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Valeu cada centavo

Quem entra no blog da Trivela há de se lembrar do texto “O meu goleiro”, que escrevi aqui logo no início de junho, à guisa de homenagem a Edwin van der Sar, meu jogador predileto, que se aposentava (quem não tiver lido, clique aqui). E eu o terminava assim: “Talvez eu não tivesse prometido para mim mesmo que estarei lá, em Amsterdã, no dia 3 de agosto, vendo o jogo de despedida dele. Porque eu preciso agradecer, de algum modo, por ter vivido tantas emoções.” Pois bem, cumpri a promessa. E conto a história agora, como epílogo. E já aviso a Caio Maia: o post vai ser grande.

A ópera começou no dia 22 de junho: nesse dia, às 4 da manhã de Brasília, as vendas foram abertas a quem não possuía o “cartão da temporada” do Ajax (espécie de “sócio-torcedor”, que dá prioridade na compra dos ingressos, essas coisas). Acordei às 5h45, até porque tinha faculdade. Mas, antes mesmo de tomar banho, comprei o ingresso. Lugar ótimo, a poucos metros do gramado. Paguei no cartão de crédito. 28 euros – o que, junto da taxa por compra no exterior, deu uns 68 reais. Como eu já planejava viajar para a Holanda no meio do ano, tudo dentro dos conformes.

Para já entrar no clima, cumpri outra promessa feita aqui no blog: comprei a biografia de Van der Sar, feita pelo jornalista Jaap Visser. A admiração não me impediu de ficar surpreso. Falando sério: em termos de projeto gráfico e iconografia, a melhor biografia de um atleta que já li em meus 25 anos de vida. Esperava um livro em formato comum, semelhante ao “Estrela Solitária – um brasileiro chamado Garrincha”, a grande biografia de jogador que temos aqui no Brasil. O que vi foi o chamado “livro de arte”, com capa dura, papel bonito, muitas fotos (incluindo o primeiro flagrante de Van der Sar como goleiro, ainda como criança)…

Até que chegou a quarta-feira passada. Fiz algo ridículo, que nunca esperava fazer na vida – e acho que nunca mais farei: levei um cartaz, onde escrevi com caneta piloto: “Sar, ik kwam uit Brazilië alleen om jouw afscheid wedstrijd te zien. Jij bent mijn held!” (Sar, eu vim do Brasil só para ver seu jogo de despedida. Você é meu herói!). Ele não viu. Mas o pessoal próximo a mim na arquibancada viu. E achou legal. Tiraram até foto minha!

Retirei o ingresso no caixa da Amsterdam ArenA, e, lá pelas 16h20 de Amsterdã (11h20 de Brasília), entrei no estádio. Vi logo que o clima de festa estava feito: cada assento do estádio tinha uma bandeira e uma pequena revista, com o programa daquele evento – o que incluía entrevistas com os pais, a esposa, os filhos, textos de Van Gaal, Alex Ferguson, Rio Ferdinand, Frank de Boer, e por aí vai.

Às 12h40 de Brasília, com o estádio quase lotado, entraram em campo as equipes D1 (algo semelhante ao “infantil”) de Ajax e Manchester United. Nos Red Devils, joga Joe, 12 anos, filho de Van der Sar, como goleiro. Claro, o pai entrou junto do filho. O 2 a 2 que vi talvez tenha sido o melhor jogo da tarde: as crianças jogavam de modo rápido, e pareciam se divertir. E só para constar, Joe falhou no segundo gol do Ajax. Saiu pessimamente da meta.

Depois, um daqueles momentos de guardar na memória. Primeiro, ouve-se o hino do Ajax, e, depois, “Bloed, Zweet en Tranen”, canção de André Hazes, cuja temática é parecida a “Emoções”, de Roberto Carlos. Torcida cantando – arrepiante. E, quando foram anunciados os jogadores do amistoso entre Ajax de 1995 e Holanda de 1998, todas as 53 mil pessoas presentes no estádio (então já lotado) começaram a tremular as bandeiras, ao som do “Va, Pensiero”, o coro dos escravos hebreus na Babilônia que faz parte do terceiro ato do “Nabuco”, de Giuseppe Verdi – aqui no Brasil, mais conhecida como a música das propagandas do falecido Partido Liberal. Numa versão animada, como uma música de torcida, mesmo. Imagem inesquecível, que ficou nas minhas retinas – e só nelas, porque, se eu fosse me preocupar em ligar a câmera, perdia a emoção.

Então, o mestre de cerimônias do evento chamou, um a um, os jogadores. No time da Holanda de 1998, treinado por Guus Hiddink, o mesmo comandante da Oranje naquela Copa, até havia gente que jogou aquele Mundial, como Bergkamp, Jonk, Numan, Cocu, Zenden, Ooijer e Van Bronckhorst. Mas foi feita uma “acochambrada”, e ali foram acomodados jogadores como Makaay e os irmãos Richard e Rob Witschge, que não estiveram no Mundial da França.

O Ajax de 1995, sim, estava respeitável. Fora Seedorf e Litmanen, que precisavam treinar para outros jogos, estavam todos lá: Van der Sar, os irmãos de Boer, Overmars, Kanu, Davids, Kluivert, Rijkaard, Danny Blind, Bogarde, Finidi, e alguns reservas, como o goleiro Grim, Musampa e Nordin Wooter. Comandando tudo, Louis van Gaal.

E, às 13h20, o jogo se iniciou. O ritmo foi muito mais lento, mas até se justificava: o mais jovem ali, Wooter, já tem 34 anos. Então, não houve jogadas de brilho. Quem impressionou foi apenas Overmars, um azougue pela esquerda. Rapidíssimo, o atacante foi autor dos únicos ataques perigosos. E, como prêmio, fez o gol mais bonito da tarde. Pela esquerda, tirou Zenden e Jonk com uma ginga, parou e bateu no ângulo de Ruud Hesp. Golaço, o único da partida.

