Ernandes, filho do ex-jogador Mirandinha, joga hoje em Mianmar
Filho de peixe, peixinho é. O ditado se repete mais uma vez para o filho do ex-jogador nos anos 1970 e 80, Mirandinha, ídolo do Palmeiras e primeiro brasileiro a jogar na Inglaterra, ao atuar pelo Newcastle. Ernandes já rodou por vários países, mas ainda não alcançou a fama do pai.
Recentemente contratado por um time de Mianmar o atacante ainda sonha em jogar pelo Palmeiras ou pelo Newcastle. Nesta entrevista concedida à Trivela, o carioca conta um pouco sobre a carreira e os desafios de um jogador de futebol em um país inusitado.
Você foi contratado recentemente pelo Zeyar Shwe Myay, de Mianmar. Qual é a sua expectativa para o país e para o futebol?
Mianmar está sendo um país totalmente diferente de todos que já passei, a adaptação depende muito da sua vontade de querer vencer também, mas o clube tem me dado tudo que está ao alcance deles, não tenho que reclamar. Moro num ótimo hotel – flat, alimentação diferente, mas que passa tranqüilo, as condições de campo para treinamentos não são das melhores, o futebol aqui é de muita velocidade e força. Com treinadores e jogadores estrangeiros vão evoluir muito mais.
Seu pai foi o primeiro brasileiro a jogar na Inglaterra, ele é sua maior inspiração dentro do futebol?
Sim, claro. Desde que nasci vivo no meio do futebol, sou muito feliz por ter um grande jogador como pai. Ele sempre me deu muitas dicas e foi um grande exemplo .
Você chegou também a jogar na Inglaterra. Como foi sua experiência e por que não deu certo?
Na Inglaterra existem regras, você só pode jogar lá com cidadania europeia ou participação em 70% a 75 % das convocações da seleção do seu país. Passei pelo West Ham e pelo Portsmouth. Neste último passei quase três meses acertado, contrato assinado, só aguardando a minha cidadania italiana sair pra oficializar o contrato, mas infelizmente o advogado que estava tirando a cidadania sumiu com o dinheiro que demos de adiantamento e toda a minha documentação. Coisas do futebol que às vezes não depende somente do seu futebol.
Antes da Inglaterra, você atuou nas divisões de base da Holanda. Como foi o convite? Estava no América Mineiro na base, estava de férias em casa e um ex-jogador inglês, Lee Payne, que jogou com meu pai no Newcastle, estava começando como agente e pediu pro meu pai um atacante jovem. Meu pai indicou três e ele resolveu me levar aos 16 anos, assim assinei meu primeiro contrato fora do pais pelo Utrecht.
Como é a estrutura desses clubes europeus?
Pra mim era tudo novo, estrutura de primeira qualidade, tinha tudo que um jogador de 16 anos sonhava. Cresci muito como jogador e como pessoa, só tenho a agradecer tudo que passei por lá. Eles tomam muito cuidado pra não queimar etapas entre a base para chegar ao profissional, mas pra mim tudo foi muito rápido. Na primeira temporada jogava pelo sub-20, mas já treinava com a equipe profissional. Com 17 anos já tinha renovado o contrato para mais duas temporadas, mas no meio da terceira, com quase 40 gols na base do clube, fui vendido para o Rennes, da primeira divisão francesa .
Antes, como foi sua experiência no futebol holandês?
Na Holanda tudo foi fantástico. Na segunda temporada ficamos em quarto lugar, só atrás dos grandes Ajax, PSV e Feyenoord. Na liga sub-20 e na taça tiramos o PSV na semifinal e perdemos para o Ajax na final. Foi uma temporada fantástica para o clube e para mim, porque já via o fruto de tudo isso com várias propostas de clubes grandes da Europa, mas no momento queria fazer história no clube e no profissional. Na terceira temporada, já no profissional, fiz toda a pré-temporada com o grupo principal, mas como disse, o clube recebeu uma proposta irrecusável.
Muitos atletas saem cedo do país para jogar na base de clubes estrangeiros. Você foi um deles. Acha que isso ajuda ou atrapalha a formação do garoto?
Para mim só ajudou, evoluí muito taticamente, peguei uma escola que para mim é quase perfeita taticamente. Em toda minha carreira nunca me atrapalhou.
E como é o futebol francês? Conseguiu absorver algo de cada país?
Todo país tem seu estilo de jogar, mas sempre me adaptei muito rápido ao futebol de cada um. Peguei um pouco de cada um deles. A Holanda com sua disciplina tática. Na França com sua técnica e o jogo sem a bola, e o inglês no jogo aéreo. Evoluí muito esse aspecto apesar de passar apenas quatro meses na Inglaterra.
No Brasil você passou por alguns times. Em qual se destacou mais?
Passei pelo Inter de Porto Alegre, Fortaleza, Treze da Paraíba, mas me destaquei mesmo foi no norte do país, pelo São Raimundo, Rio negro e o Fast, todos de Manaus. Pra mim meu melhor momento foi em 2008, pelo Fast Clube, com 16 jogos e 14 gols, sendo 11 pelo Estadual, me consagrando artilheiro, e dois pela Copa do Brasil contra o Santa Cruz (PE) e contra o Goiás.
Em qual clube gostaria de atuar? Tem interesse em voltar ao Brasil?
Meu grande sonho era jogar no Palmeiras e no Newcastle, onde meu pai fez história. Quando fui para Holanda meu objetivo era chegar ao Newcastle, mas infelizmente não foi possível. No Brasil a maioria dos clubes é de empresários, e se você não é desses empresários fica quase impossível entrar, por isso não tenho muito interesse em voltar, mas futebol é uma caixinha de surpresas, nunca podemos dizer não.
Já passou por alguma situação engraçada nesses anos de carreira?
Várias, mas tem uma que eu gosto muito. Foi na Holanda, na segunda temporada. Como tinha ido muito bem, eles contrataram outro brasileiro, o Rodrigo Nicolau, meu amigo que indiquei ao clube. Jogávamos juntos desde os 12, 13 anos de idade em São João da Boa Vista, interior de São Paulo. Um dia foram fazer uma reportagem de TV para todo o país, ao vivo. Ele estava muito nervoso, pediu pra mim traduzir o que ele falava. Papo vai, papo vem, fizeram a última pergunta: qual era a coisa mais difícil no país para se adaptar. E ele, muito nervoso, respondeu: “o frio é fod…”. Eu rachei o bico ao vivo para todo país, e rindo me perguntaram o porque de tanta risada. Como eu iria traduzir aquela palavra ao vivo? Que situação! Até hoje, depois de mais de dez anos, quando a gente se encontra falamos que o frio é f… e começamos a rir.
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