Azarões Eternos

Dez grandes histórias dos clubes galeses na Recopa Europeia

Por muitas décadas os clubes de Gales viveram situação bem inusitada no cenário europeu. Na falta de um campeonato em formato de liga (instituído apenas em 1992), a única competição nacional era a copa, criada em 1877 e que reunia inclusive os clubes do país que integravam a estrutura da liga inglesa. Como resultado, a partir dos anos 1960 os vencedores deste torneio se classificavam para disputar a Recopa Europeia – durante muito tempo a única competição continental a contar com times galeses. E em muitas vezes eles arrancaram resultados históricos.

Este processo, semelhante ao que acontece atualmente com os clubes de Liechtenstein na Liga Europa, tinha ainda outras peculiaridades. Uma delas era que a copa galesa admitia a participação não só dos clubes do país inseridos na liga inglesa (Cardiff, Swansea, Wrexham, Newport e outros) como até mesmo de clubes ingleses de regiões próximas a Gales (como o Shrewsbury, o Chester, o Crewe, o Bristol City e o Hereford). Embora alguns destes tenham até levantado a taça, estavam, porém, barrados da Recopa: a vaga ficava com o melhor galês classificado.

Também chamava a atenção o fato de que quase a totalidade dos representantes galeses na taça europeia eram clubes que disputavam as divisões inferiores inglesas – algo que, aliás, a Recopa proporcionava aos outros países, mas que foi levado a extremos em Gales, como veremos. Esta situação, por outro lado, dava um tempero a mais às grandes vitórias sobre equipes de peso do futebol europeu registradas nas décadas de 1960, 1970 e 1980. Os anos 1990, por outro lado, marcaram um declínio técnico do país no torneio.

As causas dessa decadência passavam pelo aumento da disparidade técnica e econômica no futebol europeu, mas também por transformações no próprio cenário galês. Em agosto de 1992, a League of Wales teve seu pontapé inicial. Três anos depois, pressionada pela Uefa, a federação de Gales decidiu expulsar de sua copa os clubes que integravam a estrutura liga inglesa a partir da temporada 1995/96. Em 1999, foi a vez de a própria Recopa ser extinta. Abaixo, relembramos dez dos grandes momentos dos galeses na competição.

Um lamento pelo regulamento (Bangor City, 1962/63)

Campeão da Copa do País de Gales em 1889 e 1896, o Bangor City teve que aguardar quase 70 anos para voltar a levantar a taça ao derrotar o Wrexham em 1961/62, na primeira final em ida e volta da história do torneio – embora tenha sido necessário um terceiro jogo. Com isso, o clube do norte galês se tornou o segundo do país a participar da Recopa, depois de o Swansea Town ter jogado a edição anterior (caindo logo na primeira eliminatória para o Motor Jena, da Alemanha Oriental). Os Citizens, por sua vez, teriam pela frente o Napoli.

O primeiro título dos napolitanos na Copa da Italia coincidiu com a temporada em que retornavam à Serie A após terem sido rebaixados um ano antes. Para 1962/63, a equipe dirigida pelo argentino Bruno Pesaola, antigo ídolo como jogador, contava com caras novas que se tornariam nomes históricos do clube, como o meia Antonio “Totonno” Juliano e o ponta-direita brasileiro Cané, vindo do Olaria. Os dois, porém, não entraram em campo naquele confronto que marcou a estreia da agremiação do sul da Itália em copas europeias.

Então disputando a Liga de Cheshire (uma das divisões regionais que compunham a divisão logo abaixo da Football League inglesa), o Bangor contava com apenas três galeses – além de cinco ingleses e dois escoceses – na equipe que recebeu o Napoli no acanhado (e abarrotado) estádio de Farrar Road em 5 de setembro de 1962. Mas o resultado final foi muito celebrado: “Italianos batidos por 2 a 0 pelo humilde Bangor”, destacava o prestigioso diário britânico The Times no título de sua nota sobre os resultados do dia nas copas continentais.

Os gols saíram um em cada tempo: a dois minutos do intervalo o ponta-direita Roy Matthews livrou-se da marcação e tocou para abrir o placar. Já na segunda etapa, a sete minutos do fim, o volante e capitão Ken Birch deu números finais ao jogo convertendo um pênalti. Na volta, diante de cerca de 80 mil torcedores no estádio de San Paolo, o Napoli abriu 2 a 0. O Bangor descontou com Jimmy McAllister na metade do segundo tempo antes de Giovanni Fanello, aos 39 minutos da etapa final, fechar a vitória italiana em 3 a 1.

Pelo critério dos gols fora de casa, o Bangor teria avançado. Mas não era o que valia na época. O empate no placar agregado levou a definição a uma partida extra, em campo neutro – no caso, em Highbury, o antigo estádio do Arsenal em Londres. O Napoli saiu na frente no jogo disputado em 10 de outubro com um gol do ítalo-argentino Humberto Rosa, mas Jimmy McAllister empatou de novo na metade da etapa final. Quando parecia que a vaga seria decidida na prorrogação, Rosa foi às redes novamente a cinco minutos do fim e classificou os italianos.

O Bangor voltaria a disputar a Recopa apenas mais duas vezes. Na segunda, em 1985/86, enfim conseguiu passar de fase, eliminando o norueguês Fredrikstad antes de cair nas oitavas para o futuro finalista Atlético de Madrid. Já a terceira participação viria na derradeira edição do torneio em 1998/99, quando o time foi eliminado sem dificuldades pelos finlandeses do Haka. Nessa época, no entanto, o clube já havia sido transferido para a League of Wales.

