Brasil

Futebol é torcida, e Choque-Rei no Superclássico pegou a estrada para ressurgir

Após oito anos, futebol paulista pode dividir as arquibancadas em um jogo onde os maiores do estado decidiam um título

Eram oito anos sem o torcedor do futebol paulista ter um rival do lado de lá para gritar, mais ainda, coisa de década e meia, só ouvindo falar nos velhos clássicos de arquibancadas divididas como se fossem memórias de uma outra civilização, aquela competição de que cores ocupariam mais gomos do Morumbi, a corda da divisória puxada e comemorada de acordo com a lotação repentina dos espaços, o canto pelos gols e também pela vitória simbólica do show de bandeiras, bandeirinhas e bandeirões. Por acaso (e um pouco de cinismo), São Paulo, o túmulo do ato de torcer, pegou a estrada no domingo e foi a Belo Horizonte achar uma brecha no tempo e de alguma forma fazer ressurgir o Choque-Rei, fadado ao vazio da torcida única consolidada na maior cidade do país.

A centena de ônibus despachados pelas torcidas organizadas, mais as milhares de pessoas que se deslocaram por estrada ou aeroporto, basicamente tomaram suas horas de viagem empolgados com o atípico clássico distante daquela enfadonha rotina. Chegou-se ao ponto que a grande atração de um São Paulo x Palmeiras valendo taça era, que ironia, enxergar seu antagônico da grade para lá, meia carga de ingressos para cada lado do muro, experiência formadora e natural da cultura que foi renegada à nostalgia.

Nenhuma cabeça interessante que pensa futebol é a favor da torcida única. E a mediocridade continua por aí, tocando o futebol com a preguiça e a superficialidade típicas da nossa convivência, porque além de tudo somos caras de pau, uma fábrica de jabuticabas: a terra que permitiu são-paulinos e palmeirenses juntos pegou o maior jogo local para exercitar o veto na véspera, num Galo x Cruzeiro sem visitantes que flerta fortemente com essa diminuição do tamanho do grande dia do esporte mineiro. Nossa rotina é esvaziar. Futebol é torcer, e um clássico sem uma torcida é um jogo de um time só. Gostar de futebol no Brasil dá trabalho.

Então o jogo no Mineirão já começou com vencedores, os mais de 42 mil presentes que viram o clássico entre tricolores e alviverdes à maneira com que se forjou enorme. E se o confronto em campo teve cara de empate, faltou ser com gols, porque acabaram sendo raros os lances que fizeram explodir os corpos em pé nos degraus, um tanto porque o jogo acabou muito mais brigado que jogado, mas também pela própria natureza de uma copa em partida única onde as propostas acabam sendo mais seguras diante do receio de começar a temporada levando a grande derrota para um rival.

Dentro de campo, São Paulo consolida sua volta

A vitória do São Paulo nos pênaltis depois do zero a zero consolidou a retomada de um papa-títulos que andou adormecido, e agora já emendou uma copa inédita sobre o Flamengo, uma vitória tão desejada na casa do Corinthians e uma conquista diante do Palmeiras, tudo isso com percalços, perdendo o treinador para a seleção e entrando em campo no domingo sem sua referência técnica, Lucas, que se machucou na terça-feira. Rafael, defendendo duas cobranças, se firma protagonista nessa camisa tão pesada. O jogo não foi nada de especial – Luciano não encontrou muito campo, Calleri finalizou mal ao receber um presente, a turma de chegada, como Rato, foi discreta depois de um bom jogo em Itaquera -, mas o tricolor precisava voltar a ganhar. Voltou. Uma década estranha vai ficando para trás.

O Palmeiras teve algumas chegadas com Mayke, um cabeceio perigoso de Veiga, mas também muito pouco. A falta de repertório ofensivo ficou evidente quando Abel tirou Flaco Lopez para colocar o ainda instável, e mais meia que atacante, John John. O elenco foi perdendo opções nos últimos anos, seja por fim de ciclo (Luiz Adriano, Willian, Deyverson, Scarpa), por um desempenho aquém (Navarro, Merentiel, Tabata) ou por opção de venda de alguns jovens (Verón, Wesley, Giovani, agora Kevin). Tem meninos ainda imaturos e, com a lesão de Dudu e a convocação de Endrick, teve talvez sua linha de frente menos inspirada em toda essa era de finais de Abel Ferreira. Caio Paulista e Breno nem foram usados como tentativas nas pontas. A comissão se acostumou a dobrar a aposta, mas é evidente que o atual campeão brasileiro precisa de jogadores de mais peso, até porque seu camisa 9 está de partida para o Real Madrid.

São Paulo e Palmeiras são mais do que candidatos, favoritos, a fazerem a final do Campeonato Paulista daqui dois meses. É curioso porque o time do Morumbi é uma pedra no sapato de Abel Ferreira, dois títulos e duas quedas de Copa do Brasil, ao mesmo tempo que o português bateu o rival em Libertadores, em final com goleada e no 5 a 0 de meses atrás. Do lado são-paulino, os de verde são sempre um adversário desejado, visto o impressionante retrospecto positivo em jogos eliminatórios. É só a primeira semana de fevereiro no muro que divide os terrenos na Marquês de São Vicente, e eles logo se encontram manobrando o ônibus na Barra Funda rumo a um Choque-Rei valendo muito, de novo e sempre. Que se ofereçam o direito à companhia óbvia de seus torcedores.

Foto de Paulo Junior

Paulo JuniorColaborador

Paulo Junior é jornalista e documentarista, nascido em São Bernardo do Campo (SP) em 1988. Tem trabalhos publicados em diversas redações brasileiras – ESPN, BBC, Central3, CNN, Goal, UOL –, e colabora com a Trivela, em texto ou no podcast, desde 2015. Nas redes sociais: @paulo__junior__.
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