Aymeric Laporte no Al Nassr: faltaram propostas para o zagueiro de 29 anos?
Laporte deixa o Manchester City e acerta com o Al Nassr por três temporadas, mas a pergunta que fica é: o que faltou para que ele continuasse no futebol europeu?
O Al Nassr confirmou a contratação de Aymeric Laporte, zagueiro de 29 anos do Manchester City, que recebeu €27,5 milhões por ele (£23,6 milhões). Ele assinou contrato por três anos com a equipe saudita. Com uma proposta salarial inigualável na Europa, sua opção é por seguir a onda de jogadores que vai para o país do Oriente Médio, em vez de continuar na Europa. É uma demonstração de algo que tem se tornado frequente com o inflacionamento do mercado causado por grandes clubes europeus.
No Al Nassr, Laporte será mais um em uma legião de estrangeiros, capitaneada por Cristiano Ronaldo, a grande estrela. Além do português, há ainda David Ospina, Alex Telles, Marcelo Brozovic, Anderson Talisca, Sadio Mané, Otávio e Seko Fofana. O que potencialmente pode se transformar em um problema pelo limite de estrangeiros por time na Arábia Saudita. Ou seja: eventualmente, Laporte pode ser um dos que precise ficar de fora do jogo ou até de um campeonato.
Laporte é jogador da seleção espanhola. Vinha sendo usado muitas vezes como titular do time. A Eurocopa está no horizonte e acontece no próximo ano, em 2024, na Alemanha. Ir para a Arábia Saudita é inevitavelmente um risco para a competitividade e o técnico da seleção, especialmente uma seleção europeia, pode não ver com bons olhos um jogador que foi para um mercado como o saudita. Ou seja: essa transferência pode custar a ida para a Eurocopa. Mesmo assim, Laporte decidiu ir. O dinheiro é uma questão óbvia, mas é preciso entender esse processo todo e o que ele pode causar em um futuro próximo.
Yes, He is Laporte 🤩✅ pic.twitter.com/WqEQNNzDkr https://t.co/MAyBsS2jTo
— AlNassr FC (@AlNassrFC_EN) August 24, 2023
Outros clubes se interessavam por Laporte?
Havia algum interesse de outros clubes europeus por Laporte, mas, para começar, as propostas não eram nem perto do que ele receberá na Arábia Saudita. O zagueiro receberá £21 milhões por ano jogando no Al Nassr (€25 milhões). Evidentemente, isso não tem como concorrer. Nenhuma proposta de clubes europeus poderia sequer chegar perto disso, mesmo considerando grandes clubes do continente.
Dizer que Laporte não tinha opções na Europa não é verdade. O Arsenal chegou a considerar uma proposta pelo jogador antes de decidir por Jurrien Timber, do Ajax. O Aston Villa também considerou o jogador, enquanto a negociação com Pau Torres não andava, mas quando ela aconteceu, o interesse desapareceu.
O Athletic Bilbao, seu ex-clube, tinha esperanças de o levar de volta, mas a sua proposta financeira era para receber menor do que o jogador recebia no Manchester City. Além disso, o jogador considerou que seria um passo atrás na sua carreira voltar ao clube de onde saiu em 2018. O desejo de Laporte era uma transferência para um clube maior e o seu sonho era Barcelona ou Real Madrid, mas nenhum dos dois pareceu querer fazer a contratação.
Outros clubes tinham interesse, mas esbarraram em outros motivos. A Juventus, por exemplo, surgiu em rumores como um potencial interessado. O Crystal Palace também teve interesse no jogador. Só que os dois clubes não se sentiram atraídos particularmente pelo valor pedido pelo Manchester City pelo jogador, algo em torno de €25 milhões. Em um mercado com valores tão altos, esse não parece um valor estratosférico, mas a Juventus não está na Champions League e muito menos o Crystal Palace.
Arábia Saudita faz o que Manchester City sempre fez: inflaciona o mercado
Um ponto que precisamos retornar para entender a falta de opções que convençam Laporte a continuar na Europa é o salário. Clubes como o Manchester City estão há anos inflacionando o salário dos jogadores. Times endinheirados costumam fazer isso: para convencer os jogadores a ir para lá, é preciso colocar mais dinheiro.
No caso de um time como o Manchester City, hoje isso não é mais tão necessário quanto foi em 2008, por exemplo, quando o time estava longe de ser competitivo como atualmente. Ao mesmo tempo, você não pode oferecer um salário ao jogador que é muito mais baixo do que os dos seus companheiros.