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Surpresa até mesmo em Gales (Borough United, 1963/64)

Defendendo seu título da copa galesa de 1962, o Bangor City acabaria eliminado pelo pequeno Borough United, clube então fundado há menos de uma década na cidade de Llandudno Junction. O novato avançaria até a final do torneio, na qual venceria de maneira surpreendente o Newport County, que na época integrava a Football League inglesa. Mas esse seria apenas seu primeiro feito a entrar para a história do jogo local. Antes de dar início a sua empreitada europeia, o clube tinha apenas quatro libras em caixa.

Para arrecadar fundos, foi feita então uma rifa cujo primeiro prêmio era uma casa em Llandudno, com os bilhetes distribuídos também aos 92 clubes da Football League. Com parte do valor tido como necessário obtido, veio então o sorteio das chaves. E ele também ajudou: o adversário era o fraco Sliema Wanderers, de Malta. Mesmo assim, houve turbulências: o voo saído de Liverpool com destino à ilha no Mediterrâneo teve que fazer escala forçada em Marselha por problemas mecânicos. O time chegou a Gzira quatro horas antes do pontapé inicial.

Diante das cansativas 31 horas de voo e do piso de terra batida do estádio local, o empate sem gols foi considerado ótimo pelos galeses. O jogo de volta seria disputado no Racecourse Ground, em Wrexham, e o Borough venceria por 2 a 0. Com isso, o time de uniforme grená e branco se tornava o primeiro clube galês a avançar em um mata-mata europeu. A aventura, no entanto, chegaria ao fim na fase seguinte, diante de um adversário bem mais difícil: o Slovan Bratislava, que incluía nove atletas da seleção da Tchecoslováquia.

Entre os astros internacionais do Slovan estavam o goleiro Viliam Schrojf (que só atuou na partida de volta), o zagueiro Ján Popluhár – destaque da Copa do Mundo de 1962 – e o meia (e futuro técnico de prestígio) Jozef Venglos, além de novatos como Ivan Hrdlicka e Karol Jokl. Mas quem decidiria o jogo de ida, novamente no Racecourse Ground, seria o atacante Pavol Molnár, autor do único gol da partida. Na volta em Bratislava, com o campo coberto de neve, ele anotaria outros dois, com Anton Moravcik fazendo o outro tento, fechando o placar em 3 a 0.

O Borough United não sobreviveria por muito tempo: em 1967, o clube seria despejado do campo de Nant-y-Coed, onde mandava seus jogos, pelos donos do terreno, uma ordem religiosa local. Após ser forçado a deixar a liga que disputava, transferindo-se para uma mais fraca, e a peregrinar por várias outras casas durante dois anos, decidiria encerrar as atividades.

Desbancando o campeão (Cardiff City, 1964/65)

Campeão em participações na história da Recopa (14 edições, uma a mais que o Barcelona), o Cardiff City estreou no torneio na temporada 1964/65 e logo mostrou que era capaz de fazer estragos. A equipe dirigida pelo rigoroso escocês Jimmy Scoular (ex-médio bicampeão inglês com o Portsmouth em 1949 e 1950 e vencedor da FA Cup com o Newcastle em 1955) reunia então vários jogadores de experiência internacional, entre eles os irmãos John e Mel Charles e Ivor Allchurch, todos da seleção galesa que disputara a Copa de 1958.

O fenomenal atacante John Charles (o “Gigante Gentil”) tinha, além de tudo, valiosa experiência em clubes na Europa continental, onde atuara pela Juventus durante cinco anos e pela Roma por mais uma temporada, antes de retornar ao País de Gales em 1963 para defender os Bluebirds. Assim, não foi exatamente uma surpresa quando o clube passou pelo dinamarquês Esbjerg na primeira fase, ainda que por um magro 1 a 0 no jogo de volta em casa (gol de Peter King), após um empate sem gols na primeira partida, no país escandinavo.

Porém, o clube definitivamente não era o favorito para o confronto das oitavas de final diante do Sporting. A equipe lisboeta era nada menos que a detentora da Recopa – tendo, ao longo daquela campanha vitoriosa, eliminado o Manchester United com uma humilhante goleada de 5 a 0 – e ainda contava com muitos dos nomes que comporiam o elenco da seleção lusa que brilharia na Copa do Mundo de 1966. E, na condição de atuais campeões, os Leões tiveram o benefício de pularem a primeira fase do torneio, estreando só naquelas oitavas.

Mas os Bluebirds estavam mesmo dispostos a surpreender. E saíram na frente no primeiro jogo, no Alvalade, com um chute da entrada da área de Greg Farrell, ainda na etapa inicial. Depois, no segundo tempo, o ponta-direita Derek Tapscott tentou um cruzamento, mas a bola pegou um efeito e tomou a direção do gol. O arqueiro Carvalho se atrapalhou e a empurrou para dentro, ampliando a vantagem dos galeses. No fim, o meia Figueiredo descontou na marra, mas a vitória ficou mesmo com o Cardiff – que segurou o 0 a 0 em casa na volta para avançar.

