Ídolo e torcedor, Fabrício fala sobre sua paixão pelo Cruzeiro, SAF e futuro do clube
Mais de dez anos depois de deixar o Cruzeiro, o ex-volante Fabrício vive relação que ultrapassa a de ex-jogador e chega nas arquibancadas do Mineirão
Ídolo do Cruzeiro, o ex-volante Fabrício, hoje com 41 anos, tem uma relação bem mais forte que a de um antigo atleta do clube. O jogador, que defendeu o clube celeste por quatro temporadas, entre 2008 e 2011, se considera um torcedor da Raposa. Não é incomum ver o “Guerreiro”, como é conhecido pelos cruzeirenses, deixar o interior de São Paulo e dirigir até Belo Horizonte, junto de seus dois filhos, para acompanhar seu time amado de perto, nas arquibancadas do Mineirão.
A relação, que se fortaleceu nos últimos anos, nasceu quando o jogador chegou ao Cruzeiro, vindo do futebol japonês, tendo uma identificação rápida com o clube. Ele contou, ainda, que teve uma convivência grande com torcedores, com a cultura mineira, o que aumentou sua paixão pela Raposa.
— Juntou a experiência profissional que eu tive no Japão, aproveitei a cultura para me profissionalizar como atleta, uma visão e um estilo de vida diferentes do Brasil, com estar chegando a um grande clube, uma torcida imensa, apaixonada, uma história gigante. E eu falei “opa, vamos com tudo aqui, respeito, entrega, dedicação”, e aí o respeito veio — falou.
Retorno ao Cruzeiro, dessa vez como torcedor
Apesar da ligação de Fabrício com o Cruzeiro ter sido forte desde sua chegada ao clube, onde se consolidou como uma liderança, o jogador passou a aparecer no Mineirão nos últimos anos, quando o time celeste disputava a Série B do Brasileirão. O jogador explicou que um afastamento do futebol no geral, somada ao momento do clube e a sua entrada nas redes sociais fizeram com que seu retorno acontecesse dessa forma.
— A minha relação com o futebol foi uma coisa muito louca. Eu acabei um pouco saturado, tive problemas na parte física, emocional, não conseguia conciliar direito, sentia falta de ficar em casa, com meus filhos. Com as viagens, jogos, eu parava duas, três vezes por semana em casa. Me arrastei ali por um tempo, mas quando eu me desliguei do futebol eu sumi do mapa — contou.
Apesar de classificar o futebol como “tudo em sua vida”, Fabrício explicou que os 20 anos de dedicação exclusiva ao esporte cobraram seu preço. No período distante das quatro linhas, o ex-volante se dedicou a outros esportes, como o surfe e o jiu-jitsu. Porém, o desejo de apresentar a paixão que guia o futebol aos seus filhos fez com que o camisa 5 voltasse a se abrir ao esporte.
— Meus filhos sempre gostaram do futebol, eu já havia levado eles no Maracanã, em jogos em Portugal. E em 2019 eu tive aquela decepção com o rebaixamento do Cruzeiro. Eu nem sabia o quanto eu gostava do time até ali. Eu realmente fiquei chateado com a situação, que ia de mal a pior. Ali eu vi que o carinho que eu tinha pelo clube era especial, algo diferente, de torcedor, que eu não sentia desde que era criança, quando fui torcedor do Flamengo, devido à Globo, do Rio de Janeiro, que passava muito em Santa Catarina, e que tinha parado desde que entrei para o mundo da bola, aos 13 anos — disse Fabrício.
— Meus meninos estavam muito envolvidos com o futebol, mas eu não tinha conseguido passar aquela paixão para eles. Foi quando eu comecei a falar do Cruzeiro. Naquele momento estava complicado para o clube, então me vi no direito de ajudar como torcedor, na arquibancada. Eu peguei muito a ajuda da arquibancada quando não estava tão bem, quando tava naqueles dias que nem queria jogar. Não teve como, tive que voltar como torcedor, já que não tem outro jeito — continuou.
