mário Jorge no coração. Não só por ele ter visto a sua luta no começo, mas por ter concedido as primeiras oportunidades ao nigeriano. E tudo isso falando pouco, ou quase nada, do inglês.

— O meu dia a dia com ele era fantástico. Para mim, foi o Mário que me deu a oportunidade de jogar mais, de ter mais minutos, de mostrar o meu valor. Sou muito grato por isso tudo, de verdade. Eu comecei jogando no time B do sub-20 e ele comparecia a todos os amistosos, entendeu o meu esforço, a minha vontade de vencer e ser útil. Ele bancou a minha titularidade na Libertadores, sabia que o meu maior desejo é que o Flamengo vença.

A experiência na Libertadores sub-20

Ainda que já estivesse mais adaptado, Shola ainda teve que lidar com alguns obstáculos antes de se firmar, efetivamente, no Flamengo. Entre lesões e oscilações, o externo via a Libertadores sub-20 como a principal oportunidade de colocar seu nome na boca do povo. Por isso as boas atuações, e o gol na final, foram tão celebradas por ele.

— Quando a competição começou, eu logo pensei: ‘Essa é a sua última chance'. Não queria ficar assustado com o tamanho da Libertadores, até porque isso me prejudicaria, mas a ansiedade tomou conta. Logo na estreia, dei uma assistência, mas foi só. Mesmo sendo titular ao longo de todo o torneio, só uma participação. Quando a final chegou, eu só pensava em marcar. Mentalizei muito isso. Eu queria muito fazer a diferença. Tanto que quando eu fiz o gol, não sabia nem para onde correr. O êxtase tomou conta mesmo — frisou.

Herói na final, Shola beija a Taça da Libertadores sub-20 (Foto: Divulgação/Conmebol)
Herói na final, Shola beija a Taça da Libertadores sub-20 (Foto: Divulgação/Conmebol)

A campanha do Flamengo foi avassaladora, com cinco jogos e cinco vitórias. Shola pôde contribuir com uma assistência, na estreia, diante do Defensor, do Uruguai, e um gol importantíssimo na decisão.

— Não nos importamos com ninguém naquela competição. Isso aqui é Flamengo, entramos com confiança porque sabíamos que tínhamos grande chance de sermos campeões. A pressão é sempre grande por aqui, não só para ganhar, também para jogar um futebol bonito, mas não sentimos nada lá. Mostramos a nossa força.

Na opinião do atacante, o torneio continental também serviu para que ele se enturmasse melhor com o restante do elenco. Como ficaram todos juntos por cerca de um mês no Uruguai, deu tempo de conhecer todos os companheiros. Um, em especial, se tornou um grande amigo: Lorran. A resenha entre duas das grandes joias do Flamengo não tinha hora para acabar.

— Eu geralmente não dou o primeiro passo, então demorei um pouco para criar vínculos com meus companheiros. Foi aí que a Libertadores sub-20 veio e como ficamos todos no mesmo hotel, convivendo sempre juntos, acabei me soltando. Foi a minha primeira competição importante com a equipe, tive que me recuperar de lesões nesse meio tempo. Hoje sinto que me dou bem com todos, especialmente com o Lorran. Ele é muito engraçado, tudo é ‘muito feio' com ele — brincou.

O carinho da torcida

Depois do título da Libertadores sub-20, a Nação abraçou de vez o nigeriano. Shola se tornou um fenômeno nas redes sociais e está sempre se comunicando com os rubro-negros, que retribuem o carinho com confiança. Mesmo sem falar bem português, já que a entrevista foi toda em inglês, inclusive.

— Ainda é um pouco complicado entender todo esse carinho. A gratidão é gigante, sem dúvida. Eles me acolheram de uma maneira que eu nunca tinha visto. Depois da final da Libertadores sub-20, a quantidade de mensagens foi muito grande. Quando postei a foto antes do jogo contra o Botafogo, também. Isso só me motiva a fazer o meu melhor.

Tempo entre profissionais

O alto nível em 2024, de nove participações em gol nos 22 jogos disputados pelo sub-20, rendeu oportunidade entre os profissionais para Shola. Recentemente, ele treinou no time de cima e foi relacionado para os compromissos diante de Bolívar e Botafogo. Segundo ele, todos fizeram com que ele se sentisse em casa.

