Noriega: Neymar repete Rivellino e, como 10 brasileiro, será garoto-propaganda árabe
Muito antes de Neymar, ainda em 1979, Rivellino foi para o futebol árabe em busca de se tornar um embaixador do primeiro projeto saudita de popularizar seu futebol
A ida de Neymar para o Al-Hilal, da multimilionária Liga da Arábia Saudita, faz lembrar de um episódio pouco lembrado pela mídia em 2023: a ida de Roberto Rivellino para o Al-Hilal, mesmo time pelo qual o atual camisa 10 da Seleção Brasileira irá atuar a partir de agora e pelos próximos dois anos.
Em meu livro “Rivellino” (Editora Contexto) dediquei um capítulo a essa história, que movimentou o futebol internacional no final dos anos 1970.
Como foi a ida de Rivellino para a Arábia Saudita?
Rivellino tinha acabado de jogar a Copa do Mundo de 1978 e retornou para o Fluminense com um problema no tornozelo direito que já o impossibilitaria de atuar 100% no futebol brasileiro, à época o maior depósito de craques do futebol mundial. Ao voltar ao Rio, foi surpreendido pela proposta feita príncipe Khaled bin Al Saud de contratá-lo para o Al-Hilal como embaixador de um projeto de popularização do futebol — exatamente o que acontece hoje com a ida de craques da Europa para o Campeonato Saudita.
Os valores que tanto o atleta quanto o clube receberam, se comparados aos pagos pelo Al-Hilal ao Paris Saint-Germain por Neymar são risíveis: foram 700 mil dólares para Rivellino e 700 mil dólares para o Fluminense. Hoje, esse dinheiro seria aproximadamente US$ 3,3 milhões, mas em 1979 era, proporcionalmente, uma bela grana, dessas que quase nenhum clube pagava por um jogador. Outros tempos.
Na Arábia Saudita, Rivellino virou Rivo
Rivellino era chamado de Rivo pelos sauditas, que não conseguiam pronunciar seu apelido, Riva, em português. Os gramados eram sintéticos e o nível técnico, muito baixo. Riva, ou Rivo, deitou e rolou em território saudita. A maioria dos times sauditas naquela época era formada por atletas amadores que recebiam presentes após os jogos — não que isso tenha mudado tanto, já que os presentes seguem sendo uma tradição, que o diga Fabinho e o Rolex recebido por jogar bem.
Os treinos aconteciam à noite, já que pela manhã o calor na Arábia Saudita beira o insuportável, e um único campo era compartilhado por até três times. Além do salário, Rivellino recebeu uma série de regalias, como casa, escola dos filhos e carro pagos pelo Al-Hilal — mais uma semelhança com Neymar, que, diz a imprensa europeia, terá uma série de mimos concedidos pelo seu time, que irão de uma mansão com 25 quartos a um estoque sempre cheio de açaí.
Rivellino na Arábia Saudita também foi alvo de polêmicas
Também houve polêmicas. Por causa de uma briga numa partida contra o Al-Ittihad, time que nesta temporada contratou os franceses Karim Benzema e N'Golo Kanté, Rivellino foi suspenso por cinco meses. A grande polêmica, no entanto, envolveu sua saída da Arábia Saudita.
Houve rumores de que ele teria chutado uma bola de propósito em direção ao camarote em que o rei estava. Outra versão circulou dizendo que um dos príncipes teria assediado a esposa do craque, e mais uma que o jogador teria assediado uma das esposas de um príncipe. Rivellino nega tudo. A verdade é que ele sempre que vai para a Arábia Saudita é muito bem recebido e homenageado.
Em campo pelo Al-Hilal, Rivo fez uma dupla inspirada com o atacante tunisiano Nejib Liman. Foi bicampeão saudita, em 1979 e 1980, e venceu uma Copa da Arábia Saudita. As fontes variam, mas as mais confiáveis apontam para 23 gols em 57 jogos. O craque brasileiro retornou ao Brasil em 1981, com 36 anos e a ideia da aposentadoria.
Ele chegou a treinar no São Paulo para manter a forma e disputou um amistoso pelo Tricolor paulista em 22 de setembro de 1981, justamente contra a seleção da Arábia Saudita (vitória brasileira por 5 a 1). Após a aposentadoria, voltou a jogar futebol em 1986, no projeto da Seleção de Masters criado pelo narrador Luciano do Valle.
Neymar chega ao Al-Hilal para vestir a camisa 10 que foi de Rivellino. Apesar da importância de Neymar para o projeto político-esportivo da Liga Saudita, quem cumpre até agora o papel representado por Riva no final dos anos 1970 e início dos 1980 é o português Cristiano Ronaldo. Mas Neymar chega pedindo passagem.