Laporte tinha um salário de €7,3 milhões por ano no Manchester City. É um salário alto, mesmo considerando grandes clubes. Não estava entre os mais bem pagos dentro do Manchester City, mas seria o suficiente, por exemplo, para ser o maior salário do Crystal Palace, clube que se interessou pela sua contratação. Ou seja: o Palace teria não só que desembolsar um valor que não estava disposto, mas pagar um salário que o tornaria o mais bem pago do elenco. O que tem sempre potencial para causar problemas, porque outros jogadores que forem bem no time pedirão um salário igual ou maior e você cria um inflacionamento na sua folha salarial.
Dear Cityzens, today I wanted to share a story with you…
It has lasted for five and a half unforgettable years. Plenty of memories that I will keep forever close to my heart. pic.twitter.com/hR2e5CWfVi
— Aymeric Laporte (@Laporte) August 23, 2023
O Athletic Bilbao tem apenas Iñaki Williams com salário superior ao que recebia Laporte: Iñaki Williams, que tem rendimentos de €11,4 milhões por temporada. O segundo mais bem pago, o goleiro Unai Simon, da seleção espanhola, recebe €4,2 milhões por temporada. Então, realmente seria complicado pagar mais do que o jogador recebia na Inglaterra.
O maior salário da Juventus é de Dusan Vlahovic, que recebe €12,9 milhões por temporada. Danilo, que se tornou capitão do time e atua como zagueiro, recebe €5,1 milhões por temporada. Bremer, que foi contratado em um leilão com a Inter, recebe mais: €9,2 milhões por temporada. Seria possível contratar Laporte, mas sem um aumento tão significativo em relação ao que ele recebe. Mas, para isso, o clube precisaria rescindir com Leonardo Bonucci para abrir espaço em sua folha salarial — algo que aparentemente não será fácil.
Real Madrid e Barcelona têm folhas salariais que os rendimentos de Laporte não parecem altos demais. Mesmo assim, o time tem nomes que precisaria negociar, se quisesse mesmo contratá-lo — o que, até onde sabemos, não foi o caso. O time preferiu contratar Iñigo Martínez, ex-Athletic Bilbao. O Real Madrid tem Nacho Fernández, por exemplo, com salário maior do que Laporte recebia no Manchester City.
Mas veja: Barcelona e Real Madrid são exceções. São clubes que também inflacionam o mercado de salários e por vezes têm dificuldades de negociar seus jogadores, que quase sempre precisam baixar seus salários para trocar de clube.
Como exemplo, a Inter de Milão negocia para contratar Benjamin Pavard, jogador da seleção francesa. O francês joga no Bayern, um clube que tem uma política salarial mais austera em relação aos seus pares gigantes da Europa. Pavard recebe €5 milhões por temporada. Um salário que está dentro do que o clube normalmente paga. Para alguém querer pagar mais a Laporte, seria preciso que ele estivesse em um momento melhor.
Tudo isso para dizer: quando o jogador vai para um clube como o Manchester City, ou o PSG, ou o Real Madrid, ou mesmo o Barcelona, esses clubes oferecem um salário que a maior parte dos outros clubes não poderão ou não quererão pagar. E aí vira uma questão: o jogador quer jogar em outro clube ou só aceita se for pelo mesmo salário? Ele tem todo direito de não querer baixar seu salário, mas sabe também que isso diminui o seu mercado.
O que a Arábia Saudita está fazendo é o que esses superclubes fizeram durante os últimos anos, só que com esteroides. Quando esses contratos acabarem ou quando algum desses jogadores quiser sair da Arábia Saudita para ir para outro mercado, seja a Europa ou outro qualquer, o seu salário não será o mesmo de antes.
Quem vai para ganhar €20 milhões por ano vai aceitar ganhar quanto quando sair de lá? Dificilmente vai aceitar diminuir muito o seu ganho. Então, quem quiser contratá-lo terá que pagar um salário alto, possivelmente mais alto do que pagaria se o tirasse do Manchester City. E vira uma queda de dominós: se você aceita pagar por um, os outros do seu elenco vão querer também. Outros que você for contratar também irão querer esse padrão.
Indiretamente, isso também causa uma inflação: o jogador cotado para substituir aquele que foi para a Arábia Saudita vai querer receber mais do seu clube atual para não sair. Ou mesmo o jogador que tiver uma proposta da Arábia Saudita e outra de um clube europeu ou sul-americano fará com que essas propostas aumentem até o limite para tentar vencer a concorrência com os sauditas. É um inflacionamento inevitável. E que depois, pode se tornar um problema se o jogador não consegue render ou se o clube precisa negociá-lo.
O inflacionamento é uma cadeia que afeta todos e, no fim, pode afetar até a carreira dos jogadores. A Arábia Saudita só está escancarando e aumentando um problema que já existia. E pelo que estamos vendo, é muito possível que esse problema não vá diminuir nos próximos anos.