Shonan Bellmare: clube formador de Nakata hoje vive fase iô-iô no Japão

A seção “Conheça o clube” foi recriada como parte das metas do nosso Apoia.se. Seja um apoiador e nos ajude a cumprir ainda mais metas! Apoia.se/trivela
Em linhas gerais, o imaginário do futebol japonês no ocidente remete a alguns poucos nomes importantes, responsáveis por levar o nome da J-League para outros cantos do mundo. Mas isso depende de onde você vem. Ingleses dirão Gary Lineker, brasileiros dirão Zico, Kazu Miura, ou até mesmo Oliver Tsubasa, do anime Super Campeões. Alemães dirão Pierre Littbarski, argentinos dirão Ramón Díaz, sérvios dirão Dragan Stojkovic. E assim vai… Mas quando falamos em grandes jogadores da história do Japão no esporte, é impossível fazer uma lista em que Hidetoshi Nakata não esteja entre os três maiores. Afinal, ele foi a primeira grande estrela nipônica em cenário europeu, já que Kazu não obteve tanto sucesso em sua empreitada longe do Japão.
[foo_related_posts]
Antes de Nakata brilhar nos campos italianos por Perugia, Roma, Parma, Bologna e Fiorentina, o meia passou de maneira fenomenal pela história do Shonan Bellmare, que se reinventou bastante ao longo das últimas cinco décadas. A equipe, que se destacou nos anos 1970, quando o futebol japonês ainda era totalmente amador, teve também uma fase gloriosa entre 1994 e 1995, levantando dois títulos, na Copa do Imperador e a Recopa Asiática.

Towa Real Estate e Fujita SC
Tudo começou para o Bellmare em 1968, na cidade de Toshigi, ainda sob o nome de Towa Real Estate, como a massacrante maioria das histórias de clubes japoneses. Até a fundação da J-League, em 1992, as equipes eram impulsionadas por indústrias e empresas locais e, nesse contexto, times ganharam forma quase que inteiramente com atletas revelados dentro do Japão. Com o passar do tempo, atletas eram contratados pelas empresas apenas para jogar os campeonatos. Essa realidade mudou com o profissionalismo na virada para os anos 1990, com grande investimento e contratações de perfil internacional. Erguia-se, assim, o plano para a nova J-League, uma estrutura pensada pela federação e pelos clubes para uma evolução contínua de 100 anos.
Foram quatro anos de espera até a promoção para a elite, na Japan Soccer League, em 1972. A conquista envolveu uma renomeação da equipe, batizada como Fujita SC naquele ano. Além da mudança de nome, houve também uma migração para a cidade de Hiratsuka. A nova fase deu certo para o Fujita, que conquistou três vezes a JSL, em 1977, 1979 e 1981, além de duas taças da Copa do Imperador, em 1977 e 1979. Mas as coisas desandaram na segunda metade da década de 1980, culminando com um rebaixamento em 1990.
Quando chegou a hora de colher os frutos da revolução da J-League, a agremiação não atendeu aos requisitos da liga para conseguir a promoção, mesmo vencendo a segunda divisão. O processo de profissionalização das equipes japonesas foi gradual, sem pular etapas, para garantir um padrão de excelência. Por esse motivo, o seu vice-campeão foi promovido: o Kashima Antlers, antigo Sumitomo Metals, capitaneado por Zico.
A recusa para entrar na J-League forçou o Fujita a mudar de nome para Shonan Bellmare. A ideia, que também seguiu a lógica de outras equipes nipônicas, fundindo duas palavras. No caso, Bellmare vem do italiano bello + mare. E nem é dos mais bizarros. Temos o Shimizu S-Pulse (S de Shimizu, Pulse do inglês pulso, união e força), Júbilo Iwata (da palavra Júbilo, em português). O Japão é a terra dos clubes com nomes esquisitos.
Mas enfim, falemos da reformulação em Hiratsuka. Com apoio da prefeitura local, que liberou obras para o principal estádio da cidade, o sinal verde foi aceso. Um sinal bem verde, diga-se. Com a nova identidade, o Bellmare passou a vestir uma camisa verde-limão, com calções azuis e meias em verde-limão. A J-League não era só uma grande mudança estrutural e de gestão no Japão. Era também uma questão estética, de forma que cada time participante tivesse forte apelo às cores e desenhos ousados, uma marca da liga até os dias de hoje. Chame de camisas espalhafatosas se quiser.

