Gerrard coloca uma interrogação em sua carreira ao assumir o Al-Ettifaq, coadjuvante na liga saudita

Steven Gerrard é mais uma estrela a se juntar ao endinheirado Campeonato Saudita na próxima temporada. A lenda do Liverpool não entra mais em campo, mas empresta sua imagem como treinador à liga local. E o inglês terá o desafio de dirigir uma equipe coadjuvante, que não receberá (ao menos diretamente) o dinheiro do fundo soberano da Arábia Saudita. Gerrard foi anunciado como novo treinador do Al-Ettifaq, clube tradicional, mas que não conquista o título nacional há 36 anos. O inglês de 43 anos vai para um mercado alternativo após um início de carreira promissor como técnico, especialmente à frente no Rangers, mas que ficou chamuscado no Aston Villa.

As conversas para que Gerrard trabalhasse na Arábia Saudita se estenderam desde o último mês. O velho craque indicou que não trabalharia no país, mas mudou de ideia recentemente. Vai assumir uma equipe que ficou na sétima colocação do último Campeonato Saudita e que não terá um investimento tão grande quanto os quatro clubes apoiados pelo governo – Al-Hilal, Al-Nassr, Al-Ittihad e Al-Ahli. De qualquer maneira, espera-se que a onda de contratações no país respingue também nos clubes menores e a presença de Gerrard é um atrativo a mais nas negociações com jogadores.

Neste momento, porém, Gerrard se afasta do desenvolvimento de sua carreira no futebol europeu. Pelo começo promissor que o ex-meio-campista teve no Rangers, era de se esperar que ele pudesse assumir um clube da primeira prateleira no futuro. Contudo, o desempenho à frente do Aston Villa deixou mais dúvidas do que certezas, especialmente diante da maneira como o time se transformou a partir da chegada de Unai Emery. As esperanças de que Gerrard assuma um dia o Liverpool parecem mais diminutas diante de suas dificuldades no primeiro trabalho na Premier League. O Al-Ettifaq pode render dinheiro, mas não prestígio.

Gerrard entrou para a história do Rangers

Gerrard iniciou seu trabalho como treinador nas categorias de base do próprio Liverpool, em 2017, logo depois de pendurar as chuteiras com a camisa do Los Angeles Galaxy. O ídolo dos Reds ficou pouco mais de um ano à frente dos garotos do clube. Na época, recebeu muitos elogios de Jürgen Klopp por seu conhecimento e também pela maneira como geria as promessas. Não à toa, outros clubes ficaram interessados em apostar no inglês. Foi o que o Rangers fez, a partir de 2018.

Gerrard tinha uma missão enorme à frente do Rangers. O clube mais vitorioso do Campeonato Escocês vinha de sua reconstrução a partir da quarta divisão e tentava se restabelecer na elite do futebol. Gerrard mostrou sua capacidade desde a primeira temporada, ao levar a equipe para a fase de grupos da Liga Europa e ter boas sequências na Premiership. Ainda não deu para romper a hegemonia do Celtic, mas os Teddy Bears voltaram a vencer uma Old Firm depois de seis anos. Já em 2019/20, os resultados mantiveram a consistência e os Gers avançaram até as oitavas de final da Liga Europa. Estava clara a evolução sob as ordens de Gerrard.

O ápice do Rangers nesse período aconteceu em 2020/21. Enfim, o clube reconquistou o Campeonato Escocês, com uma campanha inapelável. Os Teddy Bears foram campeões invictos, com 32 vitórias em 38 rodadas e uma vantagem de 25 pontos sobre o rival Celtic. Amassaram os alviverdes em alguns dos clássicos e ainda foram bem na Liga Europa, com nova caminhada até as oitavas de final. A partir de então, Gerrard deixou uma porta aberta novamente na Premier League. Os Gers continuavam na briga pelo título da Premiership 2021/22 e apareciam na fase de grupos da Liga Europa quando a proposta para Gerrard assumir o Aston Villa chegou. Em novembro de 2021, o inglês trocou de clube, numa decisão razoavelmente entendida pela torcida escocesa.

