Libertadores

Sem ser rico no Brasil, Fluminense prova abismo econômico entre países da Libertadores

Campeão, Fluminense tem apenas a 11ª folha salarial da Série A e ajuda Brasil a bater recorde na Libertadores, mas é mais rico que concorrentes de outros países

O Fluminense foi campeão da Libertadores pela primeira vez, mas o Brasil quebrou o recorde de títulos consecutivos da competição, com cinco. Mesmo sem ser um clube rico na realidade do futebol brasileiro, o Tricolor provou que existe um abismo econômico entre o nosso país e os concorrentes na América do Sul.

Embora tenha apenas a 11ª folha salarial da Série A do Campeonato Brasileiro, o Flu conseguiu montar um elenco forte por cerca de R$ 9 milhões mensais, ou R$ 108 milhões anuais. O clube gastou pouco com compras no mercado e arrecadou bem mais com premiações do que venda de jogadores em 2023, mas o ano é claramente um caso a parte na história recente do Tricolor.

 

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Para exemplificar a diferença, foi preciso vasculhar as contas do Boca Juniors, adversário derrotado na final. Hoje o segundo clube mais rico da Argentina, atrás apenas do arquirrival River Plate, os xeneizes tem uma folha salarial um pouco superior: R$ 113,5 milhões, de acordo com o site Capology, especializado em finanças do futebol pelo mundo.

As contas do Boca são públicas, e é possível verificar uma pequena diferença de R$ 4,5 milhões anuais que significam os gastos com comissão técnica e funcionários do futebol. Bem menos, por exemplo, do que recebem Fernando Diniz e seu estafe, que estão bem longe de receberem os maiores salários do Brasil.

Brasileiros levam vantagem nas finanças na Libertadores

Seja pela moeda mais forte ou pela derrocada econômica de seu principal concorrente, a Argentina, o Brasil costuma concorrer em vantagem nas finanças na Libertadores. Clubes brasileiros que possuem gastos “médios”, como o Fluminense, estariam entre os mais ricos entre todos os países da América do Sul.

Para efeito de comparação, nos anos 2000, apenas dois clubes colombianos, um equatoriano e um paraguaio faturaram a Libertadores. A Colômbia foi a última a furar a dicotomia Brasil e Argentina, em 2016, com um título do Atlético Nacional.

Fluminense se sobrepôs e eliminou o Olimpia, do Paraguai, um dos três clubes fora de Brasil e Argentina a conquistar a Libertadores nos anos 2000 - Foto: Icon sport
Fluminense se sobrepôs e eliminou o Olimpia, do Paraguai, um dos três clubes fora de Brasil e Argentina a conquistar a Libertadores nos anos 2000 – Foto: Icon sport

Com o aumento da competição, para piorar, é comum que oito ou nove clubes brasileiros estejam na Libertadores. Isso pode corresponder a mais de 25% dos times na disputa. Países como Bolívia, Venezuela, Paraguai, Chile e Uruguai há tempos não conseguem mais competir com Brasil e Argentina. O Equador, com projetos especiais de futebol como o Independiente del Valle — e a altitude, é quem mais se aproxima disso.

Por outro lado, a saída do México fez diferença: os clubes norte-americanos também estão com mais “bala na agulha” que os da América do Sul, em linhas gerais.

Mais ricos de outros países estariam longe de top 5 do Brasil

O time de Medellín tem a segunda maior folha salarial do país em 2023, atrás do Junior, de Barranquilla. Ambos gastam entre 7,5 e 8 milhões de dólares por ano, ou cerca de R$ 39,5 milhões, ou R$ 3,3 milhões por mês. Isso é menos do que o Goiás, que paga R$ 5 milhões mensais ao seu elenco profissional, o mais barato da primeira divisão do Brasil.

Mais rico da Libertadores fora do Brasil, River Plate foi goleado por 5 a 1 pelo campeão Fluminense na campanha do título da Libertadores (Foto: MAILSON SANTANA/FLUMINENSE FC)
Mais rico da Libertadores fora do Brasil, River Plate foi goleado por 5 a 1 pelo campeão Fluminense na campanha do título da Libertadores (Foto: MAILSON SANTANA/FLUMINENSE FC)

Mesmo o River Plate, clube mais rico da Argentina, não chegaria entre as cinco folhas mais caras do Brasil. Os R$ 140 milhões investidos pelos Millonarios em 2023 (R$ 11,3 milhões por ano) colocariam o clube no patamar de Internacional e Botafogo, que não alcançam, ainda, Flamengo, Palmeiras, Corinthians, São Paulo e Atlético-MG, os mais opulentes do Brasileirão.

