Lado B de Brasil

O drama de seis anos terminou com uma virada épica: O América de Natal enfim volta à Série C

O gol decisivo do América saiu aos 48 do segundo tempo, diante das arquibancadas lotadas da Arena das Dunas - e ampliando o calvário do Caxias

Foram seis longos anos na Série D. O América de Natal atravessava seu calvário na quarta divisão nacional, um nível alheio à grandeza do clube e ao próprio histórico na elite nacional. O Dragão não se cansou de bater na trave ao longo dessa trajetória e de ficar no quase. O desafogo, em compensação, seria do jeito mais bonito, com a Arena das Dunas lotada, e também do jeito mais épico possível. O acesso de volta para a Série C se concretizou apenas nos acréscimos do segundo tempo, depois de uma virada agonizante diante do Caxias por 3 a 1. Os potiguares encabeçam o grupo dos promovidos, num domingo de alívio e esperanças em Natal.

O América de Natal possui uma galeria de conquistas que retrata sua grandeza. São 36 troféus no Campeonato Potiguar, além de uma festejada taça na Copa do Nordeste em 1998. Os alvirrubros disputaram a elite do Brasileirão 15 vezes, a última em 2007, além de estarem presentes em 25 edições da Copa do Brasil. Ainda possuíam 24 temporadas na Série B. Ver os potiguares sofrendo na quarta divisão nacional há seis anos, desde o rebaixamento na Série C de 2016, não era comum à sua torcida. E o esforço precisou ser grande nessa fuga.

A primeira frustração aconteceu logo em 2017. O América parecia fazer tudo certo. Terminou a fase de grupos com a melhor campanha, antes de superar Aparecidense e Ceilândia. O acesso escapou no confronto decisivo com a Juazeirense, em derrota por 3 a 0 na Bahia que afundou os planos antes do 1 a 1 em Natal. A campanha de 2018 foi mais curta, terminando logo no primeiro mata-mata diante do Imperatriz. Já em 2019, a equipe alvirrubra dona do melhor ataque da competição superou o América de Pernambuco nos 16-avos, mas não passou pelo Jacuipense nas oitavas.

A resiliência ao redor do América de Natal precisava ser grande. Afinal, as quedas ocorriam nos detalhes. O time sobrou de novo na fase de grupos em 2020, antes de superar Coruripe e Galvez. O Floresta foi o algoz da vez nas quartas. Um lamento que se repetiu em 2021. O Dragão passou por Itabaiana e Moto Club, mas o acesso escapou nos pênaltis contra o Campinense. Os torcedores alvirrubros atravessavam um momento em que era compreensível duvidar da fé.

O América de Natal não fez uma fase de grupos tão empolgante desta vez, mas avançou na segunda colocação de sua chave. Teria uma revanche contra o Jacuipense nos 16-avos de final, em missão cumprida graças à vitória na Bahia, antes de um empate sem gols em Natal. Depois, num duelo entre times de tradição, o Dragão derrotou o Moto Club tanto na Arena das Dunas quanto no Castelão. Isso até que o Caxias surgisse no caminho durante as quartas. Outro time que acumula decepções na Série D, desde 2016 na quarta divisão, e que tinha perdido o jogo do acesso três vezes nos últimos quatro anos – inclusive para o ABC.

O Caxias deu um passo para encerrar seu inferno, ao vencer a partida de ida por 1 a 0 no Estádio Centenário. Teria que aguentar o caldeirão na Arena das Dunas, onde mais de 28 mil encheram as arquibancadas. O América de Natal partiu para cima em busca do resultado, mas o goleiro André Lucas segurou a situação para os grenás. E a sorte parecia sorrir aos gaúchos quando, aos 13 do segundo tempo, Matheuzinho abriu o placar. Os potiguares passavam a precisar no mínimo da virada para forçar os pênaltis.

Um fio de esperança ressurgiu para o América na sequência, aos 20 minutos, quando Iago conseguiu empatar. O atacante, que saiu vaiado no intervalo, fazia o time ressurgir. De novo, a fé dos alvirrubros seria posta à prova. O Dragão precisou insistir até os 41 minutos, quando Iago aproveitou a sequência de um rebote para se confirmar como o herói. Neste momento, os potiguares forçariam os pênaltis. Mas, com a Arena das Dunas inflamada e o moral lá no alto, o Mecão se agigantou para resolver a parada com bola rolando. Téssio arriscou de longe e, com desvio, marcou o gol decisivo aos 48. O gol do acesso. O gol que encerrava toda aquela provação.

Um personagem especial da campanha é o técnico Leandro Sena. Ex-jogador do clube, ele fez parte da ascensão da Série C rumo à Série A em 2007. Já como membro da comissão técnica desde 2019, assumiu o rabo de foguete duas vezes nesta Série D. Primeiro, no início do campeonato, quando o técnico Edson Vieira não pôde assumir por não ter completado o esquema vacinal. Após a chegada de João Brigatti, virou auxiliar, mas acabou promovido ao cargo principal com a partida do comandante para o Manaus. Sena encerrou a campanha na fase de grupos e teve sucesso nos mata-matas. Outra figurinha carimbada do América nos bastidores é o ídolo Moura, ícone nos anos 1990 e atual gerente de futebol. Já o presidente é o ex-meia Souza, outra lenda alvirrubra.

O próximo passo para o America é se estabilizar na Série C e poder se recuperar gradualmente. A torcida, de qualquer maneira, deseja ver o Dragão níveis acima – as lembranças da Série A resistem, mesmo que a última campanha tenha sido muito ruim em 2007. Para quem passou seis anos consecutivos na quarta divisão, voltar a sonhar alto é um direito reconquistado. E a forma como essa promoção acontece, com tamanho desafogo, motiva por mais.

* Publicaremos textos sobre os quatro acessos da Série D na noite desta segunda

https://www.youtube.com/watch?v=K3-rp2Wz9PI&t=378s

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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