Dor vira combustível: o que move Jhon Arias por título da Libertadores pelo Fluminense
Em entrevista à Trivela, Jhon Arias fala de influência de avó e família na carreira e conta como quase deixou o futebol pela medicina

O torcedor que se levanta quando Jhon Adolfo Arias Andrade aparece no telão do Maracanã não imagina como a história poderia ser diferente. Por muito pouco, o colombiano não desistiu de estar ali. Um dos grandes jogadores do Fluminense, o atacante de 26 anos por pouco não trocou o futebol pela faculdade de medicina, e quase pediu para deixar o clube no momento mais difícil de sua vida.
Ainda bem para os tricolores que essas páginas ficaram de fora da história que parece ser de realismo mágico do colombiano que tem 129 jogos, 23 gols e 31 assistências pelo clube.
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— Fluminense F.C. (@FluminenseFC) September 21, 2023
Em quase uma hora de conversa com a reportagem da Trivela na sala de imprensa do CT Carlos Castilho, o craque contou sua história desde a pequena Quibdó, sua cidade natal, até a idolatria no Brasil.
Assim como o compatriota Gabriel García Márquez, autor de seu livro favorito “Cem anos de solidão”, ele não quer se deixar envelhecer, pois não pára de sonhar. “Eu tenho muitos sonhos, para agora, para amanhã e para o futuro”.
Antes de jogar uma Copa do Mundo pelo seu país, o “ápice do futebol” em sua opinião, entretanto, Jhon Arias, hoje titular de sua seleção, tem um sonho mais próximo: a Libertadores da América.
De imediato, meu maior sonho é ganhar a Libertadores, como qualquer tricolor no mundo.
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Para isso, vencerá as dores de uma lesão que o fez trocar os sorrisos pelo choro. Na maca após se lesionar no clássico contra o Vasco, Arias não conseguia disfarçar a dor nem o medo. Mas, garante, estará no campo no Maracanã na quarta-feira (27), quando o Fluminense terá o primeiro jogo contra o Internacional pelas semifinais da Libertadores.
— Estou com um pouco de dor, mas nada que me tire do jogo. Só se eu quebrasse algo que não jogaria. Estou tratando, me cuidando, e muito motivado para o jogo.
Se inferniza defesas adversárias pela América do Sul, o atacante de 1,68m manteve o tom de voz baixo e a fala tranquila enquanto o rosto mudava apenas para sorrir. Só quem já passou por tantos momentos ruins sabe valorizar a alegria.
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Perda de avó fez Arias pensar em deixar Fluminense
Jhon Arias já conhecia o Fluminense pelo nome desde que Asprilla, um de seus ídolos, jogou pelo clube em 2001. Mas foi em 2021, pelo Independente Santa Fé, na competição continental, que o Flu conheceu Jhon Arias, insinuante ponta da equipe de Bogotá.
O apoio incondicional de sua família na decisão de “forçar a saída para o Brasil”, em suas palavras, diminuiria após um baque. A avó Concepción Becerra Rentería morreu e deixou uma ferida para sempre aberta em seu coração.
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Tanto que Jhon Arias cogitou voltar para a Colômbia poucos dias depois de chegar ao Brasil.
— A vida vai muito além do futebol, tem muita coisa mais importante. A família sempre está na frente. Foi o momento mais difícil da minha vida, com certeza. Minha avó foi uma das pessoas que mais me deu forças para vir para o Brasil, que era um dos meus sonhos. Perder uma pessoa tão especial me machucou muito. O falecimento dela me deu um recado ruim. Eu vim por ela, não parecia fazer sentido seguir aqui sem ela — admitiu.
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A dor, entretanto, virou combustível para Arias. Como numa frase conhecida de Gabo: “A vida não é mais do que uma contínua sucessão de oportunidades para sobreviver”.
Decidido a homenagear sua avó, sempre em sua cabeça a cada vez que entra em campo, o atacante abdicou das férias, pediu para voltar aos treinos antes e teve como recompensa a melhor temporada de sua carreira em 2022.
