Brasileirão Série A

CEO do Cruzeiro demonstra desconhecer clube e futebol mineiro ao falar sobre Arena MRV

Fala de Gabriel Lima, CEO do Cruzeiro SAF, sobre possibilidade da Raposa mandar jogos na Arena MRV, novo estádio do rival Atlético-MG, repercutiu negativamente

Gabriel Lima, CEO do Cruzeiro SAF, foi convidado no programa CNN Esportes S/A, do canal de TV fechada CNN Brasil, que foi ao ar na noite desse domingo (24). Aquela que seria uma nova entrevista de um dirigente da Raposa para falar sobre realidade do clube e planejamento para os próximos anos acabou se tornando um tiro pela culatra quando o executivo foi perguntado sobre a possibilidade do time celeste atuar na Arena MRV.

— Não acho impossível (mandar jogos do Cruzeiro na Arena MRV). Eu tenho uma boa relação com a diretoria do Atlético. Acho que rivalidade tem que estar dentro de campo. Fora de campo são duas potências dentro do estado que, se caminharem juntas, vão conseguir certamente tirar vantagem desta relação. Eu encaro com muita naturalidade. Não sei como eles pensam, mas é uma possibilidade e no futuro poderia acontecer. Sim, poderia acontecer — Gabriel Lima, CEO do Cruzeiro, em entrevista à CNN Brasil.

Como era de se esperar, a declaração de Gabriel caiu como uma bomba no futebol mineiro, sendo repercutida por jornalistas, influenciadores e torcedores, tanto de Cruzeiro, quanto de Atlético-MG, na maioria esmagadora das vezes, de forma negativa.

A declaração seria problemática em qualquer contexto, mas no momento atual, pareceu ainda mais descabida. Primeiro pela fase do time azul dentro de campo — são apenas três vitórias nos últimos 20 jogos ou quatro meses —, depois pela relação já conturbada com os torcedores, que alegam um distanciamento da direção celeste com a torcida, e, por fim, pela recente polêmica do aumento de preços dos ingressos.

Torcedores do Cruzeiro se irritaram com a notícia de que as entradas para a partida do próximo dia 1 de outubro, contra o rival América-MG, no Mineirão, estariam mais caras que a do último jogo no estádio, o empate em 0 a 0 com o RB Bragantino no dia 3 de setembro.

Cruzeiro na Arena MRV?

São muitos os pontos negativos que podem ser levantados em relação ao que disse Gabriel Lima. Talvez o mais iminente deles seja a necessidade de uma declaração como esta. Na mesma entrevista, Lima havia afirmado que o Cruzeiro se aproxima de um acordo definitivo de três anos com o Mineirão.

Gabriel Lima, CEO da SAF do Cruzeiro
Declarações de Gabriel Lima não se encaixam com momento e realidade do Cruzeiro, além de ignorar aspectos de uma das maiores rivalidades do futebol mundial – Foto: Gustavo Aleixo/Cruzeiro

— Estamos na reta final (das negociações) para assinar um acordo de três anos de fidelidade com o Mineirão. O Cruzeiro é o único clube que vai jogar no Mineirão a partir de agora. As coisas estão se ajustando. A relação não é simples, é complexa, mas a tendência é que esse negócio seja pacificado ao longo do tempo — adiantou Gabriel Lima.

Bem, se o Mineirão e Cruzeiro estão próximos de fechar um acordo, se só o time celeste atuará no estádio, jogar em um novo campo não parece ser uma necessidade próxima do clube celeste. Além disso, no período anterior a construção e inauguração da Arena MRV, o futebol mineiro teve o Independência como segunda principal casa, com o trio da capital mandando diversos jogos no estádio.

Mas ainda levando-se em conta uma eventual indisponibilidade de Mineirão e Independência, o Cruzeiro poderia mandar jogos em diversas cidades do interior mineiro — afinal, o clube se orgulha da presença massiva fora da capital do estado, mesmo que esses torcedores distantes da Grande BH não sejam muito visados e beneficiados nas ações do clube e no programa de sócio torcedor — ou até fora do estado, o que já foi feito em mais de uma ocasião pela gestão da SAF azul celeste.

Pensar nessas nuances indica que as declarações de Gabriel Lima foram, além de tudo, mal pensadas. Talvez a ideia da atual gestão de que o Cruzeiro, movido a paixão, precisa ser pensado exatamente como uma empresa, tenha feito que o corporativismo empreendedor impedisse o CEO de sair à tangente ou, de fato, negar a possibilidade. Afinal, uma corporação não pode desprezar eventuais parceiros, o Linkedin ensina.

