Como o Palmeiras ajudou a criar um dos bordões mais utilizados da política brasileira

Algumas expressão são muito faladas na linguagem popular, mas nem sempre as pessoas conhecem as suas origens. Têm a ver com costumes antigos, às vezes de outros países, e atravessaram o tempo ganhando significados diferentes. E antes que você se pergunte por que um site de esportes está falando de linguística, adianto que uma muito comum, principalmente no noticiário político, teve origem no Palmeiras: acabou em pizza. Mais precisamente, em uma das brigas intermináveis entre diretores palmeirenses. Não pensem que elas são coisas recentes.
TEMA DA SEMANA: As histórias mais palestrinas dos 100 anos do Palmeiras
Eram os primeiros anos da década de 1960. Era travada uma daquelas brigas homéricas entre grupos da diretoria em uma das salas do Palestra Itália. O motivo da discordância nunca foi confirmado, mas os historiadores, pelo contexto, concluíram que se tratava de uma disputa eleitoral entre os simpatizantes de Delfino Facchina, presidente do Palmeiras de 1959 a 70, o mais longevo do clube ao lado de Mustafá Contursi, e de Raphael Parisi, que também foi mandatário máximo do clube no final dos anos 1930.
Os gritos ecoavam por detrás das portas e chegavam aos ouvidos dos jornalistas que estavam esperando os desdobramentos para mandar as matérias às redações. Um deles era Milton Peruzzi, repórter da Gazeta Esportiva, o principal diário de esportes da época. Entre os anos 1970 e 1980, também se notabilizou por comandar o “Mesa Redonda Futebol é com 11”, da TV Gazeta, e o “Disparada no Esporte”, na Rádio Gazeta, que perdura até os dias de hoje.
A noite caiu, os cigarros chegaram ao fim e a barriga exigia comida quando um acordo foi alcançado (ou eles simplesmente cansaram de brigar). Saíram todos os diretores felizes, cantarolando uma música italiana (pelos relatos, seria Quel Mazzolin di Fiori) e, para repor as energias de quase um dia inteiro gesticulando e bradando palavrões em outras línguas, foram todos à Pizzaria do Mário, na subida da Rua Turiaçu. O restaurante não existe mais. Virou o Cine Hawaii e depois uma igreja evangélica Bola de Neve.
Peruzzi escrevia uma coluna chamada “O Periscópio” na Gazeta Esportiva e saiu correndo para o único telefone disponível na portaria do clube social para ditar a matéria. Começou pela manchete: “Briga no Palmeiras acabou em pizza”. A imprensa de São Paulo adotou a expressão (no Rio de Janeiro, falam mais “Acabou em Samba”) e o próprio Peruzzi continuou usando-a, mas ela tinha uma conotação diferente. Festejava a possibilidade de uma discussão política terminar em confraternização.
Isso mudou e hoje em dia passa a ideia de impunidade. O momento exato que isso aconteceu é difícil de precisar, mas ela foi popularizada durante a CPI que investigava o governo de Fernando Collor de Mello. Em depoimentos da Operação Uruguai, uma tentativa do ex-presidente de mascarar a corrupção com um suposto empréstimo contraído no país vizinho, Sandra Fernandes de Oliveira, uma secretária que ajudou a forjar os papéis antes de descobrir o que se tratava, disse que “se aquilo acabasse em pizza, como eles querem, seria o fim do país”. “Nós perguntamos: ‘o que é terminar em pizza?' Ela explicou que era quando todo mundo acabava tomando chope, comendo pizza, tudo numa boa”, lembrou o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), ao site da Câmara.

Foram, na verdade, 18 pizzas, duas rodadas de chope para a galera e muito vinho. Alguns relatos falam de mais dez brotinhos que aquelas dezenas de diretores do Palmeiras comeram depois de uma corriqueira discussão política – o que virou uma espécie de esporte nos bastidores do clube -, sem saber que haviam acabado de participar da criação de uma das expressões mais comuns da língua portuguesa falada aqui no Brasil.
“Cornetar” também surgiu no Palmeiras
Existia próximo ao Palestra Itália uma fábrica de ferragens chamada Indústrias Metalúrgicas Cornetta, e os seus funcionários, talentosos em reclamar do clube, frequentavam os treinos do clube no estádio, entre os anos 1920 e 1930, assim como os bares da região onde os diretores do clube se reuniam. Viraram a “turma da corneta”, que com o tempo foi sendo identificada como aquele torcedor cujo jeito peculiar de torcer é reclamando.
Você também pode se interessar por:
>>>> As óperas do século 19 explicam a torcida do Palmeiras
>>>> Por que a Taça Rio foi importante, independente de ser Mundial ou não
>>>> Filpo Núñez: o argentino que fez história na Seleção, mas virou folclore
>>>> Jornal que ajudou a fundar o Palmeiras ainda vive, com um editor corintiano