A Desportiva de 1993: A última presença capixaba na elite nacional

O Brasileirão de 1993, cujo início completou 25 anos na última semana, registrou a última participação de um clube do Espírito Santo na elite do país. A Desportiva, uma das forças do estado, participou do torneio com elenco modesto, quase todo feito em casa e fez campanha fraca, como era esperado, sendo rebaixada antes mesmo da última rodada. Mas vivia ali naquela década o último momento em que o futebol capixaba marcava presença no cenário nacional com certo destaque, deixando saudade não apenas nos torcedores locais como também em quem acompanhou aquele período das competições nacionais.
Os anos de tradição na elite
A Desportiva Ferroviária foi o primeiro clube capixaba a disputar o Campeonato Brasileiro no formato a partir de 1971. Estreou na edição de 1973 e participou de modo ininterrupto até 1982. O Rio Branco, principal rival, e que já havia jogado os certames de 1976, 1978 e 1979, foi o representante único do estado nos Brasileirões de 1983 e 1984. A Tiva voltou ao torneio em 1985, cedendo novamente o lugar ao Alvinegro em 1986, quando, pela última vez, o campeonato contou com equipes de todos os estados com futebol profissional no país. Além da dupla, o Vitória participou do torneio em 1977 e o Colatina, único do interior, em 1979.
A equipe grená também é dona da melhor colocação de um clube capixaba na história do Brasileirão, ficando entre os 16 melhores times do país em 1980. Naquela campanha, o time complicou a vida dos paulistas: estreou vencendo o Guarani de Careca e Zenon e, ainda na primeira fase, bateu o Palmeiras, que mantinha a boa base do time que fora dirigido por Telê Santana no ano anterior. Mais adiante, na terceira fase, arrancou um empate contra o Santos dentro do Pacaembu e venceu a Ponte Preta. Artilheiro do time, o ponta-direita Botelho recebeu ainda a Bola de Prata da revista Placar como o melhor de sua posição.
Naquele momento, a Desportiva dominava o futebol do estado: a grande campanha no Brasileiro veio bem no meio de um tricampeonato estadual, no qual despontaria ainda uma das maiores revelações do futebol capixaba em todos os tempos: o meia Geovani, que logo seguiria para o Vasco. A partir de 1987, entretanto, os grandes clubes do estado pareciam ter sido sobrepujados pelas novas forças de fora da capital. Pelos próximos cinco anos, a Locomotiva Grená conquistaria apenas o título de 1989, enquanto os outros foram para o Guarapari, o Ibiraçu, o Colatina e o Muniz Freire.
O retorno à primeirona nacional

O ano de 1992, entretanto, seria especial por ter recolocado o clube em posição de destaque, não só no cenário estadual como também no nacional. Em janeiro, após várias reviravoltas que acarretaram uma confusa e demorada definição da CBF sobre como seria a disputa da segunda divisão nacional, a entidade anunciou que 32 clubes participariam da competição, divididos em quatro grupos de oito, sendo que os três primeiros de cada chave não só avançariam à segunda fase como já teriam acesso garantido à primeira divisão do ano seguinte, antes mesmo do desenrolar do restante do torneio.
A Desportiva ficou no Grupo 2, que tinha os baianos do Vitória como cabeças de chave designados pela CBF. Os demais adversários eram Remo, Americano, Itaperuna, Confiança, Anapolina e Taguatinga. Após um mau começo, com três derrotas nos primeiros quatro jogos, a Locomotiva Grená embalou, obtendo cinco vitórias consecutivas, entre elas um 4 a 3 diante do Remo em Belém. No dia 12 de abril, um 0 a 0 com o rubro-negro baiano garantiu a nona partida invicta no grupo. Mas o mais importante foi a garantia matemática do acesso à elite do Brasileirão em 1993 com uma rodada de antecedência.
A partir de então, a competição teve mais outras tantas reviravoltas no regulamento e até desistências. A Tiva fez campanha discreta, mas o mais importante já havia sido conquistado. O próximo passo seria o Estadual, naquele ano disputado no segundo semestre. Para a competição, a equipe treinada por Jayme de Almeida Filho, ex-zagueiro do Flamengo, contaria com dois reforços que esbanjavam experiência: o meia Andrade, também ex-Flamengo, e o centroavante Washington, ex-Fluminense, além de outros nomes como o bom lateral-direito China, revelado pelo rival Rio Branco em meados da década de 80 e que passara por times como Portuguesa e Grêmio, antes de retornar ao futebol capixaba, agora vestindo grená.
