A Eslovênia da Euro 2000: a súbita arrancada da pequena ex-república iugoslava
Separada da Iugoslávia, a Eslovênia rapidamente conseguiu destaque e chegou, de forma totalmente inesperada, à Euro 2000 com uma geração que ficou marcada no país
Ao ser catapultada dos últimos escalões do futebol europeu para a conquista de classificações a grandes torneios, a pequena e montanhosa Eslovênia fez certo barulho no continente na virada do século. Treinada por Srecko Katanec, um dos nomes mais conhecidos da ex-república iugoslava, e liderada em campo pelo talentoso e intempestivo Zlatko Zahovic, a equipe foi a sensação das Eliminatórias da Eurocopa de 2000 ao tirar a favorita Ucrânia nos playoffs e cumpriu bom papel no torneio, fazendo frente a equipes mais fortes, embora saísse sem vitórias. E ainda pavimentaria seu caminho rumo à estreia em Copas do Mundo, em 2002.
Uma discreta coadjuvante regional
Com a 12ª menor área entre as 55 nações filiadas à Uefa, a Eslovênia foi durante séculos um território pertencente a impérios – o último deles, o Austro-Húngaro – até vir a integrar a união que formou a Iugoslávia depois da Primeira Guerra Mundial. Após ser ocupada, anexada e dividida entre Alemanha, Itália e Hungria na Segunda Guerra, seria reintegrada à Iugoslávia ao fim do conflito, até declarar sua independência em junho de 1991. Em janeiro do ano seguinte, seria reconhecida pela União Europeia e, em maio, admitida na ONU.
Tornado popular durante o período entreguerras, o futebol disputa a atenção do público esloveno com modalidades como o basquete, o hóquei no gelo e o esqui alpino – simbolicamente, a cidade de Maribor, segunda maior da Eslovênia, abriga ao mesmo tempo um dos times mais importantes do futebol local e o maior resort de esqui do país. A federação nacional de futebol foi fundada como uma subassociação da capital Ljubljana em 1920, mas só se filiou à Uefa e à Fifa após a independência, em junho e julho de 1992, respectivamente.
Apesar de eclipsada historicamente dentro do cenário iugoslavo não apenas por sérvios e croatas, como também por bósnios e até montenegrinos, a Eslovênia também teve, embora de maneira mais esporádica, seus nomes destacados no período. Na estreia da Iugoslávia em competições internacionais, nos Jogos Olímpicos de Antuérpia em 1920, o time contava com o médio esloveno Stanko Tavcar. E a primeira era do campeonato iugoslavo, entre 1923 e 1940, chegou a ter clubes eslovenos como participantes, porém sem destaque.
A partir dos anos 1960 mais nomes foram surgindo, como o ponta-esquerda Josip Pirmajer, que disputou a final da Copa dos Campeões de 1966 pelo Partizan. Na virada para a década de 1970 surgiram o armador Branko Oblak e o ponta-direita Danilo Popivoda, que jogariam a Copa de 1974 e a Eurocopa de 1976 e se transfeririam à Bundesliga, marcando época. Já nos anos 1980 vieram o zagueiro Marko Elsner e o volante Srecko Katanec – este último, integrante da seleção na Copa de 1990 e campeão italiano com a Sampdoria em 1991.
E nos últimos instantes antes do desmembramento da Iugoslávia, a seleção que se classificou para a Eurocopa de 1992 e chegou a viajar à Suécia para disputar a competição, mas acabou excluída de última hora pela ONU, contava com dois eslovenos no elenco: o zagueiro Darko Milanic e o ala-direita Dzoni Novak. Os dois, aliás, haviam entrado em campo como titulares dos Plavi no amistoso com o Brasil em Varginha em 30 de outubro de 1991, marcando o início do ciclo de Carlos Alberto Parreira à frente da seleção brasileira para a Copa de 1994.
Após a independência, Milanic e Novak seguiriam como nomes certos na seleção da Eslovênia por cerca de uma década, mas outros jogadores daqueles primeiros anos não teriam a mesma sorte e ficariam à margem das participações em grandes torneios. Foi o caso de uma dupla que passou pelo badalado Calcio nos anos 1990, mas saiu de cena justo quando a seleção viveria sua melhor fase: o zagueiro Robert Englaro, que passou por Foggia e Atalanta, e o atacante Matjaz Florijancic, cara conhecida de Cremonese, Torino e Empoli.
No âmbito dos clubes, na era socialista (entre 1946 e 1992) apenas três eslovenos alcançaram a categoria principal do Campeonato Iugoslavo. O pioneiro foi o Nafta Lendava, que teve vida curta na elite e só disputou a temporada 1946/47, a primeira após a Segunda Guerra, sendo rebaixado como lanterna. O Maribor, fundado em 1960, faria cinco discretas temporadas consecutivas entre 1967/68 e 1971/72. Mas a principal potência regional eslovena naquele contexto seria, de longe, o Olimpija Ljubljana, fundado na capital do país em 1945.