Na ânsia de retribuir à torcida do Cruzeiro o apoio em momentos difíceis, Fabrício decidiu começar a frequentar as arquibancadas com seus filhos, mesmo com o momento difícil da equipe. A primeira aparição dos jogadores neste retorno aconteceu no último jogo da Série B de 2021, contra o Náutico, quando mesmo sem chances de retorno à primeira divisão, a torcida lotou o Mineirão e deu um show.
— Esse foi o momento que eu precisava estar de volta, ajudar de alguma forma e foi como torcedor, no meio da arquibancada — disse Fabrício.
O Cruzeiro representa muita coisa para mim. Tanto na parte profissional, quanto pessoal. Eu queria passar isso para os meus filhos. A essência do futebol é a paixão e isso não vai mudar. O torcedor às vezes está com problemas e é ali que ele vai extravasar, ter uma alegria.
A música que está na boca do povo! 🎶💙
Até o ídolo Fabricio e seus filhos já sabem a letra da melodia que vai balançar as arquibancadas.
DOMINGO VAI SER LINDO DEMAIS! 🥰 pic.twitter.com/n17j36u7cG
— Cruzeiro 🦊 (@Cruzeiro) September 1, 2022
Carinho da torcida celeste
Fabrício disse que o carinho da torcida consigo é emocionante e foi uma surpresa em seu retorno ao Mineirão. Ele conta que passou a ter noção disso ao criar sua primeira conta no Instagram, em 2021.
— Eu voltei para o Brasil, depois de morar em Portugal, e no meu aniversário, depois de tomar uns vinhos, resolvi ceder à insistência dos meus amigos e criar um Instagram. A partir daí começou essa interação maior. Eu sempre fui tratado com carinho aonde eu ia em Minas, mas depois de ficar tão afastado de tudo eu não imaginava. Essa recepção foi incrível — conta sorrindo, Fabrício.
Eu vou em qualquer setor do estádio e sou aceito, a torcida trata meus filhos com muito carinho, isso para mim não tem preço. O que a torcida do Cruzeiro faz por mim é emocionante. É maravilhoso.
— Hoje o Cruzeiro faz parte dessas coisas que eu quero mostrar para meus filhos, que eu escolhi. O Cruzeiro tem me ajudado muito nisso. Eu consigo levar essa paixão para eles, que sabem que vão ter um lugar para espairecer, viver alegrias, tristezas, emoções que só o futebol pode proporcionar. O Cruzeiro é fundamental na minha vida. Como atleta, como torcedor, como pai — se declarou Fabrício.
Fabrício com a torcida do Cruzeiro na esplanada.
[🎥: @superesportesmg]pic.twitter.com/0rhMNbFV3e— Blog da Raposa 🦊 (@BlogRaposa) September 4, 2022
Como Fabrício enxerga o futuro do Cruzeiro?
Muita coisa mudou no Cruzeiro desde que Fabrício deixou o clube, no final de 2011. Depois de sua saída, o time celeste teve temporadas boas, onde conquistou títulos, e ruins, chegando a cair para a segunda divisão nacional e passando por graves problemas financeiros. É consenso que um dos maiores clubes da América do Sul passou perto de fechar as portas.
Atualmente, o Cruzeiro é uma SAF, de propriedade do ex-jogador Ronaldo Nazário, antigo adversário de Fabrício em campo — e que protagonizou um lance que ficou marcado na história do volante e que falaremos na parte dois da entrevista, que irá ao ar amanhã (5) —, e vive período de reestruturação financeira, esportiva e mercadológica.
Fabrício comentou sobre o processo de reconstrução do Cruzeiro e elogiou a reestruturação financeira promovida pela equipe de Ronaldo. Para ele, as SAFs têm trabalhado bem no que se trata de profissionalizar o futebol brasileiro.