O título estadual veio com extrema facilidade. Depois de liderar de ponta a ponta os dois turnos iniciais, a equipe venceu praticamente todas as partidas da fase semifinal, bem como os dois jogos da decisão contra o modesto Comercial de Muqui. Na virada do ano, o calendário foi invertido: para 1993, os estaduais voltariam ao primeiro semestre, assim como a Copa do Brasil, enquanto o Brasileiro começaria no início de setembro. A Desportiva começou mantendo a mesma base para lutar pelo bi, mas ficaria bastante enfraquecida com a saída do goleador Washington para o Santa Cruz em abril, em meio à disputa.
Disso se aproveitou mais uma força ascendente do interior: o Linhares, clube recentemente fundado após a fusão de duas equipes da cidade a 134 quilômetros de Vitória e bancado pela prefeitura local, dominou o certame de 1993 e conquistou o título. A Desportiva decepcionou, ficando apenas na quinta colocação. Na Copa do Brasil, a equipe grená teve um duro desafio logo de saída, o Cruzeiro, e acabou eliminada após empatar em 1 a 1 no Engenheiro Araripe e ser goleada por 5 a 0 no Mineirão. Curiosamente, era a terceira vez (em cinco edições) em que o campeão capixaba caía para o futuro vencedor do torneio nacional, depois que o Ibiraçu perdeu para o Grêmio em 1989 e o Muniz Freire foi batido pelo Internacional em 1992.
Com garotos, a Tiva vai à luta
Assim, as expectativas para a primeira participação na elite do Brasileirão em oito anos não eram as mais otimistas. O elenco era formado basicamente por pratas da casa (incluindo jogadores ainda amadores), mesclados a atletas vindos do próprio futebol capixaba, ou que retornavam ao clube após empréstimos a equipes de outros estados. Os únicos nomes com currículo no torneio nacional eram Andrade (campeão com Flamengo e Vasco nos anos 1980) e o zagueiro Alves, ex-Bangu, Palmeiras e Inter de Limeira – além do técnico Dudu, ex-volante da Academia palmeirense das décadas de 1960 e 70.
No Brasileiro, as 32 equipes foram divididas em quatro grupos de oito, só que com os chamados 12 grandes alojados nos grupos A e B, acompanhados por Bahia, Sport, Guarani e Bragantino. Nestas duas chaves, os três primeiros colocados avançavam para os dois quadrangulares semifinais e não haveria rebaixamento. Já nos grupos C e D, com os outros 16 clubes separados regionalmente, os dois primeiros de cada chave se enfrentariam ao fim da primeira fase pelas duas vagas restantes na etapa seguinte, enquanto os quatro piores de cada grupo disputariam a segunda divisão em 1994.
A Desportiva ficou no Grupo D, que reunia apenas equipes das regiões sul e sudeste (além dos capixabas, também integravam os paranaenses Atlético, Coritiba e Paraná, os paulistas Portuguesa e União São João, o catarinense Criciúma e o América mineiro) e, analisando os pontos fortes e fracos dos adversários, os torcedores tinham lá suas chances de acreditarem na possibilidade de, se não conquistar uma das vagas na “repescagem” das chaves C e D (o que era bem pouco provável), pelo menos ficar em terceiro ou quarto e conseguir se manter na elite para o ano seguinte.
O União São João, apesar de bem estruturado, era estreante. O Paraná, embora viesse do título da segunda divisão no ano anterior e contasse com alguns nomes experientes, também era debutante. Coritiba e Atlético Paranaense disputariam o torneio com elencos fracos e desconhecidos, muito aquém de suas tradições. Embora campeão estadual em 1993, o América Mineiro retornava à elite nacional depois de 14 anos de ausência. O Criciúma, campeão da Copa do Brasil em 1991 e participante da Libertadores no ano seguinte, era outro que ficara um bom tempo (cinco anos) fora da primeira divisão. Por fim, havia a Portuguesa, única a reunir sob a mesma camisa a tradição na competição e um elenco forte e rodado.