Nas quartas de final, outro grande adversário aguardaria pelo Cardiff: o forte Zaragoza, naquele momento vice-líder do Campeonato Espanhol, um ponto atrás do Real Madrid, e que conquistara na temporada anterior não só a copa nacional como também a Copa das Feiras. Era uma equipe que reunia cinco jogadores de seleção espanhola, mais o ponteiro brasileiro Canário, ex-America e Real Madrid. E para deter seu poderoso ataque, Jimmy Scoular decidiu recuar John Charles para o posto de líbero, atrás da linha de quatro defensores.

Em La Romareda, os donos da casa começaram furiosos, com o ponta-esquerda Carlos Lapetra abrindo o placar aos dois minutos e o meia Antonio Pais ampliando aos dez. Mas o Cardiff, além de segurar o ímpeto do adversário, conseguiu reagir: em dois cruzamentos de Greg Farrell, o meia Gareth Williams descontou aos 15 e o atacante Peter King empatou aos 38. E os Bluebirds levaram um excelente resultado para o Ninian Park. No entanto, seriam eles os surpreendidos na volta: um gol solitário de Canário a 15 minutos do fim deu a vitória ao Zaragoza.

O caminho às semifinais passa pelo Uzbequistão (Cardiff City, 1967/68)

Esta seria a temporada em que um clube galês iria mais longe na Recopa – em mais de um sentido. Nas duas primeiras fases, o Cardiff precisaria apenas pegar a balsa para cruzar o Mar da Irlanda (e enfrentar o Shamrock Rovers) e o Mar do Norte (e encarar o NAC Breda). Ambos os adversários foram batidos sem dificuldade. Contra os irlandeses, empate em 1 a 1 fora de casa e vitória por 2 a 0 no Ninian Park. Já diante dos neerlandeses, o mesmo placar de 1 a 1 como visitante veio a anteceder uma tranquila goleada dos Bluebirds por 4 a 1 em solo galês.

Porém, o adversário das quartas – o Torpedo Moscou do goleiro Anzor Kavazashvili, do zagueiro Viktor Shustikov e do atacante Eduard Streltsov – obrigaria os galeses a empreenderem uma odisseia inacreditável. No jogo de ida, no Ninian Park, o Cardiff venceu pelo placar mínimo, gol de Barrie Jones. Para a partida de volta, dali a duas semanas, havia um problema: a falta de gramados em Moscou em condições de receber o jogo, devido ao inverno rigoroso. A solução seria jogar em Tashkent, no Uzbequistão, em plena Ásia Central Soviética.

Mesmo esgotado pela viagem, o time do Cardiff conseguiu se manter vivo na competição após perder pelo mesmo placar da vitória no jogo de ida, levando a decisão da vaga nas semifinais para um terceiro jogo em campo neutro – e este, pelo menos, seria no meio do caminho. O estádio Rosenau, na cidade alemã-ocidental de Augsburg, recebeu a partida extra, duas semanas depois. E o placar de 1 a 0 se repetiria mais uma vez. Felizmente, para os galeses, a favor do Cardiff: um gol de Norman Dean aos 42 minutos de jogo classificou os Bluebirds.

Na única semifinal alcançada por um time galês numa taça europeia, o adversário do Cardiff seria o Hamburgo, do implacável artilheiro Uwe Seeler – desfalque, entretanto, para o primeiro jogo no Volksparkstadion. E quem balançaria as redes logo aos cinco minutos do segundo tempo seria a equipe britânica, com Norman Dean. A vitória parcial seria segurada até os 24 minutos da etapa final, quando Helmut Sandmann empataria para os hanseáticos. Mesmo assim, o resultado fora de casa foi bastante comemorado pelos Bluebirds.

No Ninian Park, outra vez Norman Dean abriria a contagem logo no início, aos 11 minutos. Mas desta vez a reação dos alemães seria mais rápida: Franz-Josef Hönig igualaria aos 15. O gol de empate desestabilizaria os galeses, que sofreriam a virada com Uwe Seeler – desta vez em campo – no começo da etapa final. Brian Harris ainda empataria a 12 minutos do fim, empurrando o Cardiff para tentar a virada e a classificação. Mas o time sofreria com os contra-ataques. Num deles, no último minuto, Hönig daria a vitória ao Hamburgo.

Vitória histórica sobre os merengues (Cardiff City, 1970/71)

Entre 1964 e 1976, o Cardiff conquistaria 10 das 13 Copas do País de Gales disputadas no período, incluindo um incrível pentacampeonato entre 1967 e 1971. Na mesma temporada do quinto título consecutivo, ele empreenderia outra de suas grandes campanhas na Recopa, com direito a uma vitória histórica ainda hoje lembrada sobre um gigante do continente: nada menos que o Real Madrid, então contando com astros internacionais como Amancio, Pirri, Benito e Velázquez. Mas aquela caminhada ainda reservou outros momentos memoráveis.

Logo de saída os Bluebirds amassaram seu primeiro adversário – o inexpressivo Pezoporikos, do Chipre – por 8 a 0 no estádio de Ninian Park, antes de negociarem um empate sem gols na volta. Na próxima etapa, o oponente inspirava bem mais respeito: a boa equipe do Nantes, que ficaria em terceiro na liga francesa daquela temporada e contava entre seus titulares com dois futuros técnicos dos Bleus, Henri Michel e Roger Lemerre, além do zagueiro Patrice Rio e da dupla de goleadores formada por Bernard Blanchet e Philippe Gondet.