Acredito que as declarações tenham sido mal ponderadas pelo fato de que essa está longe de ser uma questão cara ao momento do clube estrelado e Gabriel disse sequer saber a posição da diretoria atleticana em relação à possibilidade. Ou seja, o CEO criou uma animosidade na torcida a troco de absolutamente nada. O que Gabriel Lima, gestão da SAF, Cruzeiro e torcida celeste ganham com essa declaração?

Reação dos torcedores

A reação da torcida celeste foi, como era de se esperar, negativa num contexto geral. Mas antes de falar dos cruzeirenses, é importante citar que boa parte dos atleticanos também não gostaram nada da ideia. Uns afirmaram que não gostariam de ver o rival “alugando” sua casa. Outros demonstraram temor em relação a uma possível depredação da Arena MRV por torcedores do Cruzeiro. Outra parte apenas zombou de uma nova atitude constrangedora da gestão da SAF, tal qual no lançamento do primeiro — e bizarro — “novo Raposão”.

Não é preciso muito esforço para entender o que gerou a insatisfação dos cruzeirenses. Imagino não ser uma ideia agradável a torcida celeste, apaixonada pelo Mineirão e que vê a possibilidade de uma relação ainda mais forte com o grande palco do futebol estadual se aproximando, chegar para um Cruzeiro x Grêmio, numa rodada qualquer de Brasileirão, abaixo de um escudo atleticano de algumas toneladas, adentrar num estádio personalizado, sentar-se em cadeiras nas cores do rival e ver suas organizadas onde se concentram as organizadas do principal adversário na história.

Como dito anteriormente, os atleticanos também não gostaram muito da possibilidade de ver cruzeirenses ocupando aqueles espaços tão sonhados durante anos de espera até a inauguração da “casa própria atleticana”. “Se isso acontece é caso de cadeia no Bruno Muzzi (CEO do Atlético-MG)”, disse, em hipérbole, um atleticano.

As declarações de Gabriel Lima escancaram um desconhecimento do clube que ele lidera, do futebol mineiro e sua conflitante, e em boa parte das vezes saudável, rivalidade, sem dúvidas uma das maiores do planeta terra. São resumidas ainda por uma fala de um torcedor do cliente nas redes sociais que disse: “falta Cruzeiro na administração do Cruzeiro”.

Essa é a impressão que fica. Que o Cruzeiro passou a ser tratado como uma organização empresarial, sem toda uma construção secular que moldou o “ser cruzeirense”. E quando os ataques a esse “ser” vem de dentro do clube, a reação é mais dolorida e indignante do que vindo de provocações de mandatários rivais. Afinal, a rivalidade existe, move o futebol e, desde que saudável, deve ser entendida, abraçada e incentivada.

É preciso enfatizar, para ser justo, que tiveram torcedores de Cruzeiro e Atlético-MG, em ampla minoria, ao que parece visualmente, favoráveis a ideia. Ainda assim, essa é uma discussão — se ela tiver de fato que existir, dentro de um conceito ultra específico — para outro momento.

Gabriel Lima disse, ainda, que a rivalidade tem que ficar dentro do campo, mas esse é um jargão de quem não vive o futebol. Engano dele. Há uma diferença muito grande de rivalidade saudável para rivalidade reduzida. Rivalidade é do trabalho, da escola, no futebol de botão, nos totós de mesa (pebolins) pintados de azul e preto e branco. Isso precisa existir. Não é gestor algum que vai delimitar até onde vai uma rivalidade saudável.

Agora resta aguardar alguma retratação ou ponderação de Gabriel Lima. Na coletiva de apresentação de Zé Ricardo, o diretor de futebol celeste, Pedro Martins, rechaçou que a torcida seja cliente do Cruzeiro, mas sim parte do projeto. Bem, essa parte não gostou nada do que foi dito. Qual será o próximo passo?

*Este é um artigo de opinião e não reflete, necessariamente, a posição da Trivela.

Foto de Maic Costa

Maic CostaSetorista

Maic Costa é mineiro, formado em Jornalismo na UFOP, em 2019. Passou por Estado de Minas, No Ataque, Superesportes, Esporte News Mundo, Food Service News e Mais Minas, antes de se tornar setorista do Cruzeiro na Trivela.
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