São Cristóvão de 1943: último momento de brilho dos cadetes no futebol carioca
Um dos clubes mais tradicionais do Rio de Janeiro, o São Cristóvão viveu uma temporada histórica em 1943 que terminou em título
Campeão carioca de 1926, o São Cristóvão é o único clube do Rio de Janeiro ainda em atividade no futebol e fora das seis principais forças a poder se orgulhar de ter levantado o título oficial. Sua história, entretanto, não se limita a aquela conquista como grande feito. Os cadetes cumpriram, sobretudo na primeira metade do século, outras campanhas expressivas. A temporada de 1943 foi especial em mais de um aspecto: em campo, a equipe venceu o Torneio Municipal, além de disputar palmo a palmo, até as últimas rodadas, o título carioca, terminando em terceiro. Fora dele, concretizou-se uma fusão há muito tempo aguardada.
O(s) surgimento(s)
Para se começar a contar a história do clube, é preciso se reportar ao que era a região de São Cristóvão (e a própria cidade do Rio de Janeiro) em fins do século XIX. Chamado de Bairro Imperial por ter, no início daquele século, abrigado a família real no Paço da Quinta da Boa Vista (onde hoje fica o Museu Nacional), São Cristóvão era, antes dos inúmeros aterros feitos para a construção da Zona Portuária, banhado por praias e enseadas adequadas para a prática do remo, esporte que dominava a atenção do público e a cobertura dos jornais.
Assim, era natural que vários clubes dedicados à modalidade fossem criados naquela região. Um deles foi o Grupo de Regatas Cajuense, fundado em 12 de outubro de 1898 com o nome aludindo ao vizinho bairro do Caju, na época uma ponta que formava uma das enseadas daquela margem da Baía de Guanabara. Quatro anos depois, quando já competia e era filiado à Federação Brasileira das Sociedades de Remo, o clube das cores preta e rosa mudaria de nome para adotar o do bairro, pela grafia da época: Club de Regatas São Christovam.
O outro ponto de partida dessa história surge alguns anos depois, mais exatamente em 5 de julho de 1909. Nesta data, um grupo de jovens praticantes do “novel esporte” do futebol (que já atraía vários times de curta existência para treinos e jogos na Praça Marechal Deodoro, hoje Campo de São Cristóvão) oficializou a fundação do São Christóvão Athletico Club, inicialmente fardado com camisas brancas com golas e gravatas pretas e calções pretos, mas posteriormente adotando um uniforme inteiramente branco, com detalhes em preto.
O clube se filiou à Liga Metropolitana de Sports Athleticos em 1911 e estreou na primeira divisão do campeonato da entidade no ano seguinte. Em abril de 1916, inauguraria oficialmente sua nova sede e campo próprio na Rua Figueira de Melo, onde está até hoje. Ali perto ficava o quartel do 1º Regimento de Cavalaria Divisionário, e, pela proximidade, vários oficiais e aspirantes militares passaram a torcer e até jogar pelo clube, o que valeu ao São Cristóvão o apelido de “time dos cadetes” ou “time cadete”, ao qual ainda é associado.
A torcida do São Cristóvão, aliás, era conhecida nesse tempo por ser barulhenta e encrenqueira, transformando o campo de Figueira de Melo num alçapão temido por grandes e pequenos – ainda que o time da casa nem sempre tivesse condições técnicas de se aproveitar disso. Uma ocasião em que teve foi em 1926, quando a equipe submetida aos rígidos métodos de treinamento do técnico Luiz Vinhaes (que mais tarde dirigiria a seleção brasileira na Copa de 1934) acabou levando o título carioca ao terminar um ponto à frente do Vasco.
Do time campeão de 1926, dois jogadores (o zagueiro Zé Luís e o ponta-esquerda Teófilo) fariam parte do elenco do Brasil na Copa de 1930. Desde 1919, aliás, o clube cedia regularmente atletas à seleção, completando uma dezena de convocados até o fim dos anos 1930. Porém, quem não chegaria a ter essa honra, pelo menos em caráter oficial, seria o médio João Cantuária, jogador-símbolo do clube desde a fundação, falecido em outubro de 1918, aos 24 anos, como mais uma vítima da epidemia mundial de gripe espanhola.
O clube começaria a sofrer outro baque em 1927, um ano após ser campeão, com a transferência do Vasco para o bairro inaugurando sede e estádio próprios na Rua São Januário. Antes sediado na Santa Luzia, no Centro, o Vasco treinava na Rua Morais e Silva, na Tijuca, e mandava seus jogos em campos de rivais como os do Andarahy (Rua Barão de São Francisco), do Botafogo (General Severiano), do Flamengo (Rua Paissandu) e do Fluminense (Laranjeiras). Pelos anos seguintes, o novo vizinho abocanharia boa parte da torcida do São Cristóvão.
Um símbolo dessa “canibalização” da torcida e de figuras ligadas ao São Cristóvão e da inversão de papeis quanto à popularidade e representatividade dentro do bairro seria Octávio de Menezes Póvoa, o zagueiro Póvoa titular do time campeão carioca de 1926 e que nos anos 1950 se tornaria presidente do Vasco. Porém, ainda durante algum tempo a torcida cadete figuraria, com entre 1% e 2%, em pesquisas de preferência clubística, como as realizadas pelo Ibope na cidade do Rio em 1948, 1954 (publicada no Jornal dos Sports) e 1959.