E Gondet, logo aos dois minutos, abriria a contagem no Ninian Park na primeira partida, na noite de 21 de outubro de 1970. Só que rapidamente o Cardiff reagiu e não tomou mais conhecimento do adversário. O destaque do jogo foi o atacante John Toshack, que empatou a partida aos oito minutos e marcou o terceiro gol aos 37, depois que Ian Gibson já havia anotado o da virada aos nove. No segundo tempo, Peter King e Leighton Phillips completariam a goleada de 5 a 1 que deixou os galeses com a mão na vaga, confirmada no jogo de volta.

Duas semanas depois, o Cardiff voltaria a bater o Nantes, agora em solo francês e por 2 a 1, com sua dupla de ataque formada por Toshack e Brian Clark balançando as redes, antes de Blanchet diminuir no fim. Porém, ainda naquele mês de novembro a dupla seria desfeita com a venda de Toshack ao Liverpool. Clark ficaria sozinho na frente para comandar o ataque da equipe dirigida por Jimmy Scoular contra a temível retaguarda do Real Madrid, adversário das quartas de final em duas partidas disputadas em março de 1971.

Aquela temporada era a primeira em que os merengues não disputavam a Copa dos Campeões, após 15 participações ininterruptas no principal torneio europeu de clubes desde a sua criação. Naquele elenco, o ponta Francisco Gento, “el Supersónico”, era o único remanescente do timaço que enfileirara cinco títulos nas cinco primeiras edições. Mas o restante da equipe também era composto por nomes experientes e de primeira linha, muitos deles campeões europeus em 1966, e que agora teriam a conquista de uma outra taça continental como meta.

Mas no meio do caminho precisariam passar por um Ninian Park lotado com 50 mil torcedores empurrando os Bluebirds, que apertaram os merengues – naquela noite trajando um incomum uniforme todo vermelho – desde o início e chegaram ao gol aos 31 minutos do primeiro tempo, quando o meia Bobby Woodruff lançou o garoto Nigel Rees, 17 anos, na ponta esquerda, e este passou pela marcação de dois adversários e cruzou da linha de fundo. Brian Clark saltou e testou para as redes do goleiro Borja, decretando a vitória galesa.

No Santiago Bernabéu, o Cardiff ainda conseguiria levar o jogo para o intervalo com o placar em branco que lhe daria a classificação. Mas dois gols em sequência no começo da etapa final poriam fim ao sonho: um bonito chute de Velázquez, pegando de primeira da entrada da área um rebote do goleiro Jim Eadie, abriu a contagem aos cinco minutos. E logo no lance seguinte, um chutão do arqueiro Junquera foi escorado na frente por Pirri e sobrou para Fleitas marcar o segundo e colocar os merengues nas semifinais, contra o PSV Eindhoven.

Ainda naquela temporada, o Cardiff se envolveria numa disputa apertada pelo acesso à primeira divisão inglesa, chegando a ocupar a liderança da segundona por algumas rodadas. Porém, uma sequência ruim na reta final (apenas duas vitórias nas últimas sete partidas, com três derrotas nas últimas cinco) fez com que os Bluebirds amargassem a terceira colocação, quando apenas dois clubes subiam. Com 53 pontos ganhos, o time ficou a seis do campeão Leicester e três do vice-campeão e também promovido Sheffield United.

A hora e a vez dos Dragões (Wrexham, 1975/76)

Maior campeão da Copa do País de Gales, com 23 títulos contra 22 do Cardiff, o Wrexham tem também uma longa história na Football League inglesa, da qual fez parte entre 1921 e 2008, ano em que acabou rebaixado para a atual National League. Já na Recopa, apesar de ter um número menor de participações que os Bluebirds, os Dragões também tiveram momentos marcantes já desde sua estreia, na edição de 1972/73, quando deixaram para trás os suíços do Zürich antes de caírem apenas nos gols fora de casa para um forte Hajduk Split.

Na segunda participação, em 1975/76, chegariam ainda mais longe, liderados em campo pelo veterano meia Arfon Griffiths, 34 anos, jogador da seleção galesa e que disputaria quase 600 jogos pelo clube em 20 anos de carreira. E ele próprio marcaria o primeiro gol da campanha, na vitória por 2 a 1 sobre os suecos do Djurgårdens no estádio de Racecourse Ground. O triunfo, no entanto, só foi confirmado aos 44 minutos do segundo tempo com um gol do zagueiro Gareth Davies (outro que mais tarde defenderia a seleção).

No jogo da volta, em Estocolmo, Graham Whittle abriu o placar e os donos da casa empataram, mas não impediram a classificação dos Dragões, que também não tiveram trabalho para bater o próximo adversário, o Stal Rzeszow polonês, por 2 a 0 no jogo de ida em casa. Billy Ashcroft fez os dois tentos para carregar uma vantagem confortável à segunda partida. Nela, o Stal marcou primeiro e ameaçou levar a decisão à prorrogação. Mas a sete minutos do fim, o meio-campista Mel Sutton deixou tudo igual e colocou o Wrexham na fase seguinte.

As quartas de final reservariam um duelo épico diante de um Anderlecht que já despontava como força continental – em especial na própria Recopa, naquela segunda metade dos anos 1970. Era uma equipe que mesclava talentos locais, como o zagueiro Hugo Broos, os meias Jean Dockx e Ludo Coeck e o atacante François Van Der Elst, com ótimos nomes trazidos dos vizinhos Países Baixos, como Arie Haan e Rob Rensenbrink. Todos com grande experiência internacional. Seria páreo duríssimo para o Wrexham, mas os galeses não se intimidaram.

