Sul-Americana

O vice dói, mas o Fortaleza indica que essa final não será um feito isolado

Apesar da derrota sofrida nos detalhes para a LDU Quito, o Fortaleza tem motivos para acreditar que a decisão da Sul-Americana não será algo tão isolado assim

Toda derrota é amarga. Ainda mais numa final continental, a primeira da história do clube. Especialmente quando o título ficou tão perto, em certo momento a só um pênalti convertido de se concretizar. O Fortaleza sabe que perdeu uma oportunidade imensa na decisão da Copa Sul-Americana, única em sua história de 105 anos. Contudo, se há um consolo, é a sensação de que outros momentos igualmente grandes estão por vir ao Leão do Pici. Está claro como a campanha até o Uruguai não foi um fato isolado. O Tricolor trabalhou para isso e mereceu chegar tão longe. Tem uma base formada para outros passos mais.

O Fortaleza é exemplar pela forma como transformou sua história. De um time atolado na terceira divisão e que, somente três anos depois do esperado acesso, chegou pela primeira vez a uma competição continental. O segredo do Leão do Pici foi exatamente não se acomodar em seus louros. O clube construiu fora de campo, a partir do que se conseguia dentro das quatro linhas. As vitórias alimentaram decisões acertadas na gestão e, a partir disso, os tricolores atingiram novos triunfos. Foi vice-campeão da Série C, depois campeão da Série B, em pouco tempo quarto colocado da Série A e também semifinalista da Copa do Brasil. Paralelamente, atingiu feitos inéditos no âmbito regional, com os dois primeiros títulos na Copa do Nordeste e um inédito penta no Cearense.

Definitivamente, o Fortaleza não é mais um time regional, como por tanto tempo foi visto. Olhar o Leão do Pici na metade de cima do Campeonato Brasileiro é natural. Da mesma forma que os tricolores também se acostumaram ao cenário continental. Tudo bem que há um exagero de vagas nos torneios sul-americanos, por culpa da Conmebol. O Tricolor, no entanto, superou mesmo esse inchaço para estabelecer seu novo sarrafo. Se o Fortaleza garantiu vaga direto na fase de grupos da Libertadores, os méritos disso estão expressos. E também da competitividade que se nota além das fronteiras.

Afinal, o Fortaleza sabe usar a situação a seu favor. O clube bem gerido e estabelecido no Brasileirão passou a atrair jogadores de renome no futebol nacional. Tantos medalhões aceitaram a proposta do Leão do Pici e corresponderam. Agora, há também promessas talentosas que firmam compromisso com os tricolores. E a fama internacional também atrai referências estrangeiras. Se o futebol brasileiro paga bem e tem mais chances de sucesso nos torneios internacionais, natural ver tantos gringos, sobretudo argentinos, brilhando no Castelão. É uma das bases da ascensão.

O Fortaleza, além do mais, foi muito coerente nas escolhas de seus treinadores. Nem sempre acertou, mas arriscou em nomes interessantes e também acertou em cheio. Rogério Ceni pode ter deixado mágoas no Pici pela forma como saiu duas vezes, mas o Leão cresceu a partir de suas ideias, tanto de jogo quanto de modernização de estruturas. Juan Pablo Vojvoda foi muito além, com um time ainda melhor dentro de campo e contratações importantes fora dele. O Fortaleza sob as ordens do argentino se acostumou a bater qualquer clube brasileiro, tantos até por goleada. E também não se intimida fora do país.

Já nos bastidores, o nome do presidente Marcelo Paz é transformador ao Fortaleza. Assumiu logo depois do acesso na Série C e construiu os degraus subidos pelo Leão do Pici desde então. É um clube bem administrado, que faz um trabalho profissional em sua estruturação para atingir o patamar atual. Que, além do mais, sabe mirar nos potenciais que possui. Consegue dominar um mercado e fazer muito a partir de sua representatividade local. Se antes muitos clubes do Nordeste eram vistos como marginalizados, o Tricolor se colocou no centro das discussões.

(Icon Sport)

Especialmente porque o centro das decisões do Fortaleza é a principal parte do clube, a sua torcida. O Leão do Pici valorizou os fiéis que o seguiram nos tempos mais tortuosos e surfou junto com a massa a partir da ascensão. O Castelão reformado se tornou uma baita ferramenta nas mãos do clube, que lota o estádio e satisfaz a multidão. É um time protagonista porque também dá protagonismo à sua torcida. Os projetos de marketing estão entre os melhores do país. E ainda há novas fronteiras a se avançar, como a própria ideia de SAF que se relacionará com os torcedores, não com investidores alheios. Nisso também o Laion é vanguarda.

Uma final pode ser perdida nos detalhes. A impressão é de que isso aconteceu em Maldonado. O Fortaleza não foi sua melhor versão, mas também não foi pior do que a LDU Quito. Fez uma partida equilibrada, melhor em bons momentos, mas sem ir além do empate por 1 a 1. Na disputa por pênaltis, a vitória poderia sair para qualquer um. Veio a quem contou com batedores mais precisos e um goleiro mais iluminado. Mas não que isso seja um demérito do Leão do Pici. O clube fez o possível, e vinha de uma campanha muito consistente. A impressão é de que se a final fosse em dois jogos, 180 minutos, o Tricolor teria até mais chances. A LDU conta com sua força no Casa Blanca e a altitude, mas tantas vezes o Laion se mostrou confortável como visitante e ainda tinha o diferencial da pressão da torcida no Castelão.

Fica para outra hora. Não parece que a Copa Sul-Americana vai acontecer só uma vez na vida para o Fortaleza. A história do Leão do Pici é diferente de outros clubes brasileiros que chegaram à decisão do torneio continental quando estavam mal no Brasileirão, dependendo de milagres nos mata-matas e do caminho aberto num torneio então desvalorizado. Atualmente a Sula é tratada de uma forma bem melhor por seus postulantes e encorpou. Não à toa, o Fortaleza é um time que até começou na Libertadores e chegou longe. Sua presença na final nunca soou como acaso.

Óbvio, uma final continental também não acontece num estalo. São vários fatores necessários além da competência em si, como a própria sorte no chaveamento e o nível dos adversários. Fica para outra hora, mas não é toda hora. E a hora do Fortaleza poderá ser de outra maneira. Quem sabe para uma semifinal de Libertadores, quem sabe para uma campanha ainda melhor no Brasileirão, que sabe para um título de Copa do Brasil. As condições existem, especialmente se o Leão do Pici continuar ampliando seus horizontes a partir do que dá certo. A manutenção de Juan Pablo Vojvoda, com todo respaldo que conta, é um acerto e ainda pode render mais.

Há outras variáveis que entram em jogo, como a própria disparidade econômica em relação aos clubes do Brasil que dominam as competições recentes. Ainda assim, o Fortaleza atua para não ficar à mercê disso e ter uma sequência mais consistente, por outros caminhos. Pode ser até que algum temor pinte em certo momento, como foi no caótico primeiro turno do Brasileirão passado. Mas nem isso fez o Leão do Pici se desesperar e mudar tudo de uma vez. Há uma lógica no que é feito e não parece tão próximo de descarrilar. Os tricolores demonstram convicção, o que sempre é muito importante.

Hoje, o Fortaleza é capaz de contratar jogadores de gigantes como River Plate e Colo-Colo. É capaz de botar pressão em qualquer oponente da América do Sul. É capaz de pintar como favorito numa decisão continental contra uma camisa pesada, como a da LDU, e cair de cabeça erguida, sob a certeza de que não deixou de lutar. O presente pode não ser o mais doce ao Fortaleza por aquilo que aconteceu no Uruguai, mas esse sonho perdido é mil vezes melhor do que os repetitivos pesadelos do passado. E indicam como ainda dá para esperar mais do futuro, porque é pensando lá na frente que o Leão caminha.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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