E, quando o jogo acabou, novo momento bonito – embora um tanto piegas. Bobby Charlton entrou no gramado, com uma réplica da taça da Liga dos Campeões. E a entregou a Danny Blind, o capitão que a levantou em Viena, naquele 1995. Após o ex-zagueiro erguê-la, os jogadores do Ajax fizeram a volta olímpica, ao som de “We are the champions”. Clichê total, mas tudo bem. Depois, uma foto dos jogadores do último grande momento da história do clube de Amsterdã. E, finalmente, todos – jogadores e técnicos – unidos para uma grande foto.

E chegou, enfim, o grande momento, a partida esperada: o Ajax atual enfrentou um time de estrelas, escolhidas por Van der Sar. Se bem que o time de estrelas estava bem desfalcado: treinado por Alex Ferguson, juntava alguns que já haviam sido vistos em campo, como Bergkamp, Davids e Van Bronckhorst, a gente como Saha, Rooney, Gary Neville, Vidic, Rio Ferdinand e… Heitinga (que substituiu Van der Vaart, contundido). Pano rápido.

Duro dizer, mas foi o pior jogo da tarde. Deu até para tirar fotos do primeiro tempo, de tão apagado que foi. Mas uma coisa me chamou a atenção: Van der Sar levava a sério o jogo. Dava para escutar seus gritos de orientação de onde eu estava. O intervalo trouxe mais uma surpresa: Mick Hucknall, o homem do agora desativado Simply Red, entrou no gramado e começou a cantar. Ah, sim: ainda teve nas caixas de som “Three Little Birds”, com Bob Marley (é a música padrão nos intervalos do Ajax).

No segundo tempo, as coisas se animaram rapidamente: logo no início, um chutão de Rio Ferdinand virou lançamento para Saha, que tocou na saída de Verhoeven. 1 a 0 para o Dream Team Van der Sar. O Ajax empatou algum tempo depois: Rodney Sneijder bateu de longe, a bola foi na trave, e Boerrigter aproveitou a sobra para empatar.

E, aí, Dennis Bergkamp apareceu. Eu esperava que ele fosse exibir muito brilhantismo em campo, mas apareceu pouquíssimo no Ajax/95 x Holanda/98. Até que, já no final, o ex-atacante veio pela esquerda e tocou para Rooney. O atacante devolveu sutilmente para o holandês, que bateu e fez 2 a 1. Era a hora do lado “evento de televisão” se manifestar – a NOS, maior emissora holandesa, mostrou o jogo. A filha Lynn levantou a placa de substituição. E entrou em campo.

Aí, foram os aplausos. Joe, Lynn e Annemarie se uniram ao homenageado maior. Suas palavras: “Nunca mais esquecerei esta noite. Foi muito legal que os 14 primeiros jogadores para quem liguei tenham aceitado. Quase todos que eu queria que viessem, vieram – só Litmanen e Seedorf também iam jogar outras partidas. Isso me deu um sentimento muito bom. Comparo a uma reunião de escola. Quando você se encontra com os outros, se identifica melhor com uns do que com outros. Mas, com todo mundo, eu me identifiquei nesta noite. Foi uma reunião com que me divertirei por muito tempo.”

E, aí, a família Van der Sar iniciou a volta olímpica. Com Mick Hucknall de volta, para cantar “Holding back the years”. Nunca liguei para o Simply Red nem para essa canção, mas aí acabaram com as minhas resistências emocionais. Com efeito retardado: cheguei ao hotel e chorei copiosamente, lembrando desse momento. Assim como no voo de volta para o Brasil. Ainda houve uma cena um tanto quanto clichê de evento televisivo, daquelas que parecem ter sido ensaiadas: ao final da volta olímpíca, Joe van der Sar bateu um pênalti. O pai defendeu. Sinalizadores acesos, fogos de artifício espoucando dentro da ArenA, e a torcida em êxtase, gritando “Edwin, bedankt” (Edwin, obrigado) ou “Wie kent hem niet, Van der Sar (Van der Sar)/Van der Sar is een echte Ajacied” (Quem não conhece Van der Sar/Van der Sar é Ajax de verdade).

Mas, felizmente, foi o único momento de lágrimas. Porque não era momento de tristeza, mas de muita alegria. Algo mostrado pela música que soava enquanto o personagem principal deixou o gramado; “Beautiful Day”, do U2. Realmente, foi um belo dia. Tudo foi muito bom, muito divertido para mim. E acho que só posso terminar isso com uma foto. A Amsterdam ArenA já estava quase vazia, enquanto equipamentos de TV eram colocados no gramado, para o programa especial sobre o jogo. Rapidinho, porque um segurança já queria me tirar, eu tirei uma foto de uma placa de propaganda da Adidas. Que resume o que representou esse meu ato, em uma frase. Já dita aqui. E desculpem pelo texto longo.

A foto de Ajax/95 x Holanda/98 (fonte: Ajax.nl)


O Ajax de 1995. Em pé: Finidi, Overmars, Reiziger, Kanu, Van den Brom, Van der Sar, Kluivert, Bogarde, Rijkaard e Grim. Agachados: Wooter, Ronald de Boer, Blind, Musampa e Frank de Boer (Fonte: Ajax.nl)


A melhor foto de Van der Sar que consegui tirar, de onde estava


Minha posição no estádio: mais dois lances de cadeiras, o fosso e o gramado


A foto de Ajax x Dream Team Van der Sar (fonte: Ajax.nl)


A família Van der Sar (fonte: Ajax.nl)

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Equipe Trivela

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