Na primeira partida, em Bruxelas, na noite de 3 de março de 1976, o Anderlecht suou para vencer pelo placar mínimo, num gol de Gilbert Van Binst logo aos dez minutos, com chances para ambos os lados no restante do jogo. Já na volta, num Racecourse Ground lotado e pulsante, o Wrexham partiu para cima logo de início, mas só conseguiu marcar aos 15 minutos da etapa final, quando o atacante Stuart Lee completou para as redes um cruzamento da direita. A pressão continuou intensa, com o goleiro Jan Ruiter tendo de salvar os Mauves.

Quando os Dragões mais pressionavam, buscando o segundo gol, veio o balde de água fria num contra-ataque aos 31 minutos. Van Binst desceu pela esquerda e entregou ao armador Coeck, que fez o passe à frente, na esquerda do ataque, para Rensenbrink. O camisa 15 da Laranja Mecânica da Copa de 1974 recebeu nas costas da defesa galesa e chutou cruzado, na saída do goleiro Brian Lloyd. Restando pouco tempo para marcar os necessários dois gols, o Wrexham acabou não tendo forças para reagir. Mas o clube ainda voltaria a brilhar.

Um conto de sorte e azar (Newport County, 1980/81)

Clube do sul do País de Gales que integrava a Football League inglesa desde 1920, com um breve hiato nos anos 1930, o Newport só venceu a copa galesa pela primeira (e única) vez na temporada 1979/80, derrotando os ingleses do Shrewsbury na final. Na mesma ocasião, o time dirigido por Len Ashurst também obteve o acesso para a terceira divisão inglesa. A grande revelação da equipe era um jovem centroavante chamado John Aldridge, que mais tarde defenderia Liverpool, Real Sociedad e disputaria duas Copas do Mundo pela Irlanda.

E naquela que seria sua única presença em copas europeias, o sorteio ajudou logo na primeira fase, colocando o Crusaders, da Irlanda do Norte, no caminho. Uma tranquila vitória por 4 a 0 em casa seguida por um empate sem gols em Belfast foi o bastante para avançar. Na etapa seguinte, o adversário também era modesto: o Haugar, que havia acabado de subir para a primeira divisão norueguesa. Mas parecia inspirar um pouco mais de cuidado depois de ter deixado pelo caminho os suíços do Sion com um 3 a 1 no agregado na fase anterior.

No dia do primeiro jogo, na cidade norueguesa de Haugesund, uma chuva torrencial desabou e alagou o campo, que foi coberto com serragem para que a água secasse e a partida pudesse ser realizada no local. Nem é preciso dizer que não foram 90 minutos tecnicamente primorosos. E, previsivelmente, terminaram num empate sem gols. Mas o Newport pôde ver que o adversário não preocupava tanto. Sendo assim, dispararam um 6 a 0 no jogo de volta, com Aldridge outra vez deixando o seu, como havia feito diante do Crusaders.

Nas quartas de final, no entanto, aí sim o adversário seria o favorito destacado do confronto. O Carl Zeiss Jena havia despachado nas fases anteriores nada menos que a Roma de Falcão – com uma contundente goleada de 4 a 0 revertendo a derrota por 3 a 0 na Cidade Eterna – e o Valencia de Mario Kempes, detentor da Recopa. A equipe alemã-oriental reunia um punhado de bons jogadores da seleção de seu país, e o próprio técnico Hans Meyer reconhecia o favoritismo de sua equipe, pelo ótimo momento atravessado no torneio.

Em 4 de março de 1981, veio o primeiro jogo no estádio Ernst Abbe, em Jena. E o time local tratou logo de abrir o placar com o meia Jürgen Raab aproveitando-se de uma confusão na área aos 22 minutos do primeiro tempo. Mas ainda antes do intervalo, o artilheiro Tommy Tynan girou para se livrar da marcação e acertou um belo chute para empatar. Veio a etapa final e, quando Raab apanhou uma bola escorada num escanteio para deixar o Carl Zeiss novamente em vantagem a cinco minutos do fim, parecia que o resultado estava definido.

Mas na última volta do ponteiro, Dave Gwyther fez um carnaval pelo lado direito do ataque galês e serviu a Tynan, que finalizou fraco. A bola, porém, deslizou por baixo do corpo do goleiro Hans-Ulrich Grapenthin, da seleção alemã-oriental, e cruzou a linha, silenciando o estádio. Talvez mais uma mostra de que a sorte andava ao lado do Newport. Mas em meio à euforia entre os galeses, que vislumbravam uma segunda classificação às semifinais após 13 anos e pela primeira vez por parte de um time da terceira divisão, a sorte fez as malas e partiu.

O jogo de volta, num estádio de Somerton Park lotado com 18 mil torcedores, foi um massacre do Newport. Só faltou a bola entrar. Foram, ao todo, cinco bolas salvas por zagueiros alemães em cima da linha (duas delas em dois escanteios seguidos). Um punhado de defesas assombrosas de Grapenthin. E uma bola no travessão, num toque por cobertura de Tommy Tynan. No meio disso tudo, houve uma falta cobrada pelo experiente meia Lothar Kurbjuweit, em que a bola atravessou um buraco na barreira galesa e enganou o goleiro Gary Plumley.

