Atlético-MG e o ‘medo’ de revelar jogadores
Resposta de Felipão sobre planejamento para joia é só mais um capítulo do Atlético que não sabe revelar jogadores

O Atlético-MG venceu o Botafogo no último sábado (16), pelo Campeonato Brasileiro, confirmando sua recuperação, mesmo que a curtos passos, na competição. Após o jogo, Felipão foi questionado pela Trivela sobre o planejamento para o jovem Mateus Iseppe, joia do sub-17 do clube. O treinador deu resposta curta e grossa, mostrando certo desdém por lançar um jogador tão jovem. Mas isso não é exclusividade de Scolari, já que o clube em que ele está tem histórico de não aproveitar suas promessas.
Iseppe é um fenômeno nas categorias de base do Atlético. Na atual temporada, tem 22 gols em 23 jogos. Ele teve seu contrato renovado no início de agosto. Na época, a Trivela fez um levantamento que provou a baixa oportunidade que o clube dá a seus jovens talentos. Agora, com a resposta de Felipão, o Galo pode, mais uma vez, perder a oportunidade de ver uma grande estrela surgir com as cores do clube.
Joia do Atlético, Mateus Iseppe, do sub-17, renovou com o clube por mais 12 meses, com seu contrato agora válido até julho 2026. Ele teve um valorização salarial, que fez a multa nacional dele saltar para R$ 24 milhões.
No instagram, ele celebrou a renovação! pic.twitter.com/vQ2VKdScev
— Alecsander Heinrick (@alecshms) August 4, 2023
A falta de oportunidade para jovens jogadores é uma das grandes críticas da torcida do Atlético desde sempre, não é exclusividade de Felipão ou dos atuais gestores do clube. A última grande venda do Galo, que saiu da base do clube, foi a de Bernard, em 2013, por 25 milhões de euros na época. Depois dele, o alvinegro só teve duas negociações “destacadas”, dos zagueiros Jemerson (Monaco), que hoje já está de volta ao clube, e Bremer (Torino), que hoje está na Juventus.
O questionamento na coletiva
Ao questionar Felipão na coletiva, a ideia era tirar do treinador o planejamento dele e do clube para sua principal revelação. A pergunta não teve a intenção de pressionar o treinador para dar oportunidades ao jovem, só tinha a intenção de entender e também transmitir a mensagem ao torcedor, que questiona sobre os planos para a jóia dia após dia. Infelizmente, Scolari se permitiu a inicialmente interromper a pergunta antes dela finalizada e depois responder de forma ríspida.
Ontem na coletiva, tentei levar ao Felipão o questionamento que mais vejo a torcida do Atlético fazer: Quando o Iseppe vai ter chance?
Argumentei levando exemplos de outros jogadores de 17 anos, mas ele não ficou muito feliz e disse que a joia precisa passar pelo sub-20 antes. pic.twitter.com/onNAp8dbdG
— Alecsander Heinrick (@alecshms) September 17, 2023
É direito do treinador responder da forma que ele entenda que seja melhor, mas é consequência ele ser analisado a partir dessa forma de resposta. Como Felipão pareceu se sentir pressionado e “ameaçado” por uma pergunta sobre um jovem jogador, ele dá a entender que não pretende discutir sobre isso (pelo menos não externamente) e parece não ligar muito para o assunto.
Jovens não atuam com Felipão no Atlético
A análise sobre a forma de resposta de Felipão fica completa quando analisamos também as estatísticas. Com ele, os jovens têm pouca ou quase nenhuma oportunidade – não que seja algo exclusivo dele no Atlético. O principal ponto disso é a falta de utilização do lateral/meia Rubens, que perdeu muita minutagem com o treinador.
Rubens é um meia de origem, que teve muito destaque na base do Atlético, pois se mostrou um jogador completo, com ótima defesa e ataque, tendo ótimos números. Ele chegou a ser líder de desarmes e de gols no Sub-20. Ao subir para o profissional, assim como todo jovem no Galo, teve pouco espaço, mas encontrou seus minutos quando começou a ser utilizado como lateral-esquerdo. Primeiro, virou reserva de Guilherme Arana, na ausência de Dodô, e depois titular, quando Arana se lesionou feio.
Rubens foi titular em grande parte do primeiro semestre, quando Arana ainda estava lesionado, e naturalmente voltou a ser reserva quando o titular retornou. Apesar de ser algo esperado que ele voltasse para o banco, não era esperado que ele “sumisse” do time, como aconteceu com Felipão no comando. O jovem, que é um dos líderes em desarmes e interceptações no Brasileirão, entrou em campo sob o comando de Scolari em apenas duas oportunidades: derrota para o Grêmio, pois Arana estava suspenso, e no último segundo da vitória contra o Santos, sendo apenas uma substituição para gastar tempo. Fora isso, não foi mais visto.