Promovido à primeira divisão em 1965, manteve-se nela por 19 anos, caindo só em 1984. Nesse interim, alcançou o sétimo lugar em 1970/71 (com Oblak e Popivoda no time) e em 1982/83 (com Elsner e Katanec). Foi finalista da copa em 1970, batido na prorrogação pelo Estrela Vermelha. Teve Popivoda como artilheiro da liga em 1973/74. E disputou duas vezes a Copa das Cidades com Feiras e uma vez a Recopa. Voltaria à elite para as duas últimas temporadas em que os clubes da região integraram a liga iugoslava: 1989/90 e 1990/91.
Nos primeiros anos pós-independência, o Olimpija preservou seu status de maior força ao levar o tetracampeonato nas quatro edições iniciais da liga. Mas depois disso, entrou em profunda crise financeira que o levaria a fechar as portas em 2005. Três anos depois, o NK Bezigrad, fundado em 2005, mudaria seu nome para Olimpija Ljubljana, mas sua posição de sucessor do antigo clube nunca foi reconhecida pela federação eslovena. Este novo clube venceria três vezes a liga e quatro vezes a copa, incluindo uma dobradinha agora em 2022/23.
No fim dos anos 1990, com o declínio do velho Olimpija, o Maribor assumiria o posto de potência nacional, vencendo 16 das 27 edições da liga a partir da temporada 1996/97, incluindo um hepta entre 1997 e 2003 e um penta entre 2011 e 2015. E cumpriria campanha histórica na Champions League em 1999/00, deixando pelo caminho Racing Genk e Lyon nas fases preliminares para cair num grupo com Lazio, Bayer Leverkusen e Dynamo Kiev, arrancando fora de casa um empate com os alemães e uma vitória sobre os ucranianos.
O nascimento da seleção
Antes da independência, a seleção eslovena já havia entrado em campo cinco vezes, entre 1921 e 1991, para amistosos considerados não-oficiais. Assim, a primeira partida reconhecida de fato da equipe aconteceu em 3 de junho de 1992, um amistoso contra a Estônia em Tallinn que acabou em empate por 1 a 1. Bojan Prasnikar, um ex-atacante de 39 anos, foi o primeiro técnico e ficou no cargo até dezembro de 1993, quando, diante do primeiro grande desafio, a federação decidiu recorrer a Zdenko Verdenik, nome mais experiente.
Este batismo de fogo internacional eram as Eliminatórias para a Eurocopa de 1996, estreia da seleção em competições oficiais. O Grupo 4, em que foram sorteados os eslovenos, era, aliás, um retrato da nova geografia do continente após o desmonte do antigo bloco socialista: além da Itália, cabeça de chave e grande favorita, ele era composto por três ex-repúblicas soviéticas (Ucrânia, Lituânia e Estônia) e duas ex-repúblicas iugoslavas (Croácia e Eslovênia) – todas elas estreantes na fase de classificação do torneio de seleções europeu.
Cada uma das cinco, porém, atravessava momento particular. Croácia e Ucrânia eram debutantes absolutas, mas se os croatas já reuniam sua safra que brilharia na Copa de 1998, os ucranianos viviam um impasse, assistindo ao mesmo tempo ao declínio de sua última geração ainda soviética, à debandada de bons nomes que, diante da indefinição na região, optaram por defender a Rússia (como Viktor Onopko e Oleg Salenko) e o lento surgimento de uma nova safra que só explodiria mais adiante, liderada pelo atacante Andriy Shevchenko.
Lituânia e Estônia, por sua vez, já contavam com a experiência de ter disputado as Eliminatórias para a Copa do Mundo de 1994. Mas se os lituanos tinham bons valores e vinham em ascensão desde os últimos anos da União Soviética, os estonianos eram candidatos a sacos de pancada. Mas quem não tinha nada, nada mesmo, a que se apegar – nem rodagem internacional nem um elenco considerado promissor – era a Eslovênia. Por isso a revista italiana Guerin Sportivo reduzia a zero suas chances de classificação ao avaliar o grupo.
No dia 7 de setembro de 1994, a cidade de Maribor recebeu admirada a adversária dos eslovenos em sua estreia nas Eliminatórias: nada menos que a vice-campeã mundial Itália de Arrigo Sacchi, desfalcada de Roberto Baggio, mas com Franco Baresi em sua última partida com a camisa azzurra. E aos 16 minutos, o público no diminuto estádio Ljudski vrt foi ao delírio quando o atacante Saso Udovic aproveitou uma bola que Gianluca Pagliuca não conseguiu segurar e abriu o placar. Um minuto depois, porém, Alessandro Costacurta empatou.