Entretanto, diante de suas próprias circunstâncias, a Desportiva não conseguiu escapar de uma campanha fraca. A começar por não conseguir atrair o apoio em massa do público. Retornar depois de tanto tempo à elite e não enfrentar nenhum dos chamados grandes clubes do país era um tanto frustrante para os torcedores. Assim, a partida de estreia, contra o Coritiba no Engenheiro Araripe em 4 de setembro, teve apenas 2.001 presentes nas arquibancadas (o que ainda assim seria o maior público da Tiva em casa naquele Brasileiro). Para piorar, a equipe teve o meia Marquinhos expulso nos acréscimos do primeiro tempo e perdeu para os paranaenses por 1 a 0 com um gol marcado aos 44 minutos da etapa final.
O momento mais humilhante, entretanto, viria no segundo jogo, diante do Paraná no Durival de Britto. O time capixaba só conseguiu balançar as redes pela primeira vez na competição graças a um gol contra do zagueiro tricolor Marcão, quando o placar já era de 6 a 0 para o time da casa, evidenciando a fragilidade da equipe. Em seguida, a terceira derrota: 2 a 1 para o Criciúma no Heriberto Hulse, num jogo em que os catarinenses poderiam ter goleado. O time ameaçou reagir a partir do jogo seguinte, quando voltou a jogar em casa e recebeu o Atlético Paranaense. Dominou a partida, fez 1 a 0 com o lateral Márcio Bueno, mas sofreu um gol de contra-ataque e perdeu a chance de vencer a primeira no campeonato.
O último triunfo na elite

A vitória, solitária naquela campanha, ficaria para o jogo seguinte, no dia 22 de setembro, novamente no Engenheiro Araripe. Com Andrade retornando ao time depois de jogar apenas uma das quatro primeiras partidas e controlando o jogo a partir do meio-campo, a Tiva não deu chance em nenhum momento ao União São João, que liderava invicto o grupo até ali. Fez 1 a 0 com o atacante Barbosa e criou oportunidades para ampliar o placar, assegurando os dois pontos ao fim do jogo. A surpresa negativa, porém, ficou por conta da saída do técnico Dudu, substituído por Marcos Nunes, antigo ídolo do clube nos anos 1980.
A equipe-base nesta primeira etapa começava com o goleiro Jorcey, vindo da base do Flamengo, mas profissionalizado na Desportiva. Nas laterais, Márcio Bueno ocupava o lado direito após a saída de China, vendido do Botafogo, enquanto Dedé (que mais tarde defenderia o Sport e os Atléticos Mineiro e Paranaense) atuava pela esquerda. Na zaga, o experiente Alves tinha a seu lado Arildo, revelado pelo Rio Branco e que retornava após nova passagem pelo rival.
O quadrado do meio-campo contava com Marquinhos e Édson Garcia como homens mais recuados e Andrade na criação do jogo ao lado de outro nome experiente, o meia-armador Vander Luís, ex-Atlético-MG, contratado de última hora. O jovem Ricardo, prata da casa e ainda amador, também foi bastante utilizado. Na frente, o goleador Barbosa, trazido da Portuguesa Santista, fazia dupla com Marcelo Brito, enquanto o veloz Welder era utilizado esporadicamente.
Quando Marcos Nunes assumiu o comando, poucas alterações foram feitas: contratado durante o torneio, o veterano Brigatti, ex-Ponte Preta, tomou o lugar de Jorcey no gol, enquanto Welder passou a titular do ataque, barrando Marcelo Brito. Já no returno, César Soares andou revezando com Márcio Bueno na lateral-direita até se firmar, enquanto talentos da base, como o volante Morelato e o meia-atacante Alex Santana, ganhavam mais espaço. Entretanto, o novo treinador também não teve bom início de trabalho: nas duas partidas finais do primeiro turno, perdeu por 3 a 1 para ao Portuguesa no Canindé e levou uma goleada de 4 a 1 para o América Mineiro jogando em casa.
