Globo deve usar Lei do Mandante para exibir jogos da Série C. Pode?
Curiosamente, a chamada "Emenda Globo", da Lei do Mandante, será usada por ela mesma para transmitir os jogos do Vitória como mandante na Série C
Notícia publicada por Gabriel Vaquer no site Notícias da TV no dia 2 informa que o Esporte Clube Vitória vai ter seus jogos como mandante na Série C exibidos pelo Grupo Globo.
No início deste ano, tratei neste espaço das possibilidades de mudança do regulamento da terceira divisão nacional. Uma alteração se confirmou: primeira fase de turno único, com classificação de oito equipes. Porém, o valor das cotas de participação ficou aquém de qualquer expectativa, R$ 250 mil reais por clube, mantendo o pagamento dos custos.
Naquele momento, destaquei a presença do Vitória na edição deste ano, como um dos clubes à frente da Liga do Nordeste e que “tentou manter o privilégio da cláusula paraquedas quando caiu para a B em 2019”. Porém, não esperava que o clube tentasse algo diferente quanto à transmissão nesta edição.
O Vitória pode?
Dentre os motivos para eu não esperar é que não se trata da primeira tentativa de usar uma “lei do mandante” para essa divisão. Em 2020, durante a vigência da Medida Provisória 984, o Londrina anunciou a transmissão de seus jogos em casa por plataforma própria.
A CBF não aceitou, indicando que o Regulamento Geral de Competições (RGC) e o Regulamento Específico da Competição (REC) não permitiam, com o último indicando que a participação na Série C só se daria com a cessão das imagens à DAZN, que licenciou os direitos de exibição.
O que dizem esses regulamentos para a edição deste ano?
O RGC muda muito pouco ao longo dos anos. O inciso V do Art. 4º e o Art. 101 desse documento informam a obrigatoriedade de anuência da CBF, enquanto realizadora de seus torneios, para “captação, fixação, exibição, transmissão direta ou por videotape e reexibição, de sons e imagens” (CBF, 2022a, p. 7).
Já o REC para a Série C de 2022, diferentemente da edição de 2020, deixa em aberto a possibilidade de os clubes cederem os direitos de imagem a outras empresas que não a licenciadora do torneio.
Os parágrafos únicos dos artigos 28 e 29, que tratam do pagamento de despesas estruturais como passagens e hospedagens, apresentam a ponderação de que: “O Clube participante do CAMPEONATO que não aderir ao contrato de transmissão coletiva da competição não fará jus aos benefícios descritos neste artigo” (CBF, 2022b, p. 10).
Essa abertura pode ter surgido da pressão dos clubes por recursos pela participação no torneio. Além disso, uma percepção não confirmada, havia dúvidas entre quem faz cobertura do mercado de transmissões de futebol se o DAZN cumpriria o último ano de contrato de exibição da Série C – confirmado em 23 de fevereiro.
Assim, os regulamentos que indicam as obrigações da Série C permitem que o Vitória comunique que não entrará no contrato de transmissão coletiva da competição, principalmente por não o ter assinado antes, pois caiu da Série B no ano passado. O que o clube fez agora foi comunicar à CBF, cumprindo o RGC e gerando mais um agente para ser considerado para a formação da tabela, como consta no Art. 13 do RGC.
Além disso, claro, a Lei do Mandante (Lei nº 14.205/2021) tem o parágrafo acrescido ao PL 2336/2021 (7º) sobre o respeito aos contratos vigentes. Segundo publicação do Correio do Povo, o Vitória argumenta que tem contrato até o final deste ano com o Grupo Globo para transmitir seus jogos no Campeonato Brasileiro em qualquer divisão.
A resposta então é sim, o Vitória pode.
E os demais?
Isso pode gerar problemas para os demais, que terão menos tempo para ver se há alternativas financeiras mais viáveis. É preciso ter alguém que se responsabilize pelos custos da transmissão e que gere recursos que paguem as despesas estruturais do torneio, de maneira que ainda dê lucro.
A aposta do Vitória é que a venda das assinaturas do Premiere, com identificação da torcida, será suficiente, mesmo que ainda não saiba o que o Grupo Globo vai fazer com essas partidas (se usará na TV aberta, no Sportv ou na plataforma paga).
Os demais têm condições contratuais ou de torcida para apostar em modelos semelhantes?
Para quem lê a coluna do Na Bancada aqui na Trivela ou já viu nossas lives sobre o assunto, deve saber que sempre apontamos que negociações individuais podem gerar discrepâncias financeiras. A Série C deste ano pode indicar outro exemplo disso.
Fica a dúvida também sobre o contrato feito pela CBF com a DAZN. A plataforma poderá exibir os jogos do Vitória enquanto mandante? Manterá os mesmos valores de contrato caso tenha esses 10 jogos a menos para exibir ou negociar possível sublicenciamento?
O caso curioso neste caso é que a mal chamada “emenda Globo” está sendo usada pelo Grupo Globo para se aproveitar da Lei do Mandante para exibir os jogos de um clube como mandante. Creio que não vai ter tuíte de apoiadores do governo federal sobre isso…