A era profissional
Ao longo da década de 1930, o São Cristóvão conviveria com resultados expressivos em campo e derrotas nos bastidores. Em 1933, quando da introdução do profissionalismo no futebol carioca, o voto contrário do Fluminense à sua entrada na recém-criada Liga Carioca de Football forçou o São Cristóvão a disputar o campeonato da chamada subliga, destinado aos candidatos a filiados na nova entidade profissional. O time venceu esse torneio e, no ano seguinte, ingressou na LCF e sagrou-se vice-campeão, atrás apenas do Vasco.
A cisão entre ligas no futebol carioca surgida no âmbito da profissionalização persistiria até 1937, ano em que a chamada “pacificação” recolocou todos os principais clubes da cidade de novo sob a mesma entidade, a Liga de Football do Rio de Janeiro (LFRJ), fundada em julho daquele ano da união da LCF com a Federação Metropolitana de Desportos (FMD, nova nomenclatura da antiga Amea, Associação Metropolitana de Esportes Atléticos). Esse ato, no entanto, relegou às sombras da história uma glória esquecida do São Cristóvão.
Naquele ano, a FMD já havia iniciado seu campeonato antes da pacificação das ligas, contando com oito clubes, entre eles Vasco, Bangu e São Cristóvão, que haviam deixado a LCF em 1935. O certame foi precedido por um Torneio Início, disputado em São Januário e vencido pelos cadetes. A excelente forma seguiria pela competição principal: no primeiro turno, o São Cristóvão venceu todos os seus sete jogos, batendo Vasco (3 a 1), Andaraí (7 a 2), Carioca (6 a 2), Madureira (2 a 1), Olaria (4 a 3), Bangu (3 a 1) e Botafogo (3 a 0).
A conquista matemática do título daquela etapa, que valia vaga na final do campeonato contra o vencedor do segundo turno, foi confirmada mesmo com algumas partidas de outros clubes ainda a serem disputadas. Mas o acordo entre as ligas provocou a interrupção imediata do torneio, sem que este fosse concluído. Apenas no dia 3 de setembro de 1937 o extinto Conselho Geral da FMD acabou por proclamar oficialmente o São Cristóvão como o seu campeão da temporada, mas a conquista seria esquecida com o passar do tempo.
Aquele time sancristovense, aliás, tinha ótimos valores: o médio Afonsinho (um dos mais temidos marcadores do futebol carioca) e o ponta-direita Roberto defenderiam o Brasil na Copa do Mundo da França, no ano seguinte. O ponta-esquerda Carreiro também atuaria pela seleção como atleta do clube, antes de sair para o Fluminense, onde faria história. O zagueiro Osvaldo “Gerico” jogaria no Flamengo e no Vasco. O centroavante Caxambu também atuaria pelos rubro-negros e passaria pelo futebol argentino antes de retornar ao São Cristóvão.
Quem também jogava naquela equipe era o argentino Abel Picabéa, médio que em seu país tivera passagens por San Lorenzo e Rosario Central, antes de aportar no Rio naquele ano para defender o São Cristóvão. Permaneceria em Figueira de Melo até pendurar as chuteiras no fim da década e, em janeiro de 1940, seria apontado para o cargo de preparador físico da equipe. E após passar pelo Canto do Rio exercendo a mesma função a partir de abril do ano seguinte, voltaria ao clube cadete como técnico no início da temporada de 1942.
Ainda com praticamente o mesmo time de 1937, o São Cristóvão havia terminado em terceiro no campeonato de 1939, atrás apenas de Flamengo e Botafogo. A partir de 1940, todavia, a equipe rapidamente seria desmanchada, fazendo os cadetes amargarem o penúltimo lugar nos certames daquele ano e de 1941. Neste último, teriam ainda a defesa mais vazada dos dois primeiros turnos (72 gols em 18 jogos), após derrotas humilhantes como os 9 a 0 para o Fluminense em Laranjeiras e os 8 a 1 para o Botafogo em General Severiano.
Ficava evidente que a principal tarefa de Abel Picabéa ao voltar ao clube como técnico seria a de promover uma ampla reformulação no elenco. Durante o primeiro semestre de 1942, nada menos que sete novos titulares foram contratados e outros dois promovidos dos juvenis para reforçarem o plantel principal. A nova equipe foi moldada ao longo do Carioca com resultados notáveis, como as goleadas de 6 a 1 no Fluminense (então líder invicto), 7 a 0 sobre o America e 4 a 0 diante do Vasco. Os cadetes terminariam num bom quarto lugar.
Enfim, a aguardada fusão
O ano de 1943 seria histórico para o clube desde seu início. Foi quando enfim as duas pontas de sua história se uniram: em 13 de fevereiro, uma reunião entre os conselheiros do Clube de Regatas São Cristóvão e do São Cristóvão Atlético Clube aprovou a fusão das duas agremiações, originando o São Cristóvão de Futebol e Regatas. As duas associações eram presididas por irmãos: Rodolpho Maggioli no futebol e Henrique Maggioli nas regatas. E seria Rodolpho, o idealizador da proposta, o primeiro mandatário do novo clube após a integração.
Quando a fusão aconteceu, o time de futebol excursionava por Minas Gerais. E seu primeiro jogo sob a nova denominação aconteceria logo no dia seguinte à assembleia: a vitória de 5 a 3 sobre o Cruzeiro – que também trocara de nome no ano anterior, deixando de se chamar Palestra Itália – marcou a estreia com o pé direito, em partida realizada no antigo estádio do Barro Preto, em Belo Horizonte. Na volta ao Rio, o novo São Cristóvão teria pela frente sua primeira competição oficial: o Torneio Municipal, um aperitivo para o Carioca.