O empate em 1 a 1 ao fim dos 90 minutos foi saudado como um resultado enorme para a nova nação. Após a partida, o técnico Zdenko Verdenik declarou, plantando a semente: “Eu tenho um sonho, que é a Eslovênia disputar a Eurocopa um dia”. O prosseguimento da campanha, porém, logo fez com que todos caíssem na real: além das duas obrigatórias vitórias sobre a fraquíssima Estônia (que perdeu todas as suas dez partidas), os eslovenos apresentaram pouco e terminaram na penúltima colocação do grupo, com 11 pontos.
A rigor, só obtiveram resultados notáveis contra uma enfraquecida Ucrânia, que ficou em quarto: vitória por 3 a 2 em Ljubljana e empate em 0 a 0 em Kiev. Contra a Croácia – que terminou na ponta, à frente da Itália, com ambas pegando duas vagas diretas – e a Lituânia, terceira colocada, o time de Zdenko Verdenik só conseguiu derrotas, tanto em casa quanto fora. Já no outro duelo contra os italianos, em Údine, um gol de Fabrizio Ravanelli logo aos 13 minutos de jogo decidiu a vitória do adversário por 1 a 0, numa partida burocrática.
A campanha qualificatória seguinte, para a Copa do Mundo de 1998, seria ainda pior. Sorteada no Grupo 1 contra Dinamarca, Croácia, Grécia e a estreante Bósnia, a Eslovênia obteve somente um ponto e terminou na lanterna. Curiosamente, a única partida que não terminou em derrota foi o embate contra a forte seleção dos vizinhos croatas em Split, no dia 2 de abril de 1997. Nele, após chegar a estar perdendo por 2 a 0 e 3 a 1, a equipe de Zdenko Verdenik tirou forças para buscar o 3 a 3 graças a uma tripleta do atacante Primoz Gliha.
A equipe-base
Verdenik deixou o cargo ao fim da campanha e Bojan Prasnikar voltou como interino no primeiro semestre de 1998, preparando terreno para que Srecko Katanec assumisse o comando a partir de 2 de julho. O antigo craque, primeiro técnico da seleção a ter de fato a vivência do futebol em um grande centro europeu, herdava um elenco razoavelmente fechado, mas uma equipe cujos maus resultados do ciclo de classificação mundialista haviam afundado ainda mais sua colocação (e sua reputação) dentro dos escalões do futebol europeu.
Assim, quando foi feito o sorteio dos grupos das Eliminatórias para a Euro 2000, na cidade belga de Ghent em 18 de janeiro de 1998, os potes foram divididos de acordo com o ranking da Uefa publicado no fim do ano anterior, e a Eslovênia – apenas a 40ª colocada na lista entre 51 seleções, incluindo a estreante Andorra – ficou no último deles. Sorteada no equilibrado Grupo 2, um dos quatro a contar com seis seleções, a equipe teria como adversários Noruega (nona no ranking), Grécia (20ª), Geórgia (29ª), Letônia (34ª) e Albânia (43ª).
Era uma chave um tanto nivelada por baixo (Noruega, Grécia e Geórgia eram as últimas de seus respectivos potes 1, 2 e 3) em que os escandinavos, então em alta, vindos de duas classificações consecutivas à Copa do Mundo, eram nítidos favoritos ao primeiro lugar. Os gregos, buscando se refazer desde o fiasco de sua participação no Mundial de 1994 (quando terminaram na lanterna, sem ponto ganho ou gol marcado e com dez tentos sofridos), pareciam destinados à repescagem, mas sem muita convicção. A briga estava em aberto.
Katanec então juntou seus jogadores e começou a colocar seu plano em prática. Partindo de um 3-5-2 e aproveitando uma base que já jogava junta há vários anos, armou o time em torno de seu maior talento, o habilidoso e temperamental Zlatko Zahovic, meia-atacante de 27 anos que atuava desde 1993 no futebol português. Para dar a necessária liberdade de movimentos a ele, o técnico incutiu nos demais jogadores o espírito de equipe e a luta em cada palmo do campo, predicados que ele próprio demonstrava em seus tempos de jogador.
O time-base inicial começava pelo sóbrio e experiente goleiro Marko Simeunovic, o mais veterano do elenco e um dos poucos a atuar no país (defendia o Maribor). À frente dele, o trio de zagueiros incluía o líbero Marinko Galic pelo centro, o capitão Darko Milanic – às vezes substituído por Zeljko Milinovic, assim como ele especialista na marcação individual – pela direita e o sólido Aleksander Knavs, do lado esquerdo. O setor ainda podia contar com o técnico Spasoje Bulajic ou o versátil Rudi Istenic, capaz de também atuar como volante.