O empate em 1 a 1 ainda classificaria o Newport pelo critério dos gols fora de casa. Mas por mais que os jogadores tentassem, parecia haver um campo de força na frente da meta dos alemães-orientais impedindo a bola de cruzar a linha. Ao fim do jogo, apesar dos aplausos dos torcedores em reconhecimento ao esforço, havia aquele gosto amargo de quem esteve muito perto de fazer história (o classificado enfrentaria o Benfica nas semifinais) e falhou diante de seu próprio público. E tempos depois o clube experimentaria um cruel declínio.

Após cair da terceira para a quarta divisão inglesa em 1987 e passando por séria crise financeira, o clube fez campanha melancólica na última categoria da Football League na temporada seguinte, somando apenas 25 pontos em 46 jogos e sofrendo 107 gols. Rebaixado diretamente para a Conference, sequer conseguiria completar sua tabela na divisão de acesso, sendo expulso dela e, em seguida, fechando as portas em fevereiro de 1989. Acabaria refundado por torcedores em junho do mesmo ano. Atualmente disputa a League Two.

O momento mais brilhante dos Swans (Swansea City, 1982/83)

Embora não tenha uma história tão rica em passagens memoráveis na Recopa quanto o Cardiff ou mesmo o Wrexham, o Swansea City – que soma sete participações contra oito dos Dragões e 14 dos Bluebirds – coleciona algumas primazias notáveis. Foi o primeiro clube galês a disputar a competição (ainda quando se chamava Swansea Town, na temporada 1961/62). Foi o único a fazê-lo estando na primeira divisão inglesa. E aplicou a maior goleada de uma equipe do país no torneio – e uma das maiores das taças europeias em todos os tempos.

Depois de duas participações discretas nos anos 1960, o Swansea voltou à Recopa bem no meio de uma das melhores fases de sua história. O tricampeonato da copa galesa entre 1981 e 1983 coincidiu com a rápida ascensão do clube dentro da Football League inglesa, da qual fazia parte desde 1920. Da quarta divisão na temporada 1977/78, os Swans conquistaram o acesso à elite pela primeira vez em sua história em 1981. No comando, um velho conhecido dos galeses: John Toshack, que acumulava as funções de jogador e técnico.

A escalada meteórica atingiu o ápice com o excelente sexto lugar obtido na temporada 1981/82, em que os Swans chegaram a liderar a liga inglesa por algumas semanas, derrotando no caminho alguns pesos pesados do futebol do país. Mas naquela ocasião, a campanha na Recopa terminou ainda no primeiro mata-mata, diante do Lokomotive Leipzig. O jeito foi esperar para fazer bonito na Europa na temporada seguinte. Para isso, não faltavam qualidade e experiência no elenco, repleto de jogadores da seleção galesa somados a outros nomes interessantes.

Entre eles, ingleses veteranos como o meia Ray Kennedy, multicampeão com o Arsenal e, mais tarde, com o Liverpool nos anos 1970, ou o atacante Bob Latchford, artilheiro do campeonato pelo Everton em 1978. Além deles, John Toshack apostara em dois raros nomes vindos de fora das ilhas britânicas no futebol inglês de então: os iugoslavos Ante Rajković (ex-Sarajevo) e Džemal Hadžiabdić (ex-Velez Mostar), ambos com passagem pela seleção de seu país. Era, portanto, uma equipe com um toque de exotismo para o contexto da época.

Mesmo assim, o Swansea teria que começar de um pouco mais atrás que a maioria dos demais concorrentes, ao ter sido sorteado para disputar a fase preliminar da Recopa, na qual teria pela frente o Braga, vice-campeão da Taça de Portugal na temporada anterior (o Sporting fizera a dobradinha nacional). Os bracarenses tinham uma equipe pouco expressiva, na qual o único nome mais conhecido era o atacante brasileiro Manoel, revelado pelo Internacional no início dos anos 1970 e que defendeu também o America carioca.

Assim, o Swansea encaminhou a classificação já no primeiro jogo, no Vetch Field, com uma vitória folgada por 3 a 0. Jeremy Charles, da seleção galesa, balançou as redes duas vezes e João Cardoso marcou contra. Na volta, o zagueiro Chris Marustik retribuiu a gentileza aos portugueses, mas a derrota por 1 a 0 não impediu a classificação dos Swans – que teriam vida ainda mais fácil na primeira fase propriamente dita: o oponente era o fraco Sliema Wanderers, de Malta, que já tinha no currículo uma eliminação para galeses, diante do Borough United.

O jogo de ida, em 15 de setembro de 1982, não foi mais que um treino de finalizações, e o placar de 4 a 0 apontado no intervalo no Vetch Field seria até modesto diante da contagem final: o Swansea aplicaria uma surra de 12 a 0 nos pobres malteses. Ian Walsh, que entrou no segundo tempo, foi o artilheiro da noite com três gols. Jeremy Charles e James Loveridge anotaram dois cada um. Colin Irwin, Bob Latchford, Nigel Stevenson e a dupla iugoslava Rajković e Hadžiabdić também deixariam, cada um, uma bola nas redes do goleiro Alan Zammit.

Na volta, no Estádio Nacional de Ta’Qali, o Swansea se deu ao luxo de poupar alguns titulares (incluindo o goleiro Dai Davies) e ainda assim goleou novamente: 5 a 0. Alan Curtis e Darren Gale marcaram dois cada um. E no fim do jogo, até o jogador-técnico John Toshack decidiu participar da brincadeira, entrando em campo para fechar a contagem aos 44 minutos do segundo tempo. Obviamente, seria difícil ter um adversário tão fraco no prosseguimento da competição. Após o recreio, era hora de enfrentar um time de verdade: o Paris Saint Germain.

