Brasil

‘Justiça quer que eu aceite que o Falcão passe o pênis no meu braço’ diz recepcionista

Em entrevista exclusiva à Trivela, recepcionista fala sobre a decisão da Justiça de arquivar inquérito contra Falcão

Indignação. Esse é o sentimento de uma recepcionista de 26 anos com a decisão da Justiça de arquivar o inquérito policial do crime de importunação sexual que ela diz ter sofrido do ex-jogador Paulo Roberto Falcão, há pouco menos de três meses em Santos. Funcionária do condomínio em que Falcão – à época coordenador de esportes do Santos – morava, ela registrou um boletim de ocorrência na Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Santos, o acusando de ter encostado o órgão genital em seu braço por duas vezes.

Apesar de imagens de câmeras de monitoramento e o depoimento de uma testemunha, que confirma a importunação sexual, a Justiça, por meio do juiz Leonardo de Mello Gonçalves, da 2ª Vara Criminal de Santos, acolheu o pedido do Ministério Público (MP), afirmando que não havia “indícios de ocorrência de ilícito penal” e, na semana passada, arquivou as investigações.

A decisão surpreendeu a recepcionista, que, em entrevista exclusiva à Trivela, descarta aceitar o arquivamento e promete, com auxílio dos advogados Pâmela Mendes e Pedro Grobman, lutar pela retomada das investigações e da condenação de Falcão.

– Esse arquivamento foi muito injusto. A Justiça quer que eu aceite que ele (Falcão) passe o pênis no meu braço e fique calada, mas eles não vão me calar. Ele invadiu um espaço que não era dele e cometeu um crime. Está nas imagens. Tem testemunhas que viram, e ainda assim a decisão foi de arquivar. Um absurdo! Ele tinha que tirar a roupa para ficar provada a importunação? – desabafa a recepcionista, que está desempregada desde o episódio com o ex-jogador do Internacional e da Seleção Brasileira.

– Estou desempregada e com dificuldades para arrumar um novo emprego. Com o arquivamento do inquérito, fico com a imagem de mentirosa. Para as pessoas que não entendem, ele foi absolvido. Mas não foi isso que aconteceu e não é assim que vai terminar – afirma ela, nervosa, sem conseguir segurar as lágrimas durante a conversa com a reportagem.

aproximando da recepcionista no condomínio
Imagens das câmeras de monitoramento mostram Falcão no espaço de trabalho da recepcionista (Foto: Reprodução Vade News)

Recepcionista se vê desamparada

A decisão da Justiça de arquivar as investigações fez a recepcionista se sentir desamparada justamente no momento mais delicado de sua vida.

– Eu nunca me envolvi em problemas do gênero. Nunca pensei que passaria por isso. Sou casada. Não preciso e não quero essa exposição. No momento em que eu mais precisei e acreditei nos homens da Justiça, eles me abandonaram. Hoje me sinto desamparada. Eles querem que eu me conforme com um crime desses e isso é revoltante – fala a funcionária do condomínio.

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“Eu tenho pena da mulher dele”

Nas últimas semanas, a recepcionista ficou perplexa com a notícia de que Falcão, sem trabalhar desde que saiu do Santos, estava passando férias com a família pela Itália.

– Na verdade, eu sinto pena da mulher dele por fingir que nada aconteceu. Por fingir que não sabe o que ele fez comigo e com outras mulheres. Afinal, no próprio condomínio em que eu trabalhava, ele recebeu uma camareira de cueca. Eu acho muito triste ela se sujeitar a isso – revela ela antes de explicar o seu sentimento de “indignação”.

– Me sinto indignada porque ninguém se colocou no meu lugar, no lugar do meu marido ou da minha família. Eu espero que ele pague pelo que me fez e aprenda a respeitar as mulheres – completa.

Conforme o Artigo 215-A do Código Penal, praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro, prevê como pena a reclusão, de um a cinco anos, se o ato não constituir crime mais grave.

Falcão no CT do Santos antes de deixar o clube
Falcão foi denunciado enquanto exercia a função de coordenador de esportes do Santos, mas se desligou do clube após a denúncia (Foto: Flickr/SantosFC)

Advogados também estão surpresos

Contratados pela recepcionista, os advogados Pâmela e Grobman são assistentes de acusação do MP nesse caso e também ficaram surpresos com a decisão da Justiça de arquivar o inquérito policial.