A zaga era protegida pela dupla de volantes formada por Alec Ceh, um dos veteranos do time, e Miran Pavlin. O primeiro, muito bom no desarme, jogava postado diante da defesa, como um cão de guarda, enquanto o segundo tinha um pouco mais de mobilidade na saída de jogo e qualidade nos passes e lançamentos. A ofensividade ficava com os alas Dzoni Novak, pela direita, e Mladen Rudonja, pela esquerda. Novak se destacava pela precisão dos cruzamentos. Rudonja, ponta de origem, às vezes dava lugar ao mais defensivo Amir Karic.
Na ligação do meio com o ataque flutuava o já citado Zlatko Zahovic, maestro do time. Cabia a ele municiar o setor ofensivo, que geralmente era constituído de uma dupla formada por Saso Udovic, mais um veterano, homem de área clássico, oportunista e com bom controle de bola, e por Milan Osterc, mais móvel, embora exímio cabeceador. Além deles havia o talentoso, mas algo disperso Milenko Acimovic, para a função de Zahovic, e outro centroavante, o veloz Ermin Siljak. Rudonja também podia ser utilizado como segundo atacante.
O caminho da classificação
A sensação de que o Grupo 2 era uma disputa aberta aumentou logo que os primeiros resultados foram conhecidos. Na abertura, em 6 de setembro de 1998, a Eslovênia foi a Atenas e voltou com um bom empate em 2 a 2 com a Grécia. A equipe saiu na frente no primeiro tempo, num contra-ataque em que Osterc serviu a Zahovic. Os gregos viraram no início da etapa final com um pênalti discutível batido por Nikos Machlas e uma ótima cobrança de falta de Kostas Frantzeskos. Mas aos 27, Zahovic recebeu nas costas da defesa e deixou tudo igual.
A grande surpresa daquela rodada inaugural, no entanto, foi a vitória da Letônia diante da favorita Noruega em Oslo por 3 a 1, resultado que – aliado à nova vitória dos bálticos na rodada seguinte, agora em casa diante da Geórgia por 1 a 0 – os fazia largar na liderança da chave. No mesmo dia 10 de outubro, a Eslovênia fez seu primeiro jogo como mandante, recebendo os noruegueses em Ljubljana, e saiu na frente outra vez com Zahovic. Mas os escandinavos, mordidos com o vexame na estreia, viraram para 2 a 1 com Tore André Flo e Kjetil Rekdal.
A prova de que tudo podia acontecer naquele grupo seria exposta na terceira rodada, quando a Eslovênia conseguiu sua primeira vitória ao bater exatamente a líder Letônia por 1 a 0 em Maribor graças a um gol de Udovic a três minutos do fim. Era mais um resultado a fazer com que a chave terminasse o ano de 1998 bem embolada: os letões seguiam na liderança com seis pontos, um a mais que os gregos; eslovenos e noruegueses tinham quatro; os georgianos somavam três pontos; e os albaneses vinham na lanterna com apenas dois.
Os jogos voltariam no fim de março de 1999 com a Eslovênia somando mais um ponto na visita à Geórgia no dia 27. No empate em 1 a 1, Knavs marcou no início da etapa final depois de os donos da casa terem saído em vantagem no intervalo com um tento de Zaza Janashia. O jogo que viria a seguir, contra a Albânia em Ljubljana no dia 31, não aconteceria na data prevista. Com a retomada dos bombardeios da OTAN no Kosovo, a Uefa decidiu adiar todas as partidas das Eliminatórias a serem disputadas no antigo solo iugoslavo naquele dia.
Com isso, os eslovenos só voltariam a campo no começo de junho, quando a disputa no grupo já havia avançado bastante. Naquele momento, a Noruega já se recuperara dos tropeços iniciais e vinha enfileirando vitórias: liderava o grupo com 13 pontos em seis jogos. A Letônia, perdendo o fôlego inicial, somava oito pontos em cinco jogos. A Grécia, acumulando empates, tinha seis em cinco. E então vinha a Eslovênia com cinco pontos em quatro jogos, à frente de Geórgia (quatro em seis) e Albânia, que ainda não vencera (três em quatro).
Naquele mês, os eslovenos dariam dois passos importantes para brigar por uma vaga ao derrotar fora de casa a Letônia (no dia 5) e a Albânia (no dia 9). Em ambas as partidas, Zahovic voltaria a demonstrar como era fundamental para a equipe. Em Riga, após os letões saírem na frente num gol de falta de Marian Pahars, ele viraria o placar com um chute da entrada da área e uma perfeita cobrança de pênalti ainda na etapa inicial, decretando a vitória por 2 a 1. E em Tirana, ele anotaria o único gol do jogo (1 a 0) também da marca da cal.