O PSG vinha de levantar seu primeiro título, a Copa da França de 1982. Mas já tinha jogadores de alto nível a começar pelo goleiro Dominique Baratelli. No meio, um quarteto de luxo: os franceses Luis Fernández e Dominique Bathenay se juntavam ao talentoso argelino Mustapha Dahleb (ídolo do clube no início da década) e ao craque argentino Osvaldo Ardiles, emprestado pelo Tottenham. Na frente, o chadiano Nambatingue Toko (outro nome de referência de então) jogava ao lado do neerlandês Kees Kist, ex-AZ ’67 e Chuteira de Ouro da Europa em 1979.

Assim, a derrota em casa por 1 a 0 (gol de Toko) no jogo de ida, em 20 de outubro de 1982, trouxe os Swans de volta à dura realidade. No Parque dos Príncipes, duas semanas depois, os parisienses confirmariam a classificação vencendo por 2 a 0, com Kist e Fernández anotando os gols. Naquela temporada, aliás, o Swansea iniciaria um declínio tão rápido e impressionante quanto havia sido sua ascensão com destino à elite: rebaixado para a segunda divisão inglesa, acumularia sucessivas quedas até descer novamente à quarta divisão em 1986.

Reação épica em Portugal (Wrexham, 1984/85)

Depois do já citado confronto com o Anderlecht em 1976, o Wrexham seria eliminado na primeira fase duas vezes em 1978/79 e 1979/80, caindo para Rijeka e Magdeburgo. Mas voltaria em 1984/85 numa condição curiosa, como vice-campeão da Copa do País de Gales, ao perder a final para o inglês Shrewsbury Town – que, por não ser galês, teve de ceder a vaga ao adversário batido, então na quarta divisão. A expectativa, porém, era de nova queda precoce, já que o sorteio reservava de saída o Porto, vice-campeão no ano anterior.

Naquele duelo de dragões, os portugueses eram favoritos destacados, uma vez que contavam com grande parte da seleção lusa, incluindo nomes como o meia Jaime Magalhães e os atacantes Paulo Futre e Fernando Gomes. E no elenco havia ainda um atleta oriundo das Ilhas Britânicas, o avante irlandês Mickey Walsh, ex-Blackpool, Everton e Queens Park Rangers. No Wrexham, um nome mais tarde se tornaria conhecido: o meia Barry Horne, que também defenderia os Toffees e o Southampton, além de somar 56 partidas pela seleção galesa.

Foi um jogo de muitas chances perdidas: duas bolas no travessão e uma na trave para cada lado. A mais impressionante delas num chute de Barry Horne da altura da meia-lua que acertou o poste superior e quicou em cima da linha. A única bola que acabou no fundo das redes saiu de uma cabeçada de James Steel, após cruzamento de John Muldoon, aos 32 minutos da etapa final, e deu a vitória histórica ao Wrexham por 1 a 0. Entretanto, acreditava-se que seria um resultado plenamente reversível para o Porto na volta, no velho Estádio das Antas.

E de fato assim pareceu em pouco mais de meia hora de jogo naquela noite de 3 de outubro de 1984. O Porto abriu a contagem logo aos cinco minutos com Fernando Gomes, num lance em que os galeses reclamaram um toque de mão de Futre. Aos 18, um belo chute de primeira de Jaime Magalhães ampliaria a vantagem. E aos 38, num pênalti cometido pelo goleiro Stuart Parker e convertido por Gomes, os tripeiros estabeleciam o 3 a 0 parcial, indicando uma classificação de maneira protocolar às oitavas de final. Ledo engano.

Aos 22 minutos, quando o placar ainda era de 2 a 0, o técnico Bobby Roberts, do Wrexham, fez uma alteração ousada, tirando o defensor Mike Williams e colocando o atacante David Gregory, evitando se fechar na defesa e buscando atacar os donos da casa. E mesmo com o Porto tendo feito o terceiro minutos mais tarde, logo a mudança começaria a surtir efeito. Um minuto após o gol de pênalti dos tripeiros, John King descontou de cabeça, após uma falta levantada na área. E aos 43, King marcaria de novo de cabeça após um escanteio.

O Wrexham saía para o intervalo com a vaga na mão pelos gols fora de casa numa reação incrível e fulminante. Mas ainda assim ela pareceria insuficiente quando, aos 16 minutos da etapa final, Futre acertou um belo chute da entrada da área e marcou o quarto dos portistas. De novo, só parecia. O Porto desperdiçou duas ótimas chances de sacramentar a classificação, frente a frente com Parker, e acabou pagando: aos 45, em outro cruzamento de Muldoon, Horne se projetou para escorar, tocando de cobertura sobre Petar Borota e para as redes.

Os galeses não resistiriam à Roma de Falcão e Cerezo na etapa seguinte – os giallorossi venceriam tanto em casa (2 a 0, gols de Pruzzo e do ex-atleticano) quanto fora (1 a 0, Graziani marcando). Mas o Wrexham já havia feito seu estrago naquela edição. E dois anos depois, chegaria perto de outra surpresa: após despachar o fraco Zurrieq, de Malta, com um 7 a 0 no agregado, levaria o duelo das oitavas contra o Zaragoza de Rubén Sosa para a prorrogação, sendo eliminados com dois empates (0 a 0 e 2 a 2). Desta vez, os gols fora de casa jogaram contra.