A torcida, assim como comenta de Iseppe, também cita a baixa utilização de Rubens. Já que Arana é o titular absoluto, muitos pedem para que ele receba oportunidades na sua posição de origem, como meia. No esquema atual de Felipão, Rubens entraria na vaga que hoje é ocupada por Otávio, ou poderia revezar a ala esquerda com Arana em um outro esquema.
⚠️ Procura-se o atleta Rubens. Sua última aparição foi na Cidade do Galo.
? Pedro Souza/Atlético-MG pic.twitter.com/krF8uRKKJn
— Central do Galo (@CentralDoCAM) September 2, 2023
Em seu último trabalho, no Athletico-PR, Felipão foi muito criticado por inicialmente dar poucas oportunidades para Vitor Roque, maior prospecto do Brasil no momento, colocando o jovem, de 17 anos na época, na reserva de Pablo. Em agosto de 22, Scolari chegou a dizer que escolhia Pablo pois era “o melhor no momento”. Pouco tempo depois, Roque se destacou tanto que virou titular absoluto do treinador.
Acerto de Felipão, mas outros jovens sem oportunidade
Novamente, é importante relembrar que a falta de oportunidade para jogadores da base não é algo exclusivo de Felipão, apesar disso ter aumentado com ele. O treinador não utilizou em nenhuma partida os atacantes Isaac e Cadu, o lateral da Seleção Sub-17, Vitinho, e o meia Paulo Vitor, que treinam com o time principal e já atuaram (por necessidade) em alguns jogos no início do ano.
Mas a passagem de Felipão no Atlético não é completamente “anti-base”. Ele teve um grande acerto, que foi promover a estreia do meia Alisson Santana. O jovem, que tem apenas 17 anos, estreou na derrota para o Corinthians, quando só havia ele e Pedrinho como meias ofensivos no banco e ambos entraram. Foi bem e voltou a jogar contra o Grêmio, também fazendo boa partida. No entanto, alguns atletas voltaram do departamento médico e o jovem parou de ganhar espaço. Ou seja, ficou claro que, assim como os outros já citados que ganharam oportunidade, ele só jogou por necessidade, pois não tinha outra opção.
?? Os Crias no treino de hoje! #GaloPaixãoNacional @galonabase ??️ pic.twitter.com/AIzT9QYnPp
— Atlético (@Atletico) September 14, 2023
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O Atlético tem medo de revelar? Vai errar de novo?
O caso Iseppe chama atenção no Atlético por conta de um outro recente que causa revolta na torcida até hoje, que é a forma como o clube tratou Savinho. O jogador sempre esteve presente, como titular, nas seleções de base, e era destaque mundial, chegando a figurar em rankings de maiores prospectos do futebol. Apesar disso, o Galo deu pouca oportunidade para ele demonstrar seu talento.
Savinho é tão promissor que estreou no profissional do Atlético com apenas 16 anos, em setembro de 2020. Apesar disso, foi pouco utilizado, entrando em campo apenas 35 vezes, somando 969 minutos, o que dá uma média de 27,6 minutos por jogo. Ou seja, quase sempre teve pouco tempo para demonstrar o que sabe fazer. Em 2022, quando ele passou a ser um pouco mais utilizado, marcando inclusive dois belos gols, ele já estava praticamente vendido, e é isso que irritou a torcida.

Além das poucas chances, a torcida do Atlético não gosta nada do valor que o Atlético negociou sua joia. Em tempos de 40/50 milhões de euros por jogadores como Rodrygo e Vini Jr., o Galo vendeu Savinho ao Grupo City por 6,5 milhões de euros (R$ 33,5 milhões à época), com uma possibilidade de bônus de até mais 6 milhões de euros. O GE revelou no último mês as metas para esse bônus e gerou ainda mais revolta na torcida, principalmente na cláusula que cita a bonificação de 1,5 milhão de euros se ele ganhar a Bola de Ouro sob contrato com o Troyes-FRA, clube no qual ele foi “alocado” pelo Grupo City.
Savinho não vestiu ainda a camisa do Troyes. Ele foi emprestado ao PSV na última temporada, tendo poucas, mas boas aparições, terminado o ano sendo destaque do Brasil no Mundial Sub-20. Agora, veste a camisa do Girona-ESP, tendo um início de temporada de chamar muita atenção. Inclusive, marcou um golaço no jogo dos espanhóis nesta segunda-feira (18).
Golaço de Savinho, pouco aproveitado pelo Atlético no profissional. Quando ganhou chance, já estava praticamente vendido ao Grupo City.