Esses resultados, juntamente com a derrota da Grécia em casa para a Letônia (2 a 1), alçavam os eslovenos da quarta posição para a vice-liderança da chave, superando os letões pelo número de gols marcados e ainda com um jogo a menos. Essa partida por fazer era a adiada contra a Albânia, enfim agendada para 18 de agosto em Ljubljana como jogo isolado. E de novo brilharia a estrela de Zahovic, abrindo o placar com oportunismo no início da etapa final, antes de Osterc completar de cabeça um centro milimétrico de Novak: 2 a 0.
A vitória isolava a Eslovênia na segunda colocação com 14 pontos e a aproximava da líder Noruega, que tinha 16, além de encerrar matematicamente as chances da lanterna Albânia. Em setembro haveria duas rodadas completas – e decisivas naquela reta final – logo no início do mês. No dia 4, a equipe de Srecko Katanec receberia a já eliminada Geórgia, enquanto ficava atenta aos outros resultados: a Noruega enfrentava a Grécia em Oslo e a Letônia viajaria para pegar a Albânia em Tirana. E o desfecho seria uma ótima combinação.
Após um primeiro tempo sem gols em Ljubljana, o meia-atacante Acimovic, que havia entrado no intervalo, colocou os eslovenos em vantagem após jogada individual de contra-ataque. A Geórgia empataria aos dez minutos com Shota Arveladze, mas no final Zahovic apareceria outra vez para decretar o 2 a 1. Era seu oitavo gol em oito jogos naquelas Eliminatórias. No mesmo dia, a Grécia dizia adeus às suas chances ao perder para a Noruega (1 a 0) e a Letônia parava no empate em 3 a 3 diante da Albânia em Tirana. A Eslovênia agradecia.
Faltando duas rodadas, a situação era bastante confortável para que os comandados de Srecko Katanec avançassem ao menos para a repescagem: tinham 17 pontos, dois a menos que a líder Noruega – contra quem mediriam forças em Oslo na rodada seguinte – e folgados cinco a mais que a Letônia, única seleção ainda com possibilidade de estragar os planos. Grécia (adversária no último jogo, em Ljubljana), Albânia e Geórgia eram cartas fora do baralho. E a definição da chave poderia vir já na rodada seguinte, em 8 de setembro.
Carimbando a vaga
Uma vitória no confronto direto contra os noruegueses em Oslo faria a Eslovênia chegar à última rodada na ponta do grupo. Mas os donos da casa, embalados, precisariam triunfar para garantir a classificação direta. De todo modo, para quem tinha sido encarado como quinta força na chave com seis seleções, passar à repescagem já era um grande feito para a equipe de Katanec. E para isso, um tropeço da Letônia diante da Geórgia em Tbilisi, numa partida que começaria mais cedo devido ao fuso horário do Cáucaso, já era o suficiente.
E ele veio, de maneira inapelável: mesmo diante de apenas 4.500 torcedores no imenso estádio Boris Paichadze, os já eliminados georgianos dominaram o jogo e abriram 2 a 0. O máximo que os letões puderam fazer foi arrancar já nos acréscimos o empate em 2 a 2, resultado que não evitava sua eliminação. Por isso, para os eslovenos, a goleada de 4 a 0 sofrida em Oslo não doeu tanto. Nem mesmo para o azarado Rudi Istenic, que, jogando no lugar de Galic, abriu o placar com um gol contra e ainda foi expulso no início da etapa final.
Sendo assim, a última rodada, no dia 9 de outubro, foi mero cumprimento de tabela. A Eslovênia recebeu a Grécia num jogo em que Katanec poupou titulares pendurados e deu chance a nomes pouco utilizados do elenco. O placar, uma derrota por 3 a 0 que ajudou a derrubar a diferença de gols do time para menos dois, não importou muito. O foco agora era a repescagem, com Portugal garantindo a única vaga direta ao melhor segundo colocado, Turquia, Escócia, Dinamarca, Ucrânia, Irlanda, Israel e Inglaterra eram os adversários possíveis.
O sorteio, realizado em Aachen, na Alemanha, no dia 13 de outubro, apontou um forte oponente para o caminho dos eslovenos: a Ucrânia, segunda colocada no Grupo 4, atrás da campeã mundial França e à frente de Rússia, Islândia, Armênia e Andorra. Tendo como base um Dynamo Kiev que vinha colhendo resultados expressivos na Champions League, os ucranianos tinham como astros a dupla goleadora Andriy Shevchenko e Serhiy Rebrov, mas seus números mais destacados vinham da defesa, que sofrera apenas quatro gols em dez jogos.