A estrela de Hidetoshi
Com a estreia na elite, o Bellmare queria se testar frente às grandes forças do país. Em 1994, na sua primeira temporada pela J-League, o time começou mal das pernas, mas se recuperou na segunda metade, graças a um desempenho inspirado de Betinho, meia revelado pelo Juventus e com passagens por Cruzeiro e Palmeiras. Ele marcou incríveis 24 gols no ano, sendo fundamental na arrancada para o título da Copa do Imperador. Mas foi Koji Noguchi quem marcou os dois gols na final, vencida por 2 a 0 contra o Cerezo Osaka, no primeiro dia de janeiro de 1995.
Já na temporada seguinte, o técnico Mitsuru Komaeda lançou o jovem Nakata entre os atletas do elenco profissional, com apenas 18 anos. Era visível que ele tinha enorme maturidade e talento. Junto a ele, brilhou o brasileiro Betinho, novamente letal na pequena área, com 25 gols. O ano de 1995 pode até não ter sido uma maravilha em resultados na J-League ou na Copa do Imperador, mas o Bellmare compensou com uma conquista inédita no continente, a Recopa Asiática. Contra o Al-Talaba, do Iraque, um suado 2 a 1 consagrou os japoneses com um gol do genial Nakata no fim do segundo tempo
A fase parecia indicar um crescimento do clube, mas campanhas medianas e ausência em jogos decisivos lentamente minaram as forças do elenco. Após a Copa de 1998, com as saídas de Wagner Lopes, Nakata e do sul-coreano Hong Myung-bo, o desempenho caiu seriamente, acompanhado por baixíssimos números de público. Não à toa, o Bellmare caiu para a segunda divisão em 1999.
Queda brusca
Sem revelar outros bons nomes, a equipe de Hiratsuka passou algum tempo lutando longe da elite. Até 2014, foram apenas dois acessos, seguidos de descensos imediatos. O Bellmare não soube aproveitar seu voo nos anos 1990 e se transformou em um time iô-iô e com situação financeira modesta. A incapacidade em investir no elenco culminou em uma rotina de papéis secundários até mesmo na J-League 2. Com muito custo, retornou à elite em 2017, de olho na missão de se manter na primeira divisão japonesa. A batalha deu certo, com algum esforço.
Em 2018, o Bellmare superou grupos e mata-mata até a decisão da YBC Levain Cup, a Copa da Liga do Japão. De forma custosa, superou o Yokohama F Marinos na final, com gol do zagueiro Daiki Sugioka. Até por conta da rivalidade com os clubes da região portuária de Yokohama, a vitória teve um gostinho especial. A vitória qualificou a equipe para a Levain Cup, em agosto de 2019, na qual enfrentou o Athletico Paranaense, campeão da Sul-Americana em 2018. O Furacão levou a melhor por 4 a 0 e ampliou uma crise que já estava em curso no adversário: o Bellmare sofreu bastante até o fim da temporada, escapando do rebaixamento apenas nos play-offs contra o Tokushima Vortis. Não fosse pela vantagem dos times da J-League, o empate em 1 a 1 não serviria para salvar o clube de Hiratsuka.
A torcida, por outro lado, tem respondido bem: depois de uma década horrível com média de 5 mil pessoas nas bancadas, o Shonan BMW Stadium agora bate na casa dos 12 mil de público como média na temporada. Para se ter uma ideia: o recorde é de 17,830, no ano inaugural da franquia na J-League. Nem mesmo nas grandes fases, entre 1995 e 1997, o estádio ficava tão cheio. A cidade de Hiratsuka voltou a abraçar o time, sobretudo após a conquista em 2018. Mas há que se fazer mais para preservar essa relação.
O que esperar de 2020?
Com a J-League paralisada por conta da pandemia de coronavírus, teremos de esperar um pouco mais para saber como está o time do Bellmare neste ano. Exceto pelo atacante norueguês Tarik Elyounoussi, o plantel é inteiramente composto por japoneses. Até o ano passado, o brasileiro Lelêu (ex-Atlético Mineiro) fazia parte do grupo, mas foi emprestado ao Mito Hollyhock. Crislan, ex-Athletico, que terminou 2019 como titular, retornou ao Braga.
O sonho inicial para 2020 é de permanência, e nada além disso. Mas quem sabe com um jogo ou outro e empolgação, o Bellmare vá longe na Copa da Liga novamente. Os tempos de competitividade no topo da tabela e de estrelas internacionais já ficaram para trás, e tudo que sobrou são lances em vídeo e cards dos craques que vestiram a chamativa camisa verde-limão nos anos 1990.