Como Balotelli ajuda a entender Manaus
MANAUS – Na praça central de Manaus, duas cenas mereceram alguns dos aplausos mais fortes da torcida. A primeira foi quando o telão, que exibia o jogo pelo canal Sportv, mostrou a Arena da Amazônia. O orgulho das pessoas era muito grande pelo estádio novo – que realmente é bonito, impressionante e deveria receber uma série de jogo do Campeonato Brasileiro. Gente do Brasil inteiro precisa ter a oportunidade de ver essa cancha por dentro. A segunda cena foi o close em Balotelli, o improvável e carismático atacante da seleção italiana. Além de ter sido simpático, dando autógrafos e publicando uma série de elogios à cidade nas suas redes sociais, parece haver uma identificação forte entre o jogador, filho de imigrantes de Gana e adotado por uma família judia, e a capital do Amazonas. Arriscando um pouquinho de sociologia de boteco, talvez uma cena explique a outra.
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Balotelli é uma personagem meio deslocada na seleção italiana. É um dos raros filhos de imigrantes a vestir a camisa do time nacional e o único negro da Azzurra. Após uma fase de loucura, em que estourava rojões dentro de casa e atirava dardos em juniores, Balotelli foi ficando mais tranquilo (dentro dos padrões balotéllicos). Mas as dificuldades de adaptação à Itália, lá na infância, ainda aparecem de vez em quando. Balotelli sempre se sentiu perseguido, e a frase “Por que sempre eu?” se tornou uma das suas marcas registradas.
Mal comparando, isso também se aplica a Manaus. Pouquísimos gringos, e até poucos brasileiros, conseguem imaginar que existe uma cidade de dois milhões de habitantes na floresta amazônica. Uma das potências industriais do país, Manaus é, ao mesmo tempo, uma metrópole e uma cidade do interior – para o bem e para o mal. A falta de ligações rodoviárias e, durante muito tempo, de investimento em infraestrutura, deixam muitos dos moradores incomodados com a sensação de isolamento. Ao mesmo tempo, a praça central tem um charme e um acolhimento que só vi nas cidades mais agradáveis do interior de São Paulo. Mas pouca gente fora de Manaus sabe desse carisma balotéllico da cidade.
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Não ajuda muito, claro, quando eles escutam pessoas do Sul e do Sudeste repetindo clichês sobre lá como se não houvesse amanhã. Imagine então quando os jornais ingleses começaram a dizer que a cidade estava infestada de escorpiões e abusaram de todos os estereótipos possíveis da floresta? E aí, é como se a cidade, meio de mau humor, dissesse a la Balotelli: “Por que sempre eu?”. Manaus e o resto do Brasil têm uma relação complicada a resolver, que envolve desconhecimento e desconfiança. Mais ou menos o que Balotelli deixa transparecer nas suas entrevistas.
Um dos sinais mais claros dessa desconfiança dos manauaras foi na minha última noite na cidade. Um grupo de ingleses chegou a uma mesa cheia de mulheres. Barulhentos, mas não abusivos. Eles tentaram se enturmar, tiraram fotos, mas elas não deram muita confiança para eles, não. Logo, eles estavam sozinhos de novo. Elas deixaram bem claro que “somos simpáticas, mas não estamos te dando mole”. Mais tarde, conversando com uma delas, amiga de uns amigos, descobri o que aconteceu. Ela me contou que as pessoas de fora acham que vão chegar em Manaus e pegar todas as mulheres, como se todas elas estivessem à disposição de quem vem de outros lugares. “A gente se dá ao respeito”, me disse ela. “As pessoas de outros lugares têm muitas ideias erradas sobre Manaus”.
Isso me ajudou a entender os comentários de algumas pessoas nos textos que enviei da cidade. As pessoas reconhecem os problemas da cidade, mas elas têm um histórico muito grande de desconfiança e mágoa com quem vem de outros lugares ou com o que falam de Manaus fora do Amazonas. Só passando alguns dias na cidade é que você consegue entender isso. Às vezes, claro, é excesso de zelo – as pessoas não falam para magoar ou para desmerecer a cidade. Mas, enfim, só quem vive sabe como se sente – assim como Balotelli.
Os aplausos à arena e a Balotelli, no final das contas, eram declarações bem fortes, apesar da festa toda. Eram quase declarações de “eu sou mais do que você pensa¨. Antes do Mundial, eu escrevi que um dos maiores legados da Copa não seria material. O Brasil entenderia mais o mundo e o mundo, o Brasil. Mas há o legado interno, tão importante quanto o externo. É uma Copa para ajudar o Brasil a entender mais o Brasil. Essa pode ser a Copa em que, talvez, Manaus e os brasileiros comecem a resolver algumas das suas diferenças.
PS: esse é meu último texto, infelizmente, da cidade. Peguei o caminho rumo ao Centro-Oeste e estou em Cuiabá. Aceito dicas da capital do Mato Grosso. E sempre é bom dizer: obrigado aos amigos que fiz em Manaus por esses dias divertidos e interessantes na capital do Amazonas.
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