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Cléo: “Evitei sair na rua quando fui para o Partizan”

Um certo atacante brasileiro, de apelido Cléo, passou a ficar um pouco mais conhecido no Brasil quando trocou o Estrela Vermelha, da Sérvia, pelo maior rival, o Partizan Belgrado. Na época teria recebido ameaças de morte, mas como ele mesmo conta, nunca houve algo além de mensagens na internet.

Aos 25 anos, o paranaense Cléo, em entrevista exclusiva à Trivela, como foi o conturbado início de carreira no interior paranaense e português, fala sobre a mudança de clube tão polêmica e o convite que recebeu (e aceitou) para defender a seleção da Sérvia.

Poucas pessoas no Brasil conhecem você. Como foi o início da sua carreira?
Comecei na segunda divisão do Paraná, no Batel, um time pequeno da minha cidade, Guarapuava, aos 16 anos. Depois disso fui para o Comercial, mas não para o de São Paulo, e sim para o do interior do Paraná, de Cornélio Procópio. Depois disso fui para Portugal, com 17 anos, jogar no Olivais e Moscavide, em Portugal.

E como você foi parar em Portugal?
Através de um empresário, que jogou lá, e me levou. Joguei por seis meses a segunda divisão portuguesa, daí voltei para o Brasil. Eu era muito novo, não quis ficar. Foi muito complicado, porque fui com 17 anos e era a primeira vez que saía de casa mesmo. Não aguentei ficar lá por muito tempo. Voltei para o Brasil e fui para o Atlético Paranaense.

E a passagem pelo Atlético Paranaense? Por que acha que não conseguiu se firmar lá?
Eu ainda era muito jovem. Mas joguei a Libertadores de 2005, estive no grupo que foi vice-campeão, perdemos a final para o São Paulo. Fiz um gol no confronto contra o Cerro Porteño, ganhamos em casa por 2 a 1. Depois tive uma lesão, fraturei um dedo do pé, fiquei parado por muito tempo.

Logo na sequência veio o empréstimo para o Figueirense. Como foi em Santa Catarina?
O Atlético me emprestou para o Figueirense, mas lá não joguei. Tive mais uma lesão, grande. Fiquei parado por dois meses, rompi o músculo atrás da perna. Lesão muscular. No Figueirense eu não joguei. Entrei só em um jogo, acho que contra o Goiás, mas aí no dia seguinte fui atuar pelo time B e tive essa lesão. Foi quando eu me machuquei e não joguei mais. Voltei então para o Atlético, mas aí o time português entrou na Fifa, reclamando que eu tinha assinado dois contratos.

Então quando você deixou o Olivais saiu brigado do clube?
É, falei que eu não queria mais, não aguentava. Tive também um problema com documentação, visto, essas coisas. Não consegui visto e não podia mais entrar no país. Minha briga foi essa também, por eles não terem pego o visto de trabalho pra mim. E quando eu estava no Atlético, eles ganharam o caso na Fifa. Eu teria que pagar uma multa ou fazer um acordo e retornar para o clube. Acabei rescindindo com o Atlético e voltei para o Olivais. Fiz um acordo com o presidente em Portugal.

Aí você já estava com 21 anos. A cabeça estava bem melhor.
Já estava melhor mesmo, eu estava casado. Tinha nascido meu filho, era bem diferente.

E então você voltou ao Olivais. Quanto tempo ficou lá?
Fiquei nesse time mesmo por um ano e meio. Marquei alguns gols e aí houve o interesse de um time da França, o Lens. Conversei com ele, fui lá, tudo certo, mas houve um mal entendido entre o clube português e o Lens. E no final não fiquei lá. Passei quase um mês treinando e não assinei. Me apresentei, treinei, fiz jogo de apresentação e chegou na hora do pagamento, na hora de acertar o contrato entre os dois clubes, eles não se acertaram.

Vamos conversar, agora, sobre a sua história no futebol sérvio. Primeiro: quando surgiu o interesse do Estrela vermelha?
Nesse jogo que fiz havia um empresário sérvio, que hoje é o meu empresário, Branko Miljkovi?. Ele é presidente de um clube aqui na Sérvia também, o Rad, da primeira divisão. E ele falou que tinha um clube na Sérvia pra mim, o Estrela Vermelha, que precisava de um atacante. Disse que ia me indicar e foi assim. Fui por empréstimo, fiquei uma temporada e no final eles tinham a opção de me comprar, e não optaram por isso. Disseram que era muito caro.

Nessa história seu passe pertencia a quem?
Ao clube português. O meu contrato com o Estrela Vermelha era assim: se eles não acertassem a compra, eu me tornava um jogador livre, porque acabava meu contrato com o clube português também. O clube português só ganhava se o Estrela Vermelha me comprasse. Daí não quiseram e surgiu a oportunidade de ir para o Partizan, que conversou com meu empresário. Assinei um contrato de quatro anos com o Partizan, vendemos o meu passe para o clube.

Antes decponversarmos sobre o Partizan, vamos falar da sua chegada à Sérvia. Teve algum problema de adaptação?
Cheguei em 2008 no Estrela Vermelha, mas bem antes de jogar, em agosto. Só fui estrear em outubro. Como era empréstimo, o Estrela Vermelha não pagava o clube português, estava numa situação financeira difícil, e não mandavam de Portugal minha transferência. Nesse ano joguei uns cinco ou seis jogos pelo Estrela vermelha só. Foi complicado falar a língua, muito frio também, clima totalmente diferente.

Qual foi sua primeira impressão sobre a torcida, conhecida pelo fanatismo?
Foi tranquilo. Normal. No começo, comigo, nunca tive problemas com a torcida, apesar de os resultados não terem sido tão bons. Ficamos em terceiro no campeonato… haviam muito problemas internos no time, e acho que a torcida entendeu o que acontecia em campo.

E você já conhecia alguma coisa sobre o Estrela Vermelha?
Sabia da história, tinha sido campeão da Liga dos Campeões. É um clube muito grande, e eu sabia disso, mas atualmente está com muitos problemas. Mudou de presidente várias vezes, estava muito desorganizado, mas com a torcida nunca tive problemas.

Após o término do empréstimo, então, o Estrela Vermelha disse que não ia ficar com você.
Isso, disseram publicamente que eu era um jogador muito caro para o clube…

Caro quanto?
Era € 800 mil. E a remuneração do contrato, mas não era nada absurdo, algo que eles não pudessem pagar. E disseram publicamente que não queriam. Quando falaram isso, aí o Partizan entrou em contato comigo.

Antes disso, então, nunca houve um contato?
Ninguém sabia nada. Só aconteceu isso mesmo porque o presidente do Estrela Vermelha veio publicamente falar que eu não valeria esse dinheiro. Aí o Partizan optou, o treinador disse que eu encaixava bem no time. Acertaram comigo e os meus empresários diretamente. Além do empresário sérvio, tenho também um português e eles trabalham juntos.

Para entender, então: quando o empréstimo acabou você ganhou o passe, mas não poderia acertar novamente com o Estrela Vermelha. É isso?
É. Se o Estrela Vermelha optasse por ficar comigo, tinha que pagar ao clube português. Estava bem claro no contrato com o Olivais. Se eu não ficasse no Estrela Vermelha, aí eu seria livre.

Com um ano de Sérvia você já conhecia bem a rivalidade entre os clube. Não ficou com medo de fazer a transferência?
Não, não… Fiquei tranquilo, porque depois que o presidente falou publicamente que não me queria… pô, falei, já que não me querem… Claro que fiquei um pouco ansioso, mas não é medo, é pé atrás, porque a gente conhece a torcida. Mas nunca recebi alguma ameaça, nunca vieram falar comigo. No estádio, nos jogos contra, havia xingamento, algumas placas me xingando, mas nada de anormal.

Nunca recebeu ameaças de morte?
Não, não, não. Alguma coisa saiu na internet, uma placa de morte, cemitério, coisas assim. Mas pessoalmente, alguém vir me ameaçar, isso nunca aconteceu.

Recentemente o Vladimir Stojkovic, goleiro da seleção sérvia, também fez essa mudança e aconteceu algo parecido. Revelado pelo Estrela Vermelha, foi emprestado pelo Sporting (POR) ao Partizan nesta temporada e já foi ameaçado. Chegou a conversar com ele?
Acho que estão tentanto acabar com isso aqui, com essa história de que um jogador bom não pode atuar no outro clube porque não aceitam. O Partizan está abrindo as portas para acabar com isso. Conversei com o Stojkovic, ele fala português. Ele joga muito, bom goleiro, boa pessoa e não poder jogar em um clube do próprio país por causa da rivalidade é complicado… O caso do Petkovic, no Brasil, que muda de clube toda hora – Fluminense, Flamengo… – e não tem problema.

Como lidar com tudo isso? Você deixou de fazer alguma coisa por conta dessas ameaças?
No começo eu evitei sair na rua. Não que eu tive alguma ameaça, mas não quis arriscar. Quando comecei a sair mesmo, nunca sofri nada. Até alguns torcedores do Estrela Vermelha vinham conversar comigo, diziam “a gente entende, você é profissional, estrangeiro, não tem problema”.

Mas você acha que a tolerância deles com os jogadores sérvios que trocam o Estrela Vermelha pelo Partizan ou vice-versa é menor então?
Acredito que sim. Na verdade o Estrela Vermelha não aceita os jogadores que vêm do Partizan. Acredito que eles são mais radicais. O Stojkovic vai ter alguma dificuldade no começo, como eu mesmo tive. É normal essa resistência. Eles me receberam muito bem, mas como saímos fora das eliminatórias da Champions League, eles ficaram assim, meio a meio. Mas aí teve o jogo contra o Estrela Vermelha e eu marquei o gol da vitória. Depois disso me aceitaram totalmente, e agora é só alegria, sem crise.

E sobre as chances do Partizan nesta temporada? A começar pelo campeonato nacional.
Fomos campeões no ano passado e acredito que temos chance de ganhar o campeonato de novo e a Copa da Sérvia também. Esse é o nosso principal objetivo. Vamos brigar com o Estrela Vermelha, tem também o Vojvodina, um clube muito bom do interior, mas nos últimos anos não tem feito bons campeonatos.

Na Liga dos Campeões vocês enfrentarão Arsenal, Braga e Shakhtar. Dá para se classificar?
É complicado. Para nós, entrar na Champions League já foi um objetivo alcançado. Há sete anos o Partizan não conseguia, então só se entrar já foi um grande feito para o país. Temos que ter pensamento positivo. O Shakhtar e o Braga têm grandes qualidades, e o Arsenal nem se fala, é o top do grupo. Mas acredito que tudo é possível hoje em dia, quem corre mais ganha.

A torcida vai ser compreensiva então na Liga dos Campeões? Vai entender que a festa maior já foi feita.
Com certeza. Como falam aqui, não temos nada a perder, só a ganhar. Por isso temos que arriscar, ousar e ver quem passa depois.

Você também já declarou o interesse em defender a seleção da Sérvia. É isso mesmo?
Recebi o convite hoje (Cléo aceita convite para defender a seleção da Sérvia). Já entrei com pedido de passaporte. O presidente da federação ligou para o presidente do Partizan e falou para eu me naturalizar. Tenho que ser realista. Para um atacante, ter a chance de jogar na Seleção Brasileira só se eu atuasse no Real Madrid.

Já houve algum contato com o técnico Radomir Antic?
Deixei bem claro que só aceitaria o passaporte se fosse para defender a seleção, e ele me disse que tudo estava certo e que o técnico Radomir Antic já havia concordado e me elogiado. Mas nunca conversei com o Antic pessoalmente.

Foto de Equipe Trivela

Equipe Trivela

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