— Desde que cheguei sabia que jogar em um gigante do Brasil era uma grande responsabilidade. E estava muito consciente do que eu podia dar ao clube. O que me mantém em pé é a vontade de homenageá-la triunfando aqui. De 2021 para 2022 eu fiquei apenas seis dias de férias. No sétimo dia pedi para vir ao clube treinar. Eu falei “sei quem sou, o jogador que sou, preciso melhorar e quero trabalhar por isso”. Aí, então, com muito trabalho, tive o melhor ano da minha vida — contou.
Na pobre Quibdó, Arias quase trocou futebol pela medicina
Em um dos departamentos mais pobres da Colômbia, Chocó, está Quibdó, onde Jhon Arias cresceu. O panorama era de violência e abandono social, e sua família, embora lhe desse o necessário, vivia com pouco luxo. Os caminhos errados, entretanto, nunca estiveram em sua cabeça.
— Quando você cresce em um ambiente difícil, você desde pequeno cria um caráter forte, e isso ajuda no futebol. Te faz encarar a dificuldade com esperança, com a vontade de prosperar. Sou um bom exemplo de que a perseverança sempre traz bons frutos. No meu caso era fácil desistir. Vivi em uma cidade perigosa, rodeada de favelas, muito difícil de prosperar, mas nunca me interessei por nada de errado.
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Dedicado aos estudos, Arias só poderia tentar a sorte fora de Quibdó depois que terminasse a escola, como determinou sua mãe, Mónica. Aos 16 anos, ele saiu da cidade para a gigante Cali, mais de 400km distante da casa em que cresceu, para jogar pelo pequeno Boca Juniors-COL, então na segunda divisão. O sonho parecia mais distante que seguir nos estudos até uma faculdade.
— Teve uma época em que eu pensei em deixar o futebol de lado e fazer uma faculdade. Queria ser médico. Na cidade em que eu cresci, também era muito difícil ser jogador. Falta oportunidade. É uma cidade pequena, sem clubes, precisa sair de lá para Medellín ou Cali. A gente não enxerga a oportunidade perto de nós — explicou.
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Nos campos desde os quatro anos, ainda pela escola e só aos finais de semana, a ligação de Jhon e sua família com o futebol lhe fizeram acreditar em virar jogador.
— Chega uma hora em que começamos a enxergar o futebol diferente, uma chance de mudar sua vida e de sua família. Eu fui muito afortunado, privilegiado de conseguir chegar onde cheguei. Lembro disso com felicidade e gratidão. Não era fácil, mas Deus me permitiu chegar aqui e desfruto muito disso.
Pensamento ‘no futebol e na vida' aproxima Arias e Diniz
Foi também sua visão do futebol e da sociedade que lhe aproximou de Fernando Diniz, a quem teceu fortes elogios na entrevista. Em algumas respostas, repetiu o que pensa o treinador sobre a história de vida dos jogadores.
Ainda que não queira ser técnico depois da carreira de jogador, o colombiano tem um olhar sensível às questões sociais, fruto de muita leitura desde Quibdó até os dias atuais. Também por isso, não titubeou ao apontar a principal qualidade de seu comandante: “Ele merece viver seus sonhos, porque se preocupa com o ser humano”.

— Fernando é um cara um cara com quem me dou bem, temos ideias muito parecidas sobre futebol e sobre a vida. Consigo entendê-lo muito bem. Nós vamos pelo mesmo caminho quase sempre.
E o livro favorito do craque Jhon Arias é “Cem Anos de Solidão” do Gabriel García Márquez.
O que acha? pic.twitter.com/ZeD6yvhqj6
— Professor Felipe Duque (@felipeduqueflu) May 5, 2023
Os elogios só pararam quando Arias projetou o confronto marcado para 16/11, quando a seleção brasileira, comandada por Fernando Diniz, visita a Colômbia, em Barranquilla.