Naquela virada da década, o Campeonato Carioca era comumente disputado em três turnos. As equipes enfrentavam os adversários uma vez em casa, uma vez fora de casa e uma vez em campo neutro. Esse “turno neutro”, que em geral era o primeiro, acabou destacado do certame principal pela Federação Metropolitana de Futebol (que regia o esporte no Rio, então Distrito Federal) a partir daquele ano e transformado numa competição à parte, o Torneio Municipal (que já havia sido disputado em 1938, mas com outro formato).
Essa competição, que valia o Troféu Prefeitura do Distrito Federal, contava naturalmente com as mesmas nove equipes que participavam do Carioca. Mas o fato de todos os jogos serem realizados em campo neutro contribuía para deixar a disputa mais aberta e imprevisível, o que ficaria nítido naquela edição. Os cinco grandes – America, Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco – largavam como favoritos. Mas Madureira e São Cristóvão tinham equipes fortes. O Canto do Rio prometia surpreender. E Bangu e Bonsucesso eram mais modestos.
O time-base da temporada histórica
Para aquela disputa e para o Carioca que viria logo em seguida, o São Cristóvão de Abel Picabéa tinha uma equipe titular bem definida. A única posição ainda a ser disputada era justamente a de goleiro. De saída, o dono do posto era o veterano Joel, que defendera clubes do subúrbio do Rio no começo da carreira, antes de passar por Vasco e Corinthians (titular na conquista do Paulistão de 1939). Chegou ao clube cadete em junho de 1942 para disputar a vaga com Oncinha, que seria negociado com os cruzmaltinos no início de 1943.
No fim de março, porém, Joel ganharia um novo concorrente: o uruguaio Julio Véliz, revelado pelo Nacional de Montevidéu e que teve o futebol gaúcho como porta de entrada no Brasil, contratado pelo Grêmio e rapidamente cedido ao Bagé antes de se destacar no tricolor. Observado por Abel Picabéa, chegou ao Rio para acertar com o São Cristóvão, mas num primeiro instante acabou indo parar no Canto do Rio, pelo qual só jogou amistosos. Dois meses depois, finalmente aportou em Figueira de Melo, estreando durante o Torneio Municipal.
No fim das contas, Joel atuaria com mais frequência – numa proporção de dois jogos para um de Véliz – embora não estivesse na melhor forma e volta e meia levasse seus frangos. O uruguaio, por sua vez, foi tido pela crônica da época como um goleiro louco, que gostava de jogar adiantado e sair com a bola dominada até a intermediária. Tanto um quanto outro atuaria atrás de um setor defensivo que vivia um momento de transição tática no futebol brasileiro, do antigo 2-3-5 para o sistema WM e sua adaptação brasileira, a diagonal.
A dupla de zaga era formada por dois jogadores profissionalizados no clube, Mundinho e Augusto. Suas origens, no entanto, eram bem diferentes. O baiano Mundinho, que jogava cobrindo o lado direito, era um dos nomes mais veteranos do elenco e chegara ao São Cristóvão em 1938 depois de ter passado por vários clubes amadores do Rio. Já o carioca Augusto, beque vigoroso que mais tarde seria vendido ao Vasco e capitanearia o Brasil na Copa de 1950, fizera toda a sua base em Figueira de Melo, subindo ao time de cima em 1942.
Os três nomes da linha média foram trazidos de clubes do Nordeste, embora nenhum deles fosse nordestino. Dois eram argentinos vindos do Bahia, mas com meses de diferença: Dante Bianchi, ex-Newell’s Old Boys e Racing, chegou depois e era mais defensivo. Já o rosarino Héctor Papetti, que defendera o Platense antes de migrar ao Brasil, atuava mais avançado, iniciando a armação de jogadas. A eles se unia o médio-esquerdo Castanheira, também mais marcador, revelado no Hespanha (atual Jabaquara) e contratado do Sport.
O quinteto ofensivo tinha seus dois meias armadores (ou atacantes interiores) vindos do Vasco. O meia-direita, Alfredo Bernardino, era um dos nomes mais experientes do elenco. Despontara no torneio da Liga Atlética Suburbana no começo da década anterior, transferindo-se logo depois ao futebol mineiro, onde conquistou o título estadual com o Villa Nova e o Torneio dos Campeões da FBF com o Atlético Mineiro em 1937. Voltou ao Rio para atuar pelos cruzmaltinos e de lá seguiu para Figueira de Melo como um dos vários reforços de 1942.
Menos rodado, o meia-esquerda Nestor estava, entretanto, há mais tempo no São Cristóvão, para onde se transferiu vindo de São Januário ainda como amador em 1938 – era, aliás, juntamente com Mundinho, o único titular que já integrava o elenco do clube cadete desde o fim da década anterior. Meia impetuoso, ofensivo e com ótima presença de área, seria o artilheiro da campanha vitoriosa no Torneio Municipal com oito gols, além de, assim como Alfredo, municiar com muita eficiência o trio de frente, em especial os centroavantes.