Mesmo assim, título do Fluminense na Libertadores é recado ao futebol

Ainda que esteja em um patamar financeiro alto para a Libertadores, o título do Fluminense é um recado ao futebol. Tanto que Fernando Diniz fez questão de destacar o peso do dinheiro nas grandes conquistas em sua entrevista coletiva após o título.

— Estou muito feliz de estar aqui vivendo isso com o Fluminense e com as condições que o clube me dá. É um grande sonho que se realiza. Você sabe que vai ganhar quase sempre o time que tem mais dinheiro. Mas a gente subverteu essa lógica. A gente tem uma folha que gira em torno de R$ 8 a 10 milhões, a gente faz muita coisa com recurso médio. Isso é importante. A força do trabalho nos faz competir — declarou, em resposta à Trivela.

Fernando Diniz nos braços da torcida após o Fluminense conquistar o título da Libertadores (Foto: Icon Sport)
Fernando Diniz nos braços da torcida após o Fluminense conquistar o título da Libertadores (Foto: Icon Sport)

Diniz, inclusive, criticou análises que colocam clubes de diferentes patamares financeiros no mesmo lugar na hora das conquistas. O treinador destacou que as condições que o Fluminense tinha fazem o título ficar ainda maior.

— O Fluminense ganhar sob as condições que tem hoje é um grande prêmio e é uma coisa para ser valorizada por todo mundo. Não é um Fluminense abastado, pode comprar quem quiser. É tudo apertado, às vezes atrasa, tudo ajustado, não adianta querer contratar um jogador para resolver porque é caro. Precisa se dedicar mais para evoluir aqueles que ali estão e fazer que esses jogadores sejam melhores. Eu sempre considero os jogadores que estão comigo os melhores. Tenho essa crença que o trabalho pode fazer com que eles melhorem e voem muito alto, e a gente tem conseguido isso no Fluminense — opinou.

Dinheiro? Força do Fluminense está no lado humano do futebol

O título da Libertadores, ainda para Fernando Diniz, é uma demonstração de força da aposta do Fluminense no lado humano do futebol. O técnico acredita que o esporte pode e deve ser um mecanismo de mudanças sociais para todos. E vê que o clube está no caminho para fazer dessa ideia uma realidade.

Fernando Diniz abraça John Kennedy após o título da Libertadores do Fluminense: treinador tem relação especial com heroi da final - Foto: LUCAS MERÇON / FLUMINENSE F.C
Fernando Diniz abraça John Kennedy após o título da Libertadores do Fluminense: treinador tem relação especial com heroi da final – Foto: LUCAS MERÇON / FLUMINENSE F.C

Seu título é importante, também, para que sua voz seja ampliada e o discurso vire prática em mais lugares no futebol, que já foi chamado pelo treinador de “máquina de moer gente”, ao falar de casos como o de John Kennedy, o herói da conquista.

— Sou muito feliz por ter essas pessoas e os anônimos no CT. O Fluminense é muito mais do que você consegue identificar no campo. É muita gente trabalhando pelo bem-estar geral. A gente tem uma liderança do Mário e do Paulo Angioni, dois caras importantes no processo. Seu Paulo é um especialista em harmonizar ambientes, e o Fluminense é assim, entre todo mundo. Todo mundo é gente. Eu sou treinador, mas sou igual ao porteiro, ao faxineiro. Tem pouca diferença entre a gente. Isso talvez seja a maior força do Fluminense. A preocupação com as pessoas. A gente consegue tirar mais das pessoas desse jeito. Doando mais, as pessoas acabam devolvendo mais.

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Caio Blois

Caio Blois nasceu no Rio de Janeiro (RJ) e se formou em Jornalismo na UFRJ em 2017. É pós-graduado em Comunicação e cursa mestrado em Gestão do Desporto na Universidade de Lisboa. Antes de escrever para Trivela, passou por O Globo, UOL, O Estado de S. Paulo, GE, ESPN Brasil e TNT Sports.
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