— Eles têm um planejamento e vão seguindo bem, a coisa vai acontecendo. Nós como torcedores criamos uma expectativa pelo início do campeonato (quando o Cruzeiro pontuou bem e se manteve entre os primeiros colocados), mas eu não posso ficar bravo com os caras porque eles sempre falaram que o planejamento deles era esse. Falaram que iam ficar em 12º e estão. Mas não precisa correr tanto risco, seguir tanto ao pé da letra. Fica em oitavo — falou Fabrício, emendando com uma brincadeira.
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Riscos no Brasileirão
Fabrício citou ainda a dualidade entre fazer uma gestão consciente administrativamente e saber gerir a paixão que envolve o universo do futebol.
— Quando você quer fazer tudo certinho financeiramente falando, dá certo como foi no Flamengo, uma boa gestão com um pouquinho de paixão. De repente buscar um negócio maior. Não tem mistério né? Com dinheiro você consegue. Um amigo meu fala “fazer polenta você faz com fubá, futebol é dinheiro” — opinou o ex-volante.
Fabrício disse, ainda, que entende a diretoria do Cruzeiro não querer “abrir os cofres” até solidificar o projeto. Ele utilizou o planejamento do Athletico-PR como exemplo.
— Esse planejamento é o ideal. No CT do Athletico-PR tá na parede o planejamento dos caras e deu tudo certo. Até 2024 eles queriam ganhar uma Libertadores e um Mundial e bateu na trave — falou Fabrício.
Apesar de concordar com uma gestão mais austera, Fabrício alertou que no futebol as coisas mudam muito rapidamente e que correr riscos é sempre perigoso.
— Planejar é a coisa certa a se fazer, mas como torcedor fico nessa. O futebol não é uma receita de bolo. Pode dar alguma coisa errada. O Cruzeiro está correndo um risco grande aí. Tem que se policiar cada vez mais, o time estar muito envolvido, porque o futebol brasileiro é muito competitivo e eu vejo os times da parte de baixo da tabela numa crescente, jogando um futebol muito intenso — alertou o ídolo celeste.
Expectativa de um futuro positivo
Apesar das ressalvas, Fabrício entende que o Cruzeiro terá um futuro positivo, dentro do planejado pela SAF de Ronaldo. Ele exemplificou com a situação do Botafogo, que em seu retorno à Série A, no ano de 2022, ficou na 11ª colocação, mas que no ano seguinte almeja voos mais altos. O objetivo de chegar a uma Copa Libertadores parece estar bem encaminhado, com o bônus da possibilidade de conquistar um Brasileirão após 28 anos.
— Eu acho que o Cruzeiro está no caminho certo, mas dá um frio na barriga como torcedor. Vem a lembrança dos momentos ruins que a gente passou. Meu filho me cobra. Os amigos dele do Rio de Janeiro e São Paulo veem os times ganharem títulos e ele vem me cobrar, “e o Cruzeiro, pai?”. Eu falo com ele para ter calma, que em alguns anos estaremos lá outra vez — disse Fabrício.
Para Fabrício, a mudança de rumos na temporada do Cruzeiro passa muito pela atitude daqueles que estão no clube. Segundo o ex-jogador, com a janela de transferências fechada, mudanças nas peças podem ser importantes para que jogadores não entrem numa zona de conforto.
— É tentar melhorar os caras. Tem 14 dias de treinamento aí. Eu acho ruim. Uma semana sem jogos é bom para treinar, recuperar, mais que isso é muita coisa. Nosso time jogou pouco esse ano. Pensamos que os caras vão voltar voando, mas demoram a entrar no jogo pela falta de ritmo. Como treinador eu tentaria fazer algumas mudanças no ataque, dar uma movimentada nas peças que tem. Acho que ninguém tem cadeira cativa ali não. Não tem nenhum destaque para ser titular absoluto — opinou o ídolo celeste.
— Tem que dar um algo a mais, se fechar. É preciso mais paixão, mais entrega. Isso sempre é bom. No nível de competição em que a gente está, faz diferença quando a gente faz alguma loucura, se entrega mais, se arrisca, as coisas acontecem — finalizou Fabrício.
*A segunda parte da entrevista será publicada nesta quinta-feira (5).