— Do pouco tempo que passei no time de cima, todos foram muito gentis comigo. Me receberam bem, me deixaram confortável, se comunicando da melhor maneira possível comigo. A questão do idioma não foi um tabu tão grande porque diversos atletas falam inglês, incluindo a comissão técnica. Também tentei falar melhor o português, sei que não é o meu forte — finalizou.

O ídolo e referência continua sendo Bruno Henrique, o grande parceiro também permanece o mesmo: David Luiz. Shola pede passagem e quer mais oportunidades entre os profissionais, ainda que o dia a dia, de acordo com ele, seja bem diferente do sub-20.

— O David Luiz foi um irmão para mim, fez eu me sentir em casa mesmo. Foi uma experiência muito positiva entre os profissionais. Ver como é o dia a dia deles, como se comunicam, como jogam. Lá você precisa ser muito forte mentalmente, tomar decisões rápidas. Esse aprendizado é importante demais para mim.

Shola e David Luiz sorriem para fotos no Ninho do Urubu (Foto: Reprodução/Instagram)

Torcedor ferrenho do Arsenal, que acompanha os jogos daqui mesmo, Shola já tem o Flamengo no coração desde que chegou. Pioneiro e diferenciado, também vê Vinicius Júnior como referência no Brasil e dentro do Ninho do Urubu. Quem sabe o clube não está formando a sua próxima grande estrela.

Ele já fez história, mas, agora, pode deixar seu nome marcado de vez no sub-20 do Flamengo com o possível título mundial. O Rubro-Negro encara o Olympiacos no sábado (24), a partir das 16h (de Brasília), no Maracanã.

Veja outras falas de Shola na entrevista à Trivela

A chegada ao Flamengo
— Não vou dizer que tive medo, mas a ansiedade foi grande. Vim com 18 anos para outro país, sem falar a língua, conhecendo pouquíssimas pessoas. É difícil. Curiosamente, a comida foi o que mais me afetou, totalmente diferente do que eu comia lá na Nigéria. Eu também fiquei um pouco tímido porque era o primeiro jogador africano a ser contratado para a base, não tinha noção da pressão que existia aqui, fui percebendo aos poucos. Aos poucos fui me adaptando, agora estou bem confortável aqui.

De onde vem a confiança?
— Para mim a razão pela qual eu jogo bem é a enorme vontade de mostrar que tenho valor. No Flamengo, se você não joga bem, as pessoas começam a não confiar tanto, especialmente a torcida. Tento estar sempre no meu melhor nível para continuar com esse carinho gigante deles, da ‘Nação' (de um português arranhado). Eu quero que a comissão técnica confie em mim também, que eu posso desequilibrar jogos ao nosso favor. Eu não preciso estar nos profissionais para mostrar o meu melhor. É justamente por isso que acho que fui chamado para treinar no time de cima, esse nível de confiança.

Sabia algo sobre o Flamengo? Expectativas para a vinda?
— Eu diria que não, para ser sincero. Só fiquei sabendo depois que eles tinham me observado, o departamento de scout me acompanhou na Itália e na Nigéria antes de me contratar, me conheceram. Essa interação foi muito legal. Sinto que estou no maior clube do Brasil e sou muito grato por isso. Antes de ir para a Vilarregio Cup eu sabia que seria uma oportunidade de ouro para tentar algo maior no futebol. Ficamos em segundo, mas consegui mostrar o meu valor naquele momento.

Diferenças de Mário Jorge para Filipe Luís
— Não são muitas, mas o Filipe consegue falar inglês, então a comunicação é mais fácil. Ele está sempre me orientando, conhece bem os caminhos pela esquerda, jogou muito tempo por ali. O Filipe é um excelente treinador, tem tudo para crescer no Flamengo, assim como eu.

Foto de Guilherme Xavier

Guilherme XavierSetorista

Jornalista formado pela PUC-Rio. Da final da Libertadores a Série A2 do Carioca. Copa do Mundo e Olimpíada na bagagem. Passou por Coluna do Fla e Lance antes de chegar à Trivela, onde apura e escreve sobre o Flamengo desde 2023.
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