Os ponteiros eram os titulares mais jovens: pela direita jogava Walter Goulart da Silveira, o Santo Cristo (nome de um bairro vizinho a São Cristóvão), 20 anos no início da temporada, trazido do Bonsucesso em março de 1942 depois de também defender outros clubes amadores suburbanos. Já pelo lado esquerdo, havia o ainda mais novato Magalhães, que passara pelo Ríver, do bairro de Piedade (Zona Norte da cidade), mas chegara ao São Cristóvão ainda amador e só completaria 20 anos em meados daquela temporada de 1943.
No miolo do ataque, a equipe iniciou a temporada com Caxambu, atacante não muito habilidoso e meio desajeitado, mas com impressionante faro de gol. Revelado pelo Rio Branco-ES, tinha tido outra passagem pelo clube cadete entre março de 1937 e março de 1939, quando seguiu para o Flamengo. Na Gávea, mesmo na reserva de Leônidas, obteve a impressionante marca de 35 gols em 36 jogos, em pouco mais de duas temporadas. Vendido ao Gimnasia y Esgrima de La Plata em 1941, foi repatriado pelos cadetes em junho de 1942.
Caxambu, entretanto, deixaria o São Cristóvão mais uma vez no início de maio, em plena disputa do Torneio Municipal, ao ser negociado com o Palmeiras. Seu posto passaria a ser ocupado pelo jovem João Pinto, trazido do Bangu em junho de 1941. O novo comandante do ataque havia chegado desacreditado, dispensado dos alvirrubros por “falta de eficiência técnica” depois de apenas nove jogos. Mas em Figueira de Melo, a partir do momento em que se tornou titular, não demorou a mostrar suas qualidades de artilheiro implacável.
A campanha vitoriosa no Municipal
O Torneio Municipal foi aberto no dia 11 de abril, e na primeira rodada o São Cristóvão não teve problemas para derrotar o Bonsucesso por 2 a 0 no estádio do America, na rua Campos Sales, com um gol em cada tempo: Alfredo no primeiro e Caxambu no segundo. A vitória já colocava o time de Abel Picabéa entre os líderes, num domingo que também registrou um 0 a 0 no clássico entre Vasco e Fluminense em General Severiano e a surpreendente derrota do Botafogo para o Canto do Rio por 4 a 3 em partida disputada na Gávea.
Para os que achavam que a boa estreia havia sido fogo de palha, o São Cristóvão voltou a mostrar que brigava a sério por coisas grandes na temporada no jogo seguinte, diante de um Vasco que já apresentava o jovem Ademir Menezes, recém-chegado do Sport, além do trio histórico trazido do Madureira formado por Lelé, Isaías e Jair Rosa Pinto. Com gols vindos de sua ala esquerda (Nestor e Magalhães), os cadetes venceram por 2 a 0 o confronto disputado em Conselheiro Galvão no dia 18 de abril e se mantiveram na liderança do torneio.
Uma semana depois, o time enfrentava o Bangu no campo do Bonsucesso, em Teixeira de Castro, e vencia bem por 4 a 2 – gols de Alfredo (dois), Caxambu e Nestor – até que o jogo foi interrompido por motivo inusitado: falta de bolas. O funcionário do Bonsucesso tinha levado para Madureira (onde o clube rubro-anil enfrentava o Vasco) as chaves do armário onde era guardado o material de jogo. O restante da partida foi concluído quatro dias depois, no mesmo local: o Bangu diminuiu, mas os cadetes mesmo assim venceram por 4 a 3.
O triunfo garantiu ao São Cristóvão a liderança isolada do Torneio Municipal, um ponto à frente de America, Flamengo e Fluminense. E a posição seria mantida na rodada seguinte, em 2 de maio, quando a equipe obteve sua quarta vitória em quatro jogos na competição ao superar sem grande dificuldade o Madureira por 4 a 0 novamente em Campos Sales. Caxambu abriu o placar com um golaço acrobático de bicicleta aos 16 minutos do primeiro tempo e, na etapa final, Santo Cristo, outra vez Caxambu e Alfredo completaram a goleada.
O zagueiro Augusto, que se recuperara de uma cirurgia, estaria de volta ao time e faria sua estreia no torneio na partida seguinte, diante do Botafogo em Laranjeiras. O clube de General Severiano ainda não havia vencido uma partida sequer e somava apenas dois pontos em quatro jogos. Mas estava disposto a se reabilitar e logo abriu dois gols de vantagem. Sem se abalar, o São Cristóvão buscou o empate. Mas um frango do goleiro Joel recolocou o Botafogo na frente e fez os cadetes desmoronarem e sofrerem uma goleada de 5 a 2.
Aquela seria a derradeira partida de Caxambu na campanha, também decretando o fim de sua segunda passagem pelo clube (outras viriam mais tarde). Quatro dias depois, em 13 de maio, era acertada sua venda ao Palmeiras por Cr$ 20 mil. O resultado desastroso contra o Botafogo tirou os cadetes da liderança, sendo ultrapassados por America e Fluminense, agora um ponto à frente. Os dois líderes, no entanto, se enfrentariam na rodada seguinte, enquanto o São Cristóvão teria de tentar sua reabilitação jogando contra o Flamengo.
Os rubro-negros, ao contrário do Botafogo, haviam começado bem o torneio, mas já entravam em declínio. E o São Cristóvão resolveu o jogo disputado em General Severiano com três gols no início da etapa final. Em menos de 15 minutos, João Pinto (o novo titular do ataque) abriu o placar e Nestor marcou duas vezes. Mais tarde, João Pinto anotou o quarto antes de Pirillo, de pênalti, diminuir para o Fla, fechando a contagem em 4 a 1. A goleada, aliada ao empate em 3 a 3 entre tricolores e americanos, recolocou os cadetes na ponta.