A ordem dos mandos, também definida no sorteio, só aumentou a dificuldade ao marcar o jogo de ida para Ljubljana e o de volta para Kiev, nos dias 13 e 17 de novembro, respectivamente. E os eslovenos ainda teriam o desfalque do goleiro Marko Simeunovic, lesionado, que cederia o posto a Mladen Dabanovic. Como se não bastasse tudo isso, o time ainda sairia atrás na primeira partida quando Shevchenko marcou um golaço, chutando de curva, do bico da grande área, e acertando o ângulo de Dabanovic aos 33 minutos da etapa inicial.
Mas Zahovic também faria das duas: aos 18 do segundo tempo, ele receberia uma cobrança de lateral, giraria sobre a marcação e emendaria da meia-lua um chute forte e rasteiro que entrou no canto da meta defendida por Oleksandr Shovkovskyi. Surreal mesmo, no entanto, seria o tento da virada, a oito minutos do fim: Shovkovskyi foi até à lateral devolver a bola com um chutão, mas errou e mandou no pé de Acimovic quase na linha do meio-campo. De lá mesmo, o meia-atacante mandou de cobertura, marcando um golaço: 2 a 1.
A partida de volta seria disputada num gramado coberto de neve no Estádio Olímpico de Kiev e assistiria novamente aos eslovenos saindo atrás no placar e tendo de correr atrás do resultado. Depois de o 0 a 0 perdurar até os 23 minutos da etapa final, a Ucrânia saiu na frente num pênalti marcado por um agarrão de Milinovic em Shevchenko dentro da área. Rebrov cobrou e marcou, abrindo o placar para os donos da casa que, com aquele 1 a 0, garantiriam a vaga na Eurocopa pelos gols marcados fora de casa. Era o que se desenhava.
Mas dez minutos depois houve uma falta para a Eslovênia próxima à área ucraniana. Zahovic bateu e a bola explodiu na barreira, caindo do lado esquerdo do ataque, aos pés de Rudonja. Seu chute cruzado foi forte, mas acabou bloqueado no meio do caminho. Só que, numa fração de segundo, Pavlin foi mais esperto e mandou o rebote para as redes. O 1 a 1 era a concretização de um milagre em Kiev: os eslovenos, azarões até em seu grupo, despachavam os favoritos ucranianos na casa deles na repescagem e carimbavam o passaporte para a Eurocopa.
Era uma transformação completa num curto espaço de tempo: de lanterna somando um ponto no grupo das Eliminatórias para a Copa de 1998, a Eslovênia agora estava entre as 16 seleções da Euro 2000. E o momento do futebol do país era refletido em outros âmbitos como, por exemplo, a grande campanha do Maribor rumo à primeira fase de grupos da Champions League de 1999/00 apenas dois anos depois de ter sido atropelado pelo Ajax com uma goleada de 9 a 1 na Copa da Uefa de 1997/98. De repente, os eslovenos haviam despertado.
Os dilemas da preparação
Mas nem tudo seria um mar de rosas até o embarque para a Bélgica e os Países Baixos, as sedes conjuntas do torneio: o rebelde Zahovic, negociado pelo Porto com o Olympiacos em meados de 1999, criava um caso atrás do outro no novo clube. Após faltar a treinos e reunir a imprensa para criticar jornalistas, entrou em greve por dois meses em protesto contra o baixo nível da liga grega, “repleta de jogadores invejosos, preguiçosos e pouco profissionais”. Quando voltou, entrou em rota de colisão com o técnico Alberto Bigon e foi afastado.
O que se dizia é que o meia preferia ter sido vendido pelo Porto ao Valencia e agia em protesto. Mas ele atribuía tudo à “grande pressão à qual estava exposto” e admitia: “Meu problema é que não fui capaz de me ajustar ao meu novo entorno na Grécia e à mentalidade do Olympiacos. Sou responsável por meus atos. Aceito que agi de maneira imprópria e mereço a punição”. Mas não descartava mudar de ares: “O clube e eu temos opiniões distintas sobre cada tema. Não digo que estou certo e eles errados, mas a diferença é muito grande”.
Outro motivo de preocupação para o técnico Srecko Katanec era a falta de ritmo de jogo de alguns titulares da seleção que esquentavam o banco em seus clubes, como era o caso de Dzoni Novak no Sedan francês e de Miran Pavlin no Karlsruher alemão. Por outro lado, algumas alternativas a eles já haviam sido testadas pelo treinador durante o ciclo das Eliminatórias, como o meia-direita Sasa Gajser e o volante Zoran Pavlovič, ambos incluídos na lista final de 22 convocados. Enquanto isso, no gol, Mladen Dabanovic se firmava como novo titular.
