Brasil

No mundo ideal, os jovens entram em campo ‘sem responsabilidade’, como deseja Felipão, mas não é o caso do Atlético-MG

Felipão segue afirmando (corretamente) que o ideal é colocar os jovens sem pressão em campo, mas nem ele faz isso no Atlético

Na vitória do Atlético-MG contra o Itabirito no último sábado (17), o jovem Alisson Santana entrou em campo fazendo a diferença mais uma vez, pelo segundo jogo seguido. Foi a primeira vez que ele entrou em uma partida com o Galo vencendo. Felipão sempre falou, e repetiu no pós-jogo, que quer colocar esses jovens sem que eles tenham responsabilidade de algo em campo, mas não é isso que acontece no Alvinegro – e na maioria dos times do Brasil.

No mundo ideal, um jovem promissor entra em um time em boa fase, que está vencendo e já encaixado. Começa a ganhar minutos em jogos em que o time já está vencendo, sem precisar entrar em resolver as coisas. Basicamente joga sem pressão.

Mas, no mundo real, principalmente no Brasil, a coisa é completamente diferente. Os jovens entram geralmente em duas situações: quando o time não tem jogadores para a posição por conta de lesões/suspensões; ou quando o time precisa urgentemente de um “fator novo” para tentar resolver um jogo ou uma fase ruim.

São vários os casos nessas situações. Aos 18 anos, Andrey Santos teve que ser O cara do pressionado Vasco em uma Série B. Com 17, Vitor Roque foi lançado no Cruzeiro, que era um time com muitas dificuldades de fazer gols. Com a mesma idade, Gabriel Moscardo surgiu no Corinthians para resolver um problema no meio. No Santos, praticamente todo ano surge um garoto diferente que, nas últimas temporadas, entrou na fogueira de salvar (ou pelo menos tentar) o time do rebaixamento. São inúmeros os casos no Brasil dessas situações, e poucos de jovens que entram na fase boa.

No Atlético não é diferente

No Atlético, Felipão pode até adotar o discurso de que quer dar oportunidades aos jovens jogadores do time quando não tiver uma fase ruim. Ele usou esse argumento várias vezes em 2023 para justificar a não entrada de promessas da base, já que o time ficou 10 jogos sem vencer na chegada dele. Mas, depois, quando o time engrenou, os jovens também não jogaram.

Queremos colocar esses jogadores jovens sem responsabilidade, para que deslanchem – afirmou o treinador após a vitória contra o Itabirito

Mas tem algo ainda mais contraditório nas falas de Felipão. Ele colocou Alisson pela primeira vez em um jogo que o Atlético estava com algumas lesões e perdia em casa para o Corinthians. Dois jogos depois, o colocou de novo com o time perdendo, agora para o Grêmio, fora de casa. Mesmo em situações adversas, ele foi muito bem nos dois jogos – inclusive dando assistência para um polêmico gol que foi anulado por impedimento contra o Tricolor Gaúcho.

E não para por aí. Todos os jogos que Alisson havia entrado até este contra o Itabirito, o Atlético não estava vencendo: 0x1 Corinthians; 0x1 Grêmio; 1×2 Flamengo; 1×1 Athletico-PR; 1×4 Bahia; 1×2 Patrocinense e 0x1 Tombense, quando ele entrou e marcou o gol de empate. Felipão indicou que ele ainda precisa aprender algumas coisas do profissional para jogar mais.

– Mostramos lances do jogo passado, em situações que ele tem que progredir. O Alisson não é um jogador só do Galo, é do futebol brasileiro e pode ser do futebol estrangeiro. Ele tem que aprender algumas posturas que no júnior não é ensinado, pois não tem as mesmas dificuldades do profissional. Estamos passando para ele algumas noções e ele está desenvolvendo devagarinho. Quando entra, entra sem responsabilidade — disse o treinador.

Muito se fala, promete e treina … mas pouco se joga

Ainda na partida contra o Itabirito, Felipão quase teve que fazer uma improvisação na defesa quando Jemerson sentiu cãibras no segundo tempo. O único zagueiro no banco era Bruno Fuchs, que entrou ainda na primeira etapa no lugar de Igor Rabello. O treinador não quis levar o jovem Rômulo para o jogo e quase “pagou” por isso.

Após o jogo, ele foi questionado sobre subir algum zagueiro da base ou contratar já que vem tendo muitas lesões e ausências na defesa. Ao responder, voltou a discursar que já há zagueiros que trabalham com ele e o elenco profissional: “Mas eu já subi (da base). O Rômulo faz parte da minha equipe. Não posso pegar 10 jogadores da base e colocar aqui. O que tem e treina conosco em uma emergência é o Renan”, disse o treinador, que não levou nenhum dos citados para o jogo.

Esse é mais um discurso que Felipão repete sobre a base. O treinador “se gaba” que jovens treinam e ficam no banco com ele (nesse caso, nem isso), mas não oportuniza eles em jogos reais. Qual o motivo de não ter levado Rômulo ao jogo em Brasília e ficar só com um zagueiro no banco? Não dá para buscar uma explicação. Na verdade, ele tentou uma, ao falar que não pode “colocar mais meninos”, se não eles vão “perder a vez” no clube.

Essa vez que Felipão cita parece nunca chegar no Atlético. Para Alisson só surgiu pois foi necessário em 2023, como citado, e porque Pavón foi negociado com o Grêmio agora em 2024. Ficou claro que ele não jogaria se não fosse isso. Para Rômulo, quantas vezes os zagueiros vão precisar jogar mal ou quantos precisam se lesionar para ele jogar? Quantos jogos Alan Kardec precisa entrar no ataque atleticano – sendo que nunca contribuiu desde que chegou em 2022 -, até ele oportunizar o artilheiro da base Isaac?

Felipão falar sobre a vez dos meninos e ainda citar que precisam entrar em momentos bons parece até ironia, já que ele só utilizou os jovens por necessidade e não deu chance a eles nos momentos bons do time. Mesmo os jovens já mais testados no time, como Rubens, que sempre foi bem quando acionado desde 2022, incluindo substituindo Arana à altura, não tem “a vez” com Scolari no Galo. O jovem vem pedindo passagem desde o fim de 2023. Ganhou elas e abraçou jogando muito, mas foi sacado do time e voltou a ser escanteado. Contra o Itabirito, entrou e deu assistência com 10 minutos em campo, e o treinador disse só que ele entrou bem e que vai “colocando um pouquinho aqui e ali”, mostrando que não adianta ele ir bem, vai jogar bem.

É claro que é preciso ter calma com os jovens e não lançá-los de qualquer jeito, mas o Atlético (não só com Felipão, isso vem de anos), parece ter medo de colocar os atletas da sua base. Foi assim com Savinho, por exemplo, e está sendo assim com os garotos que estão atualmente no clube. É preciso ter cautela, mas precaução demais também pode atrapalhar.

Foto de Alecsander Heinrick

Alecsander HeinrickSetorista

Jornalista pela PUC-MG, passou por Esporte News Mundo e Hoje em Dia, antes de chegar a Trivela. Cobriu Copa do Mundo e está na cobertura do Atlético-MG desde 2020.
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