A sétima divisão vai à Europa (Merthyr Tydfil, 1987/88)

Na temporada 1987/88, a Football League ainda compreendia as quatro principais divisões do Campeonato Inglês. Abaixo dela vinha a Football Conference, quinta divisão nacional que reunia 22 clubes. E abaixo desta estavam as categorias regionalizadas: a Isthmian League (disputada por equipes de Londres, do Leste e Sudeste inglês), a Northern Premier League e a Southern Premier League (reunindo, respectivamente, equipes nortistas e sulistas). Esta última tinha uma categoria principal (Premier Division) e as inferiores Midland e Southern Division.

A Midland Division – equivalente à sétima categoria nacional, portanto – era onde estava então o Merthyr Tydfil, campeão da Copa do País de Gales de 1987 ao bater o Newport County na final. E que, com disso, havia adquirido o direito de ser o legítimo representante galês na Recopa europeia naquela temporada 1987/88. O clube fundado em 1945 na cidade de mesmo nome, que usava uniforme alvinegro e mandava seus jogos no acanhado estádio de Penydarren Park, se preparava para ler citações ao seu nome na imprensa internacional.

O título de 1987 não havia sido o primeiro do clube na copa galesa: entre 1947 e 1952, o Merthyr Tydfil disputou quatro finais do torneio, vencendo duas (em 1949 e 1951). Mas esta era a primeira vez que a conquista levaria o clube a cruzar o Canal da Mancha e conhecer a Europa continental. O sorteio pareou a equipe com o representante da Itália, que então vivia a era de ouro do Calcio, com times repletos de craques conhecidos internacionalmente. Só que o clube da Bota naquela edição estava um pouco longe daqueles holofotes. Era a Atalanta.

O confronto se tornava ainda mais curioso por se tratar de duas equipes de fora da elite de seus respectivos campeonatos. A Dea, vice-campeã da Copa da Italia em 1986/87, herdara a vaga na competição europeia graças à rara dobradinha feita pelo Napoli de Diego Maradona. Na mesma temporada, havia sido rebaixada à Serie B, levando à queda do técnico Nedo Sonetti, no cargo há quatro anos. Para seu lugar, foi contratado o ambicioso e carismático Emiliano Mondonico, vindo de trabalhos interessantes nos pequenos Cremonese e Como.

O nome de maior prestígio do elenco era o meia sueco Glenn-Peter Strömberg, estrangeiro remanescente da temporada anterior e que defendera o IFK Gotemburgo (campeão da Copa da Uefa em 1982) e o Benfica. Havia ainda uma trinca de ex-milanistas – o goleiro Otorino Piotti, o lateral Andrea Icardi e o atacante Giuseppe Incocciati – e uma dupla de ex-juventinos – o meia Ivano Bonetti e o lateral Claudio Prandelli, que alguns anos mais tarde, ao iniciar sua carreira de treinador, passaria a assinar seu outro prenome, Cesare.

Parecia outro universo perto da origem dos atletas do Merthyr Tydfil, quase todos semiamadores. Para piorar, o nome mais rodado do elenco – o mesmo Bob Latchford que jogara a Recopa pelo Swansea no começo da década – estava lesionado e ficaria de fora de ambas as partidas. Em todo caso, não faltou apoio da torcida local no jogo de ida, com o estádio de Penydarren Park recebendo um público bem maior que os oito mil anunciados oficialmente. E que explodiu aos 34 minutos, quando o atacante Kevin Rogers, de falta, abriu o placar.

Pouco antes do intervalo, porém, a Atalanta empatou: Strömberg recebeu na ponta esquerda, gingou na frente do lateral David Tong e cruzou. O toque de calcanhar do centroavante Oliviero Garlini foi bloqueado pelo goleiro Gary Wager, mas a bola sobrou para o líbero Domenico Progna, sozinho no meio da área, que tocou para as redes. Porém, a vitória ainda sorriria aos galeses: aos 37 da etapa final, uma falta quase na linha de fundo foi alçada à área, e o meia Ceri Williams desviou de cabeça para enlouquecer novamente a torcida local.

O momento histórico, no entanto, se resumiu àquela tarde/noite de 16 de setembro de 1987. Duas semanas depois, no estádio Comunale de Bérgamo (atual Estádio Gewiss), a Atalanta não deu chance à zebra. Marcou duas vezes antes da metade do primeiro tempo com Garlini e o centroavante Aldo Cantarutti, e confirmou a classificação. Uma verdadeira pérola dos tempos mais “artesanais” das copas europeias, quase irrepetíveis hoje, o jogo de ida no diminuto, porém fanático Penydarren Park está disponível na íntegra no Youtube.

Além de colaborações periódicas, quinzenalmente o jornalista Emmanuel do Valle publica na Trivela a coluna ‘Azarões Eternos’, rememorando times fora dos holofotes que protagonizaram campanhas históricas. Para visualizar o arquivo, clique aqui. Confira o trabalho de Emmanuel do Valle também no Flamengo Alternativo e no It’s A Goal.

Foto de Emmanuel do Valle

Emmanuel do Valle

Além de colaborações periódicas, quinzenalmente o jornalista Emmanuel do Valle publica na Trivela a coluna ‘Azarões Eternos’, rememorando times fora dos holofotes que protagonizaram campanhas históricas.
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