– Nós fomos cerceados de apresentar a nossa defesa. Simplesmente ignoraram uma assistência de acusação e deram a decisão. Não tivemos o direito de argumentar. Fomos completamente surpreendidos com a decisão – diz Grobman, que garante ter novas provas contra Falcão e que serão usadas para desarquivar o inquérito.

– A Justiça sequer juntou os antecedentes criminais do acusado no inquérito. Existem relatos de uma camareira, do mesmo condomínio em que a nossa cliente trabalhava, de que o Falcão já havia lhe recebido de cueca. Isso foi relatado a uma ex-gerente desse condomínio que revelou no seu depoimento na DDM. Mesmo assim não se deram ao trabalho de pedir os antecedentes criminais dele. Estamos falando de um recorte de poucos meses da vida de uma pessoa de 70 anos. É obrigação da Justiça checar se existem outros casos contra ele – argumenta o advogado.

Novas provas e mais testemunhas

Em razão de tudo isso, Pâmela revela que está estudando estratégias para entrar com um recurso e assim pedir uma revisão do arquivamento.

– Estamos estudando estratégias com novas provas e mais testemunhas para entrar com um recurso contra arquivamento de inquérito policial dirigido à Procuradoria Geral de Justiça (PGJ). Queremos que a PGJ revise a análise do MP, que foi quem fez o pedido de arquivamento, e retome as investigações – explica Pâmela.

– Vamos fazer isso porque o MP, que tem como função ser o guardião da lei, desamparou a nossa cliente. O MP deu de ombros para ela – prossegue Grobman.

Caso a PGJ, que é um órgão acima do promotor de justiça, entenda que o desarquivamento se faz necessário, um novo promotor será designado e as investigações retomadas.

Como foi a importunação sexual?

Recepcionista do empreendimento desde janeiro, ela foi à DDM de Santos e afirmou que Falcão se mudou para o condomínio em maio. Ao longo desse período, segundo ela, várias foram as vezes em que o ex-dirigente do Santos lhe cumprimentou apenas com um “oi”.

Ocorre que no dia 2 de agosto, Falcão, de acordo com o relato da recepcionista à polícia, “se dirigiu ao espaço reservado para o monitoramento e, disse apontando para a câmera de segurança: ‘Não sabia que aqui tinha câmera de segurança’ sendo que enquanto o autor falava, ele imediatamente passou o pênis no braço esquerdo dela, que esquivou-se”.

Apesar de “constrangida”, a recepcionista optou por não tomar nenhuma atitude neste dia.

Dois dias mais tarde, ainda segundo o relato da recepcionista, a importunação se repetiu. Falcão “foi até a recepção e ingressou novamente no espaço reservado para monitoramento, posto de trabalho da ofendida, onde é permitida apenas a presença de funcionários da recepção. Ali, apontou para a câmera que exibia uma imagem e disse: ‘nossa que imagem bonita’, e mais uma vez comprimiu o pênis no braço da vítima, dessa vez de forma mais contundente, e ela tornou a esquivar-se”, consta no relato à polícia.

Falcão se defende: ‘à espera do Uber'

Durante o seu depoimento na Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Santos, após o registro de um Boletim de Ocorrência, Falcão negou ter tentado importunar sexualmente a recepcionista e se defendeu dizendo que acessou o espaço destinado à mulher para visualizar o monitor e verificar se um colega de trabalho, também hóspede do condomínio, já estava a caminho da portaria, porque fariam juntos o uso de um carro de transporte por aplicativo.

Juiz enxerga desconforto à mulher

O juiz que determinou o arquivamento do inquérito concordou que Falcão foi inconveniente e causou desconforto na recepcionista. Apesar disso, de acordo com ele, a aproximação não caracteriza o delito.

– Em que pese a aproximação inadvertida do investigado junto à vítima, em local onde somente as pessoas que trabalham no condomínio, onde ele residia, deveriam ter acesso, ressalto que tal contato, ainda que tenha acontecido, não é capaz de ser caracterizado como fato típico previsto no artigo 215-A do Código Penal – constatou a autoridade.

Foto de Bruno Lima

Bruno LimaSetorista

Jornalista pela UniSantos com passagem pelo Jornal A Tribuna de Santos. Já trabalhou na cobertura de jogos da Libertadores e das Eliminatórias Sul-Americanas no Brasil e no Exterior. Na Trivela, é setorista do Santos.
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