No segundo turno, a equipe se fechou mais na defesa e colecionou empates: foram cinco em sete jogos, quatro deles em 0 a 0. Na abertura, o gramado enlameado do Couto Pereira ajudou a parar o Coritiba. Em seguida, porém, diante do Paraná no Engenheiro Araripe, o placar só ficou mesmo em branco pela má pontaria dos atacantes – dois pênaltis, um para cada lado, foram desperdiçados. Uma derrota em casa e de virada para o Criciúma (2 a 1) antecedeu o único empate com gols, conquistado na raça: em Curitiba, depois de sair perdendo por 2 a 0 para um Atlético Paranaense embalado, a Locomotiva Grená marcou com Marcelo Brito e Welder, aos 28 e 43 minutos do segundo tempo.
Mesmo assim, com apenas seis pontos ganhos em 11 jogos, só um milagre poderia impedir o rebaixamento. E ele não veio: a queda foi decretada matematicamente na rodada seguinte, em 20 de outubro, quando a Desportiva foi derrotada até com facilidade pelo União São João em Araras por 2 a 0. Cumprindo tabela nos dois últimos jogos, os capixabas encerraram sua história na elite nacional até aqui com outros dois empates sem gols, contra a Portuguesa no Engenheiro Araripe e o América Mineiro no Mineirão.
O retorno que quase veio
Depois da temporada decepcionante em 1993, no ano seguinte a Tiva parecia resgatar sua força. Voltou a conquistar o estadual e fez campanha consistente na Série B nacional, ficando a um passo de retornar à elite. Na primeira fase, terminou na segunda colocação num grupo com Sergipe, Americano, Santa Cruz, Democrata de Governador Valadares (MG) e CRB. Na segunda etapa do torneio, terminou na liderança de uma chave com América de Natal, Moto Clube e novamente o Santa Cruz, conquistando a única vaga do quadrangular e avançando às semifinais, para enfrentar o Goiás.
No primeiro jogo, em um Engenheiro Araripe lotado, o time grená venceu por 2 a 0, gols de Welder e Mário, levando para a partida de volta a vantagem de poder perder por até um gol. Os goianos, por outro lado, precisavam pelo menos devolver a mesma diferença de gols, classificando-se por terem melhor campanha ao longo da competição. No Serra Dourada, os esmeraldinos abriram o placar no primeiro tempo com Marcelo Batista. E na etapa final, um lance polêmico que ainda hoje revolta os torcedores capixabas, decidiu a vaga: uma falta fora da área em Dill foi transformada em pênalti pelo árbitro paulista Edmundo Lima Filho. O veterano Baltazar converteu e deu a vaga na decisão e o acesso à Série A ao Goiás.
Quatro anos depois, a Tiva esteve mais uma vez entre os quatro primeiros da segundona e muito perto de retornar à elite. Segunda colocada num grupo com Remo, Londrina, União São João, Atlético-GO e Náutico na primeira fase, despachou a Tuna Luso em um mata-mata intermediário, antes de avançar em nova fase de grupos ao lado do Gama, deixando pelo caminho Criciúma e XV de Piracicaba. No quadrangular final da competição, chegou à última rodada com chances, numa disputa embolada com o mesmo Gama, o Botafogo-SP e o Londrina, mas foi goleada em Ribeirão Preto e desperdiçou sua última oportunidade.
Ao terminar a Série B de 1999 na lanterna entre 22 clubes, teve rebaixamento decretado, mas acabou jogada para um dos grupos do Módulo Amarelo, equivalente à segunda divisão, pela reestruturação feita para a Copa João Havelange. Um novo rebaixamento viria em 2001, quando já havia sido rebatizada como Desportiva Capixaba. A decadência seguiria com a desativação do futebol profissional em meados da década e a obrigação de recomeçar na segunda divisão estadual. Em 2011, no entanto, o clube recuperou o nome Desportiva Ferroviária, e dois anos depois saiu da fila no estadual, vencendo também o torneio de 2016.
Quinzenalmente, o jornalista Emmanuel do Valle publica na Trivela a coluna ‘Azarões Eternos’, rememorando times fora dos holofotes que protagonizaram campanhas históricas. Para visualizar o arquivo, clique aqui.
Confira o trabalho de Emmanuel do Valle também no Flamengo Alternativo e no It’s A Goal.