Perto do título
Nas duas partidas seguintes, o São Cristóvão teria dois aguardados confrontos diretos justamente contra os clubes com os quais estava empatado em pontos na liderança. O primeiro deles, diante do America em São Januário no dia 23 de maio, marcou a protelada estreia do goleiro Véliz, enfim liberado para atuar pela Federação Metropolitana. Mas o grande destaque naquela vitória por 1 a 0, gol de João Pinto, foi outro estrangeiro: o médio argentino Papetti, “perfeito na marcação e na distribuição” na avaliação da revista O Globo Sportivo.
Naquela rodada, o Fluminense deixou escapar um ponto ao empatar em 0 a 0 com o Canto do Rio – outra sensação daquele torneio – em General Severiano. Assim o São Cristóvão se isolava na liderança e poderia até, incrivelmente, conquistar o título com uma rodada de antecipação caso derrotasse os tricolores na Gávea dali a uma semana. Joel estava de volta ao gol, e o time de Abel Picabéa teria sua escalação básica completa. Pelo lado tricolor, dois ex-jogadores do São Cristóvão estavam entre os principais nomes: Afonsinho e Carreiro.
O primeiro tempo foi bastante movimentado: o São Cristóvão saiu na frente com um belo gol de Nestor, e o Flu empatou com Pedro Nunes. Aos 35 minutos, Alfredo recolocou os cadetes em vantagem, mas o Flu tornou a empatar num chute de Maracaí que desviou em Papetti e enganou Joel. A partida foi para o intervalo empatada em 2 a 2, mas logo no início da etapa final, o beque tricolor Norival acertou uma rasteira em Magalhães e acabou expulso pelo árbitro José Pereira Peixoto, que a partir daí começou a se perder no jogo.
Invertendo faltas e errando na marcação de impedimentos, Peixoto irritava as duas torcidas. Mas o São Cristóvão jogava com inteligência, atraía a linha média tricolor e abria espaço para o ponta Magalhães jogar. E adotava a chamada “marcação cerrada”, como escreveu Mario Filho no Jornal dos Sports: “A tática do São Cristóvão contra o Fluminense foi a mesma que os alvos usaram contra o America. O adversário em nenhuma hipótese podia pensar. A ordem era de segurar, de paralisar o jogo, de permitir que a defesa se colocasse para o ataque”.
Até que, nos minutos finais, vieram os gols que valeram o título: Nestor, após um escanteio, fez o terceiro aos 37 minutos, e João Pinto, aos 41, deu números finais ao placar, selando a vitória por 4 a 2 do São Cristóvão e assegurando o título antecipado a aquele que era, de longe, o time mais regular da competição. Mas ainda faltava o jogo contra o Canto do Rio, marcado inicialmente para o campo do Bonsucesso, em Teixeira de Castro, mas que, com o campeonato já resolvido, acabou transferido para o estádio do adversário, o Caio Martins.
Tornada um amistoso de luxo, a partida transcorreu bastante solta, franca, e terminou com nada menos que uma dúzia de bolas na rede. De saída, o São Cristóvão abriu 3 a 1, mas no intervalo o placar já estava em 3 a 3. No início da etapa final, Mical fez 4 a 3 para o Canto do Rio. Santo Cristo e Alfredo recolocaram os cadetes na frente. Fantoni empatou de novo para os niteroienses, mas Santo Cristo sofreu pênalti e converteu: 6 a 5. No fim, Danilo Alvim marcou numa cabeçada após escanteio, fechando a contagem em incríveis 6 a 6!
O time cadete terminava a competição com 15 pontos ganhos (sete vitórias, um empate e só uma derrota em nove jogos), dois a mais que o vice Fluminense. Botafogo, America e o próprio Canto do Rio vinham logo atrás, com 12 pontos, seguidos pelo Flamengo com dez. O Vasco, decepção do torneio, aparecia bem mais atrás, com os mesmos seis pontos do Bonsucesso. Em penúltimo ficava o Madureira, com quatro pontos, à frente apenas do Bangu, que perdeu todas as partidas. E o Campeonato Carioca começaria já dali a uma semana.
O Campeonato Carioca
Neste intervalo, porém, o São Cristóvão continuou afiando a pontaria: no meio da semana, foi a São Paulo e arrasou a Portuguesa por 7 a 2 num amistoso em pleno Pacaembu. E o embalo seguiu pelas primeiras rodadas do Campeonato Carioca: na estreia, uma tranquila goleada de 4 a 1 sobre o Bonsucesso em Figueira de Melo com dois gols de Nestor, um de João Pinto e outro de Santo Cristo. Na segunda rodada, a partida contra o Vasco em São Januário, marcada originalmente para o dia 20 de junho, foi adiada ao sábado seguinte, 26.
O motivo era a preparação para outro amistoso no Pacaembu, em São Paulo, desta vez contra o Palmeiras, na terça-feira, 22, no qual o São Cristóvão foi derrotado por 1 a 0 em jogo bastante parelho. Contra o Vasco, no entanto, a equipe cadete somaria sua segunda vitória no certame: depois de sair com dois gols atrás no placar, empatou com tentos de João Pinto ainda na primeira etapa e virou na segunda com Alfredo e Santo Cristo, antes de os cruzmaltinos descontarem para 4 a 3 com o médio uruguaio Figliola nos minutos finais.
