Presidente da Juventus não desiste da Superliga e faz uma defesa cínica sobre reformas no futebol europeu
Andrea Agnelli, de forma cara de pau, diz que ele tem colaborado para mudar um sistema que diz não ser satisfatório
O presidente da Juventus, Andrea Agnelli, segue firme no propósito de defender a Superliga Europeia e dizendo que as mudanças no futebol europeu são necessárias em um sistema que não é satisfatório. A Juventus foi um dos 12 clubes que assinaram a criação da Superliga, que foi da criação ao colapso em 48 horas em abril. O dirigente fez críticas ao modelo atual, fez acusações e diz que o que eles tentaram fazer é similar à criação da Champions League – ainda que haja poucos elementos que corroborem o que ele diz.
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“A Superliga foi a admissão de 12 clubes que o futebol está se recusando a mudar para manter uma classe política que não se arrisca, não compete, apenas quer lucrar”, afirmou o dirigente na reunião com os acionistas da Juve. “Não quero desistir e eu não fiz isso ontem, não farei isso amanhã. O sistema precisa de uma mudança e a Juventus quer ser parte disso. Mas apenas com diálogo construtivo, para todo mundo”.
Mais do que dizer que não desiste da Superliga, o dirigente fez críticas ao modelo atual da Uefa. “Além dos resultados, desafio qualquer um a dizer que o atual sistema de futebol profissional pode ser considerado satisfatório”, disse Agnelli. “O que acho surpreendente é que qualquer proposta de reforma é colocada de lado, seja da competição, governança ou de mercado. Por 10 anos eu tenho colaborado para mudar o sistema”, disse Agnelli, em uma informação que é, no mínimo, muito questionável e falamos disso abaixo.
Na sua ideia, o dirigente da Velha Senhora acredita que a Superliga é uma ideia que melhora o futebol europeu, como a Champions League expandida o fez anos atrás. Só tem uma pequena diferença: o mérito esportivo ainda é importante na Champions League, enquanto na Superliga seria um grupo fechado, com uma abertura quase irrelevante para eventuais outros participantes. Algo que se tivesse sido feito, por exemplo, nos anos 1980, talvez tivesse clubes como Everton e Aston Villa, e não Manchester City e Chelsea, para ficar em um exemplo, já que a ascensão e queda dos clubes passa por ciclos ao longo do tempo. Por isso o mérito esportivo precisa ter um espaço importante.
“Quando foi decidido que o quarto lugar na Itália ou outro país tem mais direitos que um time de outro campeonato, a lógica é comercial e não esportiva. Naquele momento foi um escândalo, mas então foi criada a Champions League, que é considerado um dos melhores campeonatos do mundo”, continuou o presidente da Juventus.
Os clubes, liderados por pessoas como Agnelli, que foi presidente da Associação de Clubes Europeus (ECA), pressionam a Uefa há anos para ter mais e mais clubes dos principais países, futebolisticamente, do continente. Não por acaso se decidiu que os quartos colocados dos quatro primeiros países do ranking da Uefa (Espanha, Inglaterra, Itália e Alemanha) teriam quatro vagas diretas na fase de grupos, e não mais uma delas indo para as preliminares, em mudança realizada em 2016.
Mesmo a mudança mais recente que a Uefa fez levou em conta a pressão que os clubes fizeram. Ainda nas fases de discussões sobre as reformas para o próximo ciclo da Champions League, em 2024, os clubes queriam mais confrontos “relevantes”, ou seja, entre os maiores clubes do continente.
Há uma discussão válida aí, mas a fórmula encontrada, que foi aprovada pelos clubes da Superliga, foi de um sistema com mais jogos na primeira fase com uma espécie de ranqueamento. Mudou o sistema atual, de grupos, para uma fórmula inspirada no “sistema suíço”, mas que não é exatamente isso. Foi uma forma de tentar colocar mais jogos entre os grandes clubes do continente, mas a que preço? O aumento da fase de grupos de seis para dez datas. Ainda não se sabe como encaixar isso em um calendário tão complicado.
Ao defender a decisão de um quarto colocado da Itália na Champions em detrimento de outras ligas, Agnelli faz exatamente o que está no centro das críticas à Superliga e que são críticas também à Champions: um caráter restritivo aos clubes mais ricos e que privilegia o retorno comercial em vez do mérito esportivo. A Superliga radicalizou nesse aspecto, mais do que a Uefa jamais foi capaz de fazer na Champions League.
É importante lembrar que a defesa apaixonada de Agnelli à Superliga não é nova. Ele já falava sobre isso em 2019, antes do plano fracassar em abril deste ano. Dizia que as crianças não se interessariam pela Champions League. Mais do que defender uma ideia que acredita, Agnelli defende o próprio trabalho a frente da Juve. A sua família é a acionista majoritária do grupo Exor, que comanda várias outras empresas, como a Ferrarie a Fiat, além da Juventus. Agnelli se tornou uma liderança muito questionada dentro do grupo e sua saída