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Internacional, São Paulo luta para descobrir qual é a sua Copa

SÃO PAULO – Ouvi muito, nas minhas caminhadas pelo Brasil, a pergunta inescapável: Por que São Paulo está de mal da Copa? Por que vocês não se empolgam com o Mundial? Por que o coração de vocês está tão duro? Em Manaus, uma amiga de um amigo me dizia: Se vocês, paulistas, não querem a Copa, mandem os jogos todos para cá. Nós queremos, e queremos muito. Ela estava brava, e me perguntava como se eu tivesse a obrigação de responder por todos os milhões de moradores do Estado (às vezes as pessoas acham que todo mundo de um lugar pensa do mesmo jeito – é uma pena).

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Contra o Caos
Contra o Caos: eu, como vários paulistanos, estávamos esperando o caos no metrô nesta segunda-feira. Parece que, dessa vez, ele ainda não veio. (Foto: Leandro Beguoci)

Nessas vezes, eu dizia: é preciso entender a cidade e o Estado. Afinal, foi aqui que os protestos de junho surgiram, ganharam força e espalharam o sentimento de insatisfação pelo Brasil. Além disso, os ganhos palpáveis do torneio não são visíveis. O metrô vive sua expansão lenta e gradual, enquanto o trânsito continua tornando a vida das pessoas um espetáculo de teatro do absurdo. Os problemas de São Paulo são tão grandes e tão complexos que só melhorias monumentais podem fazer algum efeito na cidade, na Grande São Paulo e talvez no interior – e nem a Copa das Copas, a Copa do Universo, a Copa intergaláctica seria capaz de soluciona-los. Ah, e vale sempre lembrar: os problemas da capital, da região metropolitana e do interior são bem diferentes. São três regiões distintas unidas pelo mesmo nome, e às vezes nenhuma delas se entende. Exceto por uma certa indiferença quanto à Copa. São Paulo, com razão, vive o esplendor do mau humor. É difícil ver melhorias nítidas, assim como vi em Manaus ou meus amigos viram em Fortaleza e Salvador. Nessas outras cidades, a Copa passou como um arrastão de felicidade.

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Mas só isso seria insuficiente para explicar a falta de ruas pintadas, a falta de gritos pela janela, a falta de um sentimento expressivo de Copa, como vi em cidades como Manaus. São Paulo tem uma enorme capacidade de surpreender, e, às vezes, supera essas coisas. Então eu me peguei nesta manhã de segunda-feira andando por todo o centro de São Paulo, pela avenida Paulista, por alguns dos bairros mais expressivos da cidade, como o Bexiga e a Bela Cintra. Queria entender o que estava acontecendo.

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E acabei encontrando muita Copa. Diluída, é verdade, mas expressa em prédios ocupados por pessoas sem-teto no centro, em algumas quebradas da Bela Cintra, em algumas casas de classe média na Pompéia e em Perdizes, na correria dentro do metrô para chegar logo em casa para ver o jogo do Brasil. É como se o grito de Copa estivesse entalado na garganta, esperando alguma coisa muito extraordinária para acontecer. E, até agora, ainda não aconteceu direito. Exceto pela Vila Madalena, onde está rolando loucura e paixão, a Copa teima em são se espalhar direito, em tomar tudo ao redor. Ela ainda não se instalou aqui como uma força da natureza.

Ocupação copeira no centro de São Paulo
Ocupação copeira no centro de São Paulo: movimento sem-teto entra no clima de mundial. Foi um dos raros lugares em que vi uma lista interminável de bandeiras. (Foto: Leandro Beguoci)

Em outras cidades, a chegada maciça de gringos transformou o cotidiano. São Paulo, uma das maiores cidades italianas, japonesas, libanesas e latino-americanas do mundo, está acostumada com estrangeiros faz bastante tempo. É comum encontrar gente falando inglês, espanhol, russo, o que seja, nos bairros centrais. No começo do século, quase metade da população da cidade falava italiano. O efeito invasão não é tão forte e tão sentido quanto em outros lugares. Em vez de ressaltar a diferença, São Paulo as dilui na força da metrópole – e, na maior parte das vezes, para o bem. São Paulo vira a casa de todas as casas. Por outro lado, isso reforça uma certa indiferença com a novidade. Parece que já vimos tudo, parece que nada é tão novo debaixo do sol.

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Enquanto caminhava pelo centro velho, vi toda a nova leva de imigrantes vestida com as cores do país. Eles pareciam tão ou mais empolgados do que os brasileiros que estão aqui faz mais tempo (afinal, dificilmente se encontrará uma família de paulistanos cuja família inteira esteja na cidade há mais de 100 anos). Nigerianos, peruanos, chilenos, bolivianos, todos eles pintavam de verde, amarelo e dialeto a Praça da República, o Vale do Anhagabau, a Praça da Sé. Eles ainda não foram tomados pela sensação de que, uma vez em São Paulo, você já viu todas as pessoas do mundo. São Paulo dá sempre a sensação de que é um resumo do planeta.

Rua do Bexiga
Rua do Bexiga: um dos poucos lugares da região central em que vi as ruas pintadas (Foto: Leandro Beguoci)

Portanto, São Paulo não conta nem com um legado palpável nem com o efeito invasão cultural clara, evidente. Por ser uma megalópole internacional, a Copa faz pouco efeito neste conjunto gigantesco. Mas, apesar disso, andando pela cidade, ouvindo as pessoas, fica claro que há alguma coisa no ar. Escutei um grupo de adolescentes de boné e calça justa, como se estivessem indo dar um rolezinho, dizendo “vamos contar que teve Copa para os nossos filhos, mano”. Eles admiravam a torcida do Chile cantando Chi-Chi-Chi-Le-Le-Le, Viva Chile! Uma senhora tirava fotos da janela. Quando fui tirar uma foto dela, ela percebeu – e entrou correndo para o apartamento dela, ali na avenida Paulista.

Copa do Viaduto
Copa do Viaduto: morador de rua decora seu pedaço do centro de São Paulo para a Copa (Foto: Leandro Beguoci)

Parece que São Paulo está esperando alguma coisa grande acontecer para, enfim, ter a sua Copa. Alguma coisa que faça a gente perder a vergonha de gostar da Copa. Pode ser uma torcida cantando e encantando, pode ser algum ato gigantesco de gentileza, pode ser qualquer coisa que, enfim, deixe à cidade a sensação de que as coisas podem, de alguma forma, melhorar. Nem que seja para provar que a Copa trouxe um pouquinho de amor a SP. Vamos esperar. Temos quase 20 dias para acompanhar essa história.

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