O adiamento do jogo com o Vasco também impactou o confronto da terceira rodada, contra o Bangu, marcado de início para o dia 27, mas transferido para a quarta-feira, 30. O que não mudou foi o apetite dos jogadores alvos para o gol: com quatro de João Pinto, um de Santo Cristo e outro de Nestor, a equipe de Abel Picabéa aplicou um 6 a 2 nos alvirrubros. No fim de semana, outra goleada – 4 a 1 no Madureira, com dois de Magalhães e dois de Santo Cristo – conservou o time no topo da tabela após quatro rodadas disputadas.
Chegava então o confronto com o Botafogo em General Severiano, com o São Cristóvão um tanto mordido pela única derrota sofrida em sua campanha no Torneio Municipal. Coincidentemente, o time de Heleno de Freitas outra vez vinha de sequência ruim e ocupava as últimas colocações, à frente apenas do Bonsucesso. Mas agora não se restabeleceria às custas dos cadetes: Alfredo abriu o placar para o São Cristóvão, que chegou a levar a virada, mas no fim venceu por 3 a 2, com João Pinto e Nestor marcando os outros dois gols.
Naquela rodada, a vitória teve ainda outro sabor especial: com a derrota do Fluminense (que até então dividia a liderança com o São Cristóvão) no Fla-Flu em Laranjeiras, o time cadete se tornava o líder isolado da competição e o único com cinco vitórias em cinco jogos, sendo duas sobre os chamados grandes fora de casa. Pela frente, porém, havia um embalado Flamengo, atual campeão e de olho em alcançar o São Cristóvão na liderança com uma vitória no confronto entre as duas equipes na Gávea na rodada seguinte, em 18 de julho.
E pela primeira vez naquele campeonato, o time de Abel Picabéa seria amplamente superado. O Flamengo, liderado em campo pelo dinamismo de Zizinho e a segurança de Domingos da Guia, não deu chance aos cadetes, que pela única vez naquele certame sequer conseguiram balançar as redes. Pirillo colocou os donos da casa em vantagem no primeiro tempo. Depois do intervalo, Perácio marcou duas vezes e Tião encerrou a goleada categórica rubro-negra por 4 a 0. E agora o São Cristóvão tinha a companhia de Fla e America na ponta.
E o duelo seguinte seria justamente contra os Diabos Rubros, dirigidos por Gentil Cardoso. O jogo, porém, foi precedido por uma disputa sobre o local onde seria realizado. Em obras, o estádio de Figueira de Melo tinha capacidade inferior aos 8 mil lugares mínimos exigidos pelo regulamento para clubes de primeira categoria (contava com apenas 7.300 lugares disponíveis, sendo 4 mil em arquibancadas, 3 mil nas gerais e 300 cadeiras). O presidente Rodolpho Magiolli, no entanto, batia o pé e fazia questão de mandar o jogo em sua casa.
O America, por seu turno, apenas aguardava que a Federação interviesse no caso. E o Jornal dos Sports escrevia em editorial na edição de 23 de julho: “Ninguém nega, naturalmente, ao São Cristóvão, o direito de mudar ou não mudar o local de seus jogos. Entretanto, entre o direito e o bom senso, os dirigentes do clube alvo deveriam ficar com o último, desde que, naturalmente, a questão seja encaminhada para o terreno do acordo e nunca como uma imposição que, de certo, o São Cristóvão teria razões de sobra para não tolerar”.
Os dias de liderança
A partida acabou acontecendo mesmo em Figueira de Melo. Foi um jogo insano, disputado sob ambiente carregado. Com Joel de volta à meta após a jornada infeliz de Véliz contra o Flamengo, o São Cristóvão saiu atrás com gol de Esquerdinha, mas empatou com João Pinto. O America logo voltou à frente no placar com golaço maravilhoso de bicicleta de Maneco. Mas no último minuto do primeiro tempo, os cadetes foram de novo buscar o empate com Nestor. Um gol que trouxe de volta o ânimo ao time da casa para a etapa final.
“Para o America, o goal de Nestor, assim, em cima da hora, representava um duro golpe. Por isso o America saiu de campo de cabeça baixa e voltou de cabeça baixa, enquanto o São Cristóvão empinava o queixo”, escreveu Mario Filho na crônica do jogo para o Jornal dos Sports. No segundo tempo, a virada chegaria com o João Pinto e a goleada com Magalhães e Santo Cristo. O America descontaria para o 5 a 3 final com Jorginho. Não sem antes de o goleiro alvo Joel entrar no clima insano e imitar Véliz ao sair jogando com os pés.
Joel pegou a bola e, em vez de fazer a reposição com as mãos, saiu driblando de sua área, indo até a intermediária, quando foi desarmado. Rapidamente, o America tentou o gol por cobertura, mas Santo Cristo é que teve que correr para a defesa para impedir, com uma cabeçada quase em cima da linha, o quarto tento americano, que naquele momento poderia ter alimentado ainda mais a reação dos rubros. No fim, a histeria vista em campo também deu as caras do lado de fora, como atestou Mario Filho no fim de sua crônica.