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Trabalho à frente do Aston Villa não deocolou

O Aston Villa fazia uma aposta em Gerrard. O clube pagou £4 milhões pela rescisão do contrato e assinou com o novo treinador por três temporadas e meia. Gerrard assumiu o time à beira do rebaixamento e garantiu a permanência na Premier League em 2021/22, mas não que seu trabalho tenha sido um sucesso. Alguns jogadores renderam bem sob as suas ordens, mas os resultados ainda se alternavam demais e os Villans não deram um grande salto. Ainda não era o que os donos pretendiam, pelo nível de investimento recente. Contudo, o ex-meio-campista ganhava créditos para fazer a pré-temporada em 2022/23.

Entretanto, em vez de evoluir, o Aston Villa estagnou com Gerrard na última temporada. O time teve uma largada muito ruim na Premier League 2022/23 e só conquistou duas vitórias nos primeiros 11 compromissos. Mesmo os recorrentes duelos com times ameaçados pelo descenso não auxiliaram. Não se via uma identidade clara em campo, por mais que as muitas lesões também atrapalhassem. Em outubro, o treinador acabou demitido, com o time só uma posição acima da zona de rebaixamento. A partir de então, Unai Emery chegou a provocou uma revolução. O rendimento dos Villans cresceu enormemente e, não à toa, valeu a classificação do time para a Conference League. Ficou a impressão de que Gerrard não fazia suficiente com o grupo que tinha em mãos no Villa Park.

Até por isso, pareceu mais improvável uma nova chance para Gerrard na Premier League. Neste momento, era um nome mais indicado para apagar o incêndio em alguma equipe menor ou mesmo para buscar o acesso na Championship. Não se mostrava um técnico ainda credenciado para a Champions League. De qualquer maneira, existia a noção de que ele poderia recuperar seu prestígio ou mesmo trabalhar em uma grande liga na Europa continental. O Campeonato Saudita fica bem aquém das expectativas sobre a carreira e o próprio inglês parecia reticente com o convite. Entretanto, resolveu aceitar e certamente ganhará um bom dinheiro para trabalhar num centro alternativo, num clube que não necessariamente vem para ser campeão.

Al-Ettifaq tem tradição, mas não tantas conquistas

Fundado em 1945, o Al-Ettifaq viveu seus anos dourados na década de 1980. Foi quando o clube conquistou seus únicos dois títulos no Campeonato Saudita e também sua segunda Copa do Rei Saudita. Também teve relativo sucesso internacional, com dois troféus na antiga Copa Árabe dos Clubes Campeões. Desde então, porém, os únicos troféus foram de competições secundárias. O Al-Ettifaq disputou a Champions Asiática duas vezes no início da última década, mas também passou pela segunda divisão local mais recentemente, com o acesso conquistado em 2016/17.

O Al-Ettifaq está localizado na cidade de Damman, quarta mais populosa da Arábia Saudita e importante na costa do Golfo Arábico, mais próxima das fronteiras com Catar e Emirados Árabes Unidos. Entretanto, o clube não possui tantos atrativos em relação aos grandes concorrentes do Campeonato Saudita, até do ponto de vista financeiro. Gerrard é com sobras o treinador mais renomado a passar pela agremiação neste século, com um pouco mais de destaque ao croata Branko Ivankovic e ao polonês Maciej Skorza. Já o elenco atual reúne os brasileiros Paulo Victor e Vitinho, além de outros estrangeiros como o sueco Robin Quaison, o congolês Marcel Tisserand e o tunisiano Naïm Sliti. Ainda estão bem abaixo dos reforços dos quatro grandes.

A sétima colocação do Al-Ettifaq não é grande indicativo para Gerrard rumo à próxima temporada. Ao que parece, o treinador é mesmo a grande aposta para o clube dar seu salto na tabela. Surpreenderia menos, por exemplo, se o inglês assumisse o Al-Ahli – único dos quatro grandes que está sem treinador neste momento, após a chegada de Luís Castro ao Al-Nassr e de Jorge Jesus ao Al-Hilal. Resta saber como um clube secundário na hierarquia local conseguirá aproveitar a onda de investimento no país. Se há um projeto esportivo para ajudar Gerrard ou se ele foi mesmo atraído por alguns meses de salário mais gordo.

Where legends are found ❤️?

We’re thrilled to announce Steven Gerrard is our new head coach ✍️#GerrardEttifaqi pic.twitter.com/hgeHl1Djnu

— Ettifaq Club (@Ettifaq_EN) July 3, 2023