— Deixa ele. Vou esperar ele lá (risos). Torço sempre por ele, mas esse dia será diferente — brincou.
Arias começou no México e estreou na Colômbia contra Cano
Depois que decidiu que seu futuro seria no futebol, Arias foi para Cali e atuou nas divisões de base do Boca Juniors-COL. Com certo destaque, atraiu a atenção do rico futebol mexicano e acabou no meio do deserto. No Tijuana e depois no Dorados de Sinaloa — clube onde jogou Pep Guardiola e que foi treinado por Diego Maradona — ultrapassou as barreiras de viver sozinho e longe de seu país, para onde ainda voltaria.
As temporadas na América do Norte serviram de aprendizado para o início no Patriotas, recém promovido à primeira divisão na Colômbia. E foi lá que uma história de amor para os tricolores começou.
Se hoje é companheiro inseparável de Germán Cano, Jhon Arias, ainda menino, fez seu primeiro jogo na elite do país contra o Independiente Medellín que tinha no argentino seu grande craque.
— Ele fez um gol, claro (risos), mas ganhamos de 2 a 1. Foi marcante, minha primeira partida na primeira divisão. Me lembro muito do Germán na Colômbia, principalmente no Independiente Medellín, ele era muito respeitado por lá quando comecei. Nós nos enfrentamos em muitos jogos — contou.

O destaque no Patriotas lhe levou aos gigante America de Cali, onde conquistou o título do Campeonato Colombiano, em 2020, e ao Independiente Santa Fé, última parada antes de reencontrar Cano, agora seu parceiro, no Fluminense. Juntos, eles somam 100 gols e 39 assistências desde que viraram uma dupla de ataque. O colombiano deu 16 passes para o argentino balançar as redes.
Arias imagina loucura se Fluminense chegar à final da Libertadores
O jogo da semana, claro, também esteve em questão na conversa. Arias tentou evitar, mas foi só falar a palavra Libertadores que seus olhos começaram a brilhar. Cauteloso, entretanto, ele projeta um confronto dificílimo contra o Internacional, pelas semifinais.
— É um jogo muito difícil. Semifinal de Libertadores. O Inter tem um time muito bom e não está onde está à toa. Somos um time muito bom também, com muitas peças, estamos em um momento especial e temos a motivação da final ser o Maracanã. Sabemos que esse título é o sonho de todo tricolor. Vamos fazer de tudo para vencer aqui, vencer em Porto Alegre e chegar à final, com muita humildade e respeito ao nosso grande adversário — disse.

O “colombiano mais amado do Brasil”, como é chamado pelo Fluminense nas redes sociais, entretanto, não conseguiu esconder que a decisão da Libertadores lhe deixa como um torcedor.
— Prefiro nem pensar nisso. Acho que será uma loucura, mas tenho que ser cauteloso, porque temos um rival muito forte pela frente que tem o mesmo sonho que nós. Temos dois jogos muito difíceis pela frente. O cenário de 4 de novembro, no Maracanã, em uma final, claro que qualquer um fica louco da cabeça — afirmou.
Amanhã tem entrevista especial na @trivela.
O @jhonariasa falou sobre sua vida na Colômbia, o início no Mexico, admitiu que já pensou em deixar o Fluminense e desistir do futebol.
O colombiano não fugiu da resenha. Até o próprio casamento perdeu pra final da Libertadores. ? pic.twitter.com/bvUmYM3z3h
— Caio Blois (@caioblois) September 26, 2023
De casamento marcado para dezembro com sua noiva, Alejandra, Arias vê 2023 como o ano de sua vida. Mas ainda falta um final feliz.
— Tomara que termine muito melhor. Na seleção estou sendo bem acolhido, fazendo meu trabalho, e tenho meu sonho de me afirmar, continuar jogando bem, trilhar esse caminho para jogar a Copa do Mundo, estou vendo o meu sonho mais perto. É um ano especial pessoal e profissionalmente. Tomara que eu chegue em dezembro e tenha um final ainda mais feliz.