“Quando a gente saiu, viu grades derrubadas, tudo fora do lugar. ‘Se o campo do São Cristóvão resistiu a um jogo contra o America, não resistirá a um jogo contra o Vasco e outro contra o Flamengo', foi o que pensei”, escreveu o jornalista. Seria profético. Na rodada seguinte, já em 1º de agosto, o São Cristóvão sofreria seu segundo revés: 3 a 1 para o Fluminense em Laranjeiras num jogo em que Santo Cristo chegou a perder um pênalti quando o placar era de 1 a 0 para os tricolores. E a equipe deixava a liderança do torneio.
Uma semana depois, porém, a reabilitação viria com uma boa vitória de 5 a 2 sobre o Canto do Rio graças a uma tripleta de Alfredo, completada por dois gols de João Pinto no fim. Com isso, o primeiro turno do Carioca terminava revelando um incrível equilíbrio: nada menos do que quatro equipes dividiam a liderança: America, Flamengo, Fluminense e São Cristóvão, todos somando 14 pontos em 18 possíveis. O Vasco vinha mais atrás, com 11, mas não estava de todo fora do páreo, como se veria. E o returno traria surpresas, como sempre.
De saída, três dos quatro líderes tropeçariam, e o São Cristóvão retomaria a ponta isolada ao bater o Bonsucesso em Teixeira de Castro por 3 a 0. E se manteria nessa condição após o jogo seguinte, uma épica vitória diante do Vasco em Figueira de Melo. O time saiu na frente com João Pinto aos 11 minutos. Aos 17, Lelé empatou, de pênalti. Dois minutos depois, Alfredo perdeu a chance de recolocar o time da casa na frente ao bater para fora outra penalidade. O castigo veio aos 24: o Vasco virou com Chico, indo para o intervalo em vantagem.
No segundo tempo, logo aos dois minutos, Santo Cristo deixou tudo igual em novo pênalti. Aos quatro, mais uma penalidade – a quarta da partida: Lelé cobrou e fez o terceiro do Vasco. O São Cristóvão tornou a empatar aos oito, com João Pinto. Mas quando Bianchi marcou contra aos dez minutos, era demais: parecia que a vitória pertencia mesmo aos cruzmaltinos por mais que os cadetes se esforçassem. Só parecia: João Pinto aos 23, Nestor aos 37 e João Pinto, de novo, aos 43, levaram os alvos a uma virada sensacional: 6 a 4!
Com 11 rodadas das 18 do campeonato disputadas, o São Cristóvão ocupava mais uma vez o topo da tabela de maneira isolada. Era um momento em que os torcedores do clube alvo certamente gostariam de congelar no tempo. Até porque nas duas rodadas seguintes, o time faria duas visitas ao subúrbio enfrentando o Bangu na Rua Ferrer e o Madureira em Conselheiro Galvão, e voltaria não só afastado da liderança como com suas chances de título bem comprometidas, depois das derrotas surpreendentes diante do que se vira até ali.
A tragédia contra o Flamengo
Em Bangu, o time do São Cristóvão ficou exposto à mesma atmosfera de alçapão que costumava impor aos seus visitantes em Figueira de Melo. Com fogos de artifício saudando a entrada do time banguense em campo e os gols dos alvirrubros, a desnorteada equipe cadete não conseguiu se colocar nenhuma vez à frente do placar e perdeu por 5 a 3. Já em Conselheiro Galvão, as baixas de Augusto e Alfredo desorganizaram o time na defesa e no ataque, e a derrota por 3 a 1 foi justa para um time confuso, apático e sem reação.
Nessa hora, já se perguntava Everardo Lopes em sua crônica para o Jornal dos Sports: “Será que acabou o São Cristóvão como candidato real?”. Ainda não era a hora, entretanto: a equipe de Abel Picabéa receberia o Botafogo na rodada seguinte e tratou de se explicar. Alfredo abriu a contagem, João Pinto anotou uma tripleta e os cadetes golearam por 4 a 1, ficando com os mesmos 20 pontos do vice-líder Fluminense e um atrás do ponteiro Flamengo, seu próximo adversário outra vez em Figueira de Melo, num jogo que teria triste lembrança.
O São Cristóvão recebeu o Flamengo com torcedores até no mastro dos refletores. Não havia um só lugar vazio no estádio: era gente nas arquibancadas, gerais, cadeiras na pista, em pé agarrada ao alambrado. Se contra o America a lotação de 7.300 lugares estava esgotada, naquele dia falava-se em cerca de 10 mil espectadores presentes. E aos 18 minutos de jogo, com o Fla vencendo por 1 a 0, gol de Vevé, a tragédia há muito anunciada acabou acontecendo: parte das arquibancadas de madeira desabou, ferindo centenas de torcedores.
“Foi como se a terra se abrisse”, escreveu Mario Filho no Jornal dos Sports. Torcedores caíram uns sobre os outros, como num efeito dominó até as grades, que despencaram sobre os policiais. O campo foi invadido pelo público que fugia e buscava socorro. A partida foi interrompida e o campo de Figueira de Melo interditado. Segundo os registros policiais, 224 pessoas foram internadas em hospitais das proximidades. A Federação Metropolitana decidiu ainda proibir arquibancadas de madeira nos campos do Campeonato Carioca.
A partida foi marcada para reiniciar de onde havia parado três dias depois, mas em São Januário. E, numa medida que causou surpresa, com ingressos pagos. A renda seria revertida às vítimas do acidente e a instituições de caridade. O São Cristóvão ainda chegaria ao empate com gol de João Pinto, mas perderia a oportunidade de vencer num pênalti que Santo Cristo cobrou com força, mas o goleiro rubro-negro Jurandyr espalmou para escanteio. O placar de 1 a 1 mantinha o Fla na liderança, com os mesmos 22 pontos do Fluminense.
Ao longo daquele turno, o America também foi aos poucos saindo da briga. E quem tomou seu lugar na disputa com uma grande arrancada foi o Vasco, que, depois de derrotado pelos cadetes por 6 a 4 em Figueira de Melo, enfileirou cinco vitórias e encostou nos ponteiros. Mas os rubros ainda teriam seu último momento de brilho justamente contra o São Cristóvão: com dois gols de César, dois de Jorginho e um de Maneco, a equipe tijucana goleou por 5 a 1 em São Januário e afastou de vez do título os comandados de Abel Picabéa.
Na penúltima rodada, os quatro primeiros colocados se enfrentariam: o Flamengo jogaria com o Vasco em General Severiano e o Fluminense pegaria o São Cristóvão em São Januário. E os rubro-negros se aproximariam do bicampeonato graças à goleada histórica de 6 a 2 nos cruzmaltinos, mas também à ajuda providencial dos cadetes, que se vingaram da derrota no turno e derrotaram os tricolores por 3 a 1. Carreiro abriu o placar para o Flu, mas Alfredo e João Pinto viraram ainda no primeiro tempo e Magalhães fechou a contagem.
Fora da briga pelo título, o São Cristóvão encerrou sua campanha histórica com muita dignidade: depois de vencer o Fluminense, goleou o Canto do Rio em Niterói por 5 a 2. João Pinto, autor de dois gols (os outros foram feitos por Santo Cristo, dois, e Nestor), sagrou-se o artilheiro do certame com expressivos 26 tentos – era a primeira vez em 15 anos que os cadetes contavam com o goleador do campeonato e seria a última desde então. Na classificação, o time ficou em terceiro a três pontos do campeão Flamengo e um do Fluminense.
Depois da grande campanha
A campanha foi bastante consistente: em 18 jogos, foram 12 vitórias, além de um empate e cinco derrotas. O ataque foi um dos melhores do campeonato, com 59 gols marcados (média superior a três por partida), embora a defesa tenha levado também um número alto: 43. Não demoraria muito, entretanto, para que aquele time fosse desmontado. Ao início da temporada 1945, sete titulares, mais o goleiro reserva Véliz já haviam deixado o clube. Augusto ganharia maior projeção, saindo em 1945 para o Vasco e logo chegando à seleção.
Junto com Augusto, outros dois jogadores tomariam o rumo de São Januário naquele ano: Santo Cristo e João Pinto. O primeiro mais tarde rodaria por diversos clubes, entre eles Botafogo, São Paulo, Fluminense e Atlético-MG, tendo ainda mais duas passagens pelo São Cristóvão. Na última delas, penduraria as chuteiras em 1962, aos 40 anos. João Pinto, por sua vez, também defenderia o Palmeiras. Outro que saiu para um grande carioca foi Papetti, vendido ao Botafogo já em 1944. O outro argentino, Bianchi, voltou ao Bahia em 1945.
O goleiro Joel também foi dos primeiros a sair, negociado com o Santos em 1944. Já o uruguaio Véliz trocaria o São Cristóvão pelo Madureira em 1945, juntamente com o médio Castanheira e o técnico Abel Picabéa. Mas não ficaria muito tempo em Conselheiro Galvão: logo se transferiria ao Remo, onde alcançaria o status de maior goleiro da história azulina. Mundinho (que sairia para o America em 1949), Nestor e Magalhães (que virariam a década em Figueira de Melo) seriam os últimos remanescentes da velha grande equipe.
A exemplo de Véliz, o técnico Abel Picabéa também não permaneceria muito tempo no Madureira após deixar o São Cristóvão. Logo estaria no Santos, um dos clubes grandes que dirigiu na carreira, ficando pela Vila Belmiro entre 1946 e 1947. Também comandaria, entre outros, o Palmeiras e o Vasco, seu último trabalho entre 1960 e 1961. Faria ainda carreira internacional pela Península Ibérica, treinando os Sportings de Lisboa e de Gijón, além do Oviedo (o qual conduziu à primeira divisão espanhola) na metade final da década de 1950.
Depois daquela temporada memorável, o São Cristóvão voltaria a minguar aos poucos, entrando de vez para o grupo dos pequenos e coadjuvantes do futebol do Rio de Janeiro. Um dado muito significativo deste declínio veio de seu retrospecto geral no campeonato, que passou a ter mais derrotas que vitórias a partir de meados daquela década de 1940. Mais tarde, em 1956, já após a inauguração do Maracanã, o clube sofreria a maior goleada da história do novo estádio ao perder para o Flamengo por 12 a 2 pelo Campeonato Carioca.
Com a fusão dos estados da Guanabara (que surgira no lugar do antigo Distrito Federal) e do Rio de Janeiro, e a presença crescente das equipes do interior no campeonato, o tradicional clube cadete perdeu até mesmo o espaço na primeira divisão, a qual disputou somente quatro vezes desde 1980 – a última delas em 1995. Em 2023, porém, o São Cristóvão tem dado sinais de sair do ostracismo: em junho, reinaugurou o estádio de Figueira de Melo após ampla reforma. E neste fim de semana conquistou o acesso à quarta divisão estadual.