Na preparação, após fugir do rigoroso inverno no país e viajar a Omã em fevereiro para disputar um torneio, os eslovenos foram a Saint-Denis em abril para medir forças contra a França, grande favorita da Euro. Deixaram a imprensa internacional boquiaberta ao abrirem 2 a 0 em dez minutos com gols de Milinovic e Udovic, mas os Bleus reagiram e viraram para 3 a 2 nos acréscimos, graças a dois gols de David Trezeguet. “Foi melhor assim. Guardamos a grande surpresa para a Eurocopa”, disse Katanec após o jogo, satisfeito com o empenho do time.
Na Eurocopa, a Eslovênia ficaria no Grupo C ao lado de três seleções perigosas. Pela ordem dos confrontos: a Iugoslávia, com uma equipe técnica e ofensiva, seria a primeira adversária na cidade belga de Charleroi em 13 de junho; a Espanha, candidata a chegar longe na Euro, seria enfrentada na suntuosa Amsterdam ArenA (inaugurada apenas quatro anos antes) no dia 18; e a Noruega, já conhecida das Eliminatórias, com seu forte jogo aéreo, voltaria a medir forças no tira-teima final no estádio de GelreDome, na holandesa Arnheim, no dia 21.
Na estreia, um jogo memorável
Para além dos vínculos históricos e políticos, o confronto entre Eslovênia e Iugoslávia reservava também uma história especial à beira do campo: o técnico iugoslavo, o veterano Vujadin Boskov, havia sido o responsável por trazer Srecko Katanec para a Sampdoria em 1989. Juntos, venceram a Recopa europeia em 1990, o scudetto em 1991 e chegaram à final da Copa dos Campeões em 1992, perdendo para o Barcelona. E assim que aportou em Gênova, o agora treinador da Eslovênia chegou a morar por um tempo na casa de Boskov.
A Eslovênia foi a campo com Dabanovic no gol; o capitão Milanic, Galic e Milinovic no trio de zaga; Novak, Ceh, Pavlin e Karic na segunda llinha; Zahovic entre o meio e o ataque; e Udovic e Rudonja na frente. E a zebra saiu atropelando: depois de assustar numa falta cobrada por Milinovic, o time abriu o placar aos 23 minutos com Zahovic escorando de cabeça um cruzamento de Karic e foi para o intervalo em vantagem – que seria aumentada aos sete da etapa final num lance parecido, com Pavlin cabeceando uma falta cobrada por Zahovic.
Cinco minutos depois, os eslovenos chegariam a incríveis 3 a 0 quando Siniša Mihajlovic cometeu um erro bisonho na saída de bola, entregando-a aos pés de Zahovic, que avançou e tocou na saída de Ivica Kralj. Para completar sua partida desastrosa, Mihajlovic precisaria só de cinco minutos para levar dois cartões amarelos – o segundo ao empurrar Udovic – e deixar a Iugoslávia com dez. Com tamanha vantagem no placar e um jogador a mais em campo, a Eslovênia parecia caminhar para uma vitória histórica em sua estreia em Eurocopas.
Mas só parecia. Ainda no primeiro tempo, Boskov havia colocado Dragan Stojkovic em campo em lugar de Dejan Stankovic. E pouco antes do segundo gol esloveno, Savo Milosevic havia substituído Darko Kovacevic. Demorou um pouco até que as mudanças fizessem efeito. Mas aos 22, a reação começou quando Miroslav Djukic acreditou numa bola quase perdida na linha de fundo e cruzou para Milosevic só escorar. Aos 25, Ljubinko Drulovic recebeu de Predrag Mijatovic e marcou o segundo. E aos 27, Drulovic cruzou para Milosevic empatar. Assista aos melhores momentos do jogo aqui.
Se era justo os eslovenos lamentarem a grande vantagem desperdiçada, por outro lado o incrível 3 a 3 já marcava o nome do país na história da competição. Ainda havia, porém, outros dois jogos naquela primeira fase, e o próximo era contra a Espanha de Raúl, Fernando Hierro, Luis Enrique e Josep Guardiola, dirigida pelo ex-lateral José Antonio Camacho, que revigorara a seleção após o péssimo desfecho da era Javier Clemente, com a queda precoce na Copa do Mundo de 1998 e a derrota para o Chipre na estreia das Eliminatórias da Euro.
Cumprindo um papel digno
Na primeira rodada, porém, a Espanha havia sido derrotada pela Noruega por 1 a 0 e agora tinha de reagir. Logo aos quatro minutos, ela abriria o placar quando Raúl pegou uma bola mal afastada pela defesa e bateu forte de fora da área. E ainda criaria chances para ampliar a contagem num chute de Alfonso e numa cabeçada de Guardiola. Mas no início da etapa final, veio o empate da Eslovênia num contra-ataque pela esquerda puxado por Rudonja, que passou a Zahovic. Seu chute mascado resvalou num defensor e traiu Santiago Cañizares.
A igualdade, porém, durou só um minuto. Logo após o reinício, Joseba Etxeberría recebeu passe de Gaizka Mendieta pelo lado direito do ataque e finalizou sem que Dabanovic conseguisse deter seu chute. A vitória espanhola por 2 a 1 e o triunfo iugoslavo sobre a Noruega por 1 a 0 no outro jogo embolavam a chave, mas deixavam a Eslovênia na lanterna, com um ponto. Para o confronto com os escandinavos na última rodada, Katanec fez entrar Knavs na zaga no lugar de Milanic, e Ermin Siljak ganhou a vaga no ataque no posto de Udovic.
A Noruega era dirigida por Nils Johan Semb, o substituto de Egil Olsen, que permanecera por oito anos no cargo e levara a seleção a patamares nunca vivenciados antes. Embora o novo técnico ensaiasse uma mudança no estilo de jogo direto dos tempos de Olsen, a Noruega ainda era pouco criativa e vivia de jogadas de bolas aérea, tendo o grandalhão Tore André Flo como alvo principal. No confronto de 21 de junho pela Euro, outra estratégia de Semb foi colar o meia Stale Solbakken em Zahovic, perseguindo o esloveno por todo o campo.
Foi, portanto, um jogo estrangulado no meio-campo e pobre em emoção. Siljak teve duas chances pelos eslovenos em um chute e uma cabeçada, enquanto o meia-armador Erik Mykland, jogador mais talentoso da Noruega, criou numa arrancada a principal oportunidade de sua equipe. Mas quando o 0 a 0 parecia satisfazer aos noruegueses graças à vitória parcial da Iugoslávia sobre a Espanha no outro jogo, veio a notícia da virada ibérica para 4 a 3 nos acréscimos, classificando as duas equipes que se enfrentavam no jogo de Bruges.
Assim, Eslovênia e Noruega morreram abraçadas. Mas se o comentário geral era negativo quanto aos escandinavos, acusados de covardia, aos eslovenos só se ouviam elogios: o time mostrou jogo e foi muito além de um mero saco de pancadas. Terminaria o torneio na 13ª colocação entre 16 seleções, à frente de Alemanha, Suécia e Dinamarca. Marcaria mais gols do que essas três e outras quatro equipes: a anfitriã Bélgica, República Tcheca, Turquia e a própria Noruega. E teve Zahovic incluído na relação dos 50 melhores jogadores do torneio.
Depois da Euro, os Mundiais
O bom momento teria sequência pelo ciclo das Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2002, em que a Eslovênia ficou no complicado Grupo 1 europeu. Invicta nas 10 partidas da chave, a seleção terminaria de novo em segundo, à frente de Iugoslávia e Suíça e atrás da Rússia (que pegou a vaga direta), passando à repescagem, na qual enfrentaria a Romênia. O roteiro foi bem semelhante ao contra a Ucrânia: vitória de virada por 2 a 1 em casa e empate em 1 a 1 em Bucareste para deixar os romenos de fora da Copa pela primeira vez desde 1986.
Para a estreia em Mundiais, o elenco da Euro 2000 foi quase todo preservado: nada menos que 17 jogadores da lista de convocados anterior seguiriam. As baixas mais significativas foram as de dois veteranos que se aposentaram: o zagueiro e capitão Darko Milanic e o artilheiro Saso Udovic. A braçadeira foi repassada ao volante Ales Ceh, um dos remanescentes das gerações mais antigas da seleção. Entre os novos nomes, os destaques eram o ala-esquerda Nastja Ceh (sem parentesco com o novo capitão) e o atacante Sebastjan Cimirotic.
O desempenho no Mundial, porém, foi decepcionante, com três derrotas: 3 a 1 para a Espanha na estreia, 1 a 0 para a África do Sul no segundo jogo e 3 a 1 para o Paraguai na despedida, quando a equipe entrou em campo já sem chances de classificação e chegou a abrir o placar no primeiro tempo e ir para o intervalo em vantagem, mas sofreu a virada com um jogador a mais. Desta vez, aliás, a indisciplina de Zahovic jogou contra a seleção: o meia acabou desligado da delegação após reclamar de ter sido substituído contra os espanhóis.
Katanec encerraria seu ciclo no comando da Eslovênia logo após o fim do Mundial. O país só se classificaria de novo para um grande torneio uma vez, em 2010, na Copa da África do Sul, sob o comando de Matjaz Kek e com um elenco totalmente renovado, sem nenhum remanescente das campanhas de 2000 e 2002. Na ocasião, a seleção enfim venceria: 1 a 0 na Argélia na estreia pelo Grupo C. Depois ficaria no empate com os Estados Unidos (2 a 2, após abrir dois gols de vantagem) e seria eliminada ao perder para a Inglaterra (1 a 0).