Foi bem no PSV, bem no Mundial Sub-20 e agora tendo ótimo início no Girona. https://t.co/kXAXhgH1Qv
— Alecsander Heinrick (@alecshms) September 18, 2023
Em resumo, Savinho foi um extraclasse na base do Atlético e tinha uma grande projeção para o mundo todo, não à toa foi comprado por um dos grupos mais bem-sucedidos da atualidade. No entanto, mesmo com toda essa prospecção em cima do jogador, o Galo não o colocou para jogar por muito tempo. Iseppe não tem a mesma “fama” de Sávio, ganhou recentemente sua primeira convocação para a Seleção Sub-17, mas o questionamento, que todos gostaríamos que Felipão tivesse respondido é: o tratamento vai ser o mesmo? O Atlético vai desperdiçar mais um grande talento? Qual o planejamento? Ele vai jogar mais no sub-20? Vai treinar com os profissionais? Vai disputar a Copa São Paulo? Como vai ser se ele jogar e se destacar na Copinha?
Jogadores iniciam no futebol cada vez mais cedo
É cada vez mais comum vermos quebras de recordes de jogadores mais jovens a atuarem por clubes, ligas ou seleções. O futebol, como já foi fonte de vários estudos, tem começado cada vez mais cedo (e também terminado mais tarde), fruto de várias evoluções, sejam físicas ou mentais. O futebol brasileiro sempre foi um antro de jovens talentos, e eles tem se destacado e deixado o nosso país também cada vez mais cedo.
No futebol, há inúmeros casos de jogadores que eram grandes destaques quando jovens, mas que não conseguiram se tornar estrelas do esporte. Só de “novo Messi”, já surgiram mais de 10, e nenhum conseguiu engrenar. O “Novo Pelé”, o estadunidense Freddy Adu, que estreou com 14 anos no profissional, não conseguiu ser 1% do projetado. No entanto, há também inúmeros casos de sucesso.
Dos casos de sucesso, podemos ir dos mais badalados na atualidade, como Jude Bellingham, que com 17 anos se tornou a maior venda da história do Birmingham-ING, se destacou no Borussia Dortmund e hoje é peça chave do Real Madrid. O mesmo Real Madrid que contratou Vini Jr. antes dele estrear no profissional do Flamengo e tirou Rodrygo do Santos também muito novo. Esses três jogadores não tiveram muito tempo na base de seus clubes, menos ainda no Sub-20, mas se mostraram diferentes.
E nem é preciso ir tão longe ou encontrar atletas que já são superestrelas para ver os casos positivos. Vitor Roque, principal prospecto do Brasil hoje, já vendido ao Barcelona pelo Athletico-PR, estreou aos 16 anos no bagunçado Cruzeiro de 2021 e se destacou no início de 2022, sendo comprado pelo Furacão com apenas 17 anos. Ele atuou pouco no sub-20 da Raposa antes de subir ao profissional. Há também casos como Andrey Santos e Deivid Washington, ambos do Chelsea (Andrey emprestado ao Nottingham Forest), que com 17 anos estrearam e com 18 se destacaram por seus clubes. Esses eram tão diferentes na base que subiram e jogaram muitas partidas pelo sub-20 “antes da hora”. Por falar em Chelsea, o equatoriano Kendry Paez, que aos 16 anos já é jogador da seleção principal do Equador, é outro que já está negociado com os ingleses com pouco tempo no sub-20 e no profissional.
Lamine Yamal ?? (16)
Kendry Páez ?? (16)
Amara Diouf ?? (15)They made history as their nation's youngest debutant this week ✨ pic.twitter.com/C2NTVfxoOF
— B/R Football (@brfootball) September 14, 2023
O mesmo se atribui a jogadores que ainda estão no futebol brasileiro, como Marcos Leonardo, que estreou no bagunçado Santos aos 17 anos e é destaque do clube até hoje, tendo quase sido negociado com o futebol italiano, e Gabriel Moscardo, que também aos 17 anos, domina o meio campo do Corinthians como um experiente meia. Os dois também atuaram pelo Sub-20 de seus clubes antes do “normal”, ganhando corpo para já chegar ao profissional tão cedo.
Se Mateus Iseppe entrará em alguma dessas “categorias” citadas acima, só o tempo dirá. Mas para o tempo dizer, o Atlético também precisa colaborar. São poucas ainda as oportunidades para o garoto no sub-20, que poderia estar jogando mais na categoria, e menos ainda as chances no profissional, mesmo que seja apenas treinando com os mais velhos ou sendo relacionado para “sentir o clima”. Há quase dois meses, Victor Bagy, gerente do Galo, disse que um “fenômeno” se destaca em qualquer categoria, mas é só “um entre 10 mil jogadores”. O problema no Atlético é, quando esse fenômeno aparece, o clube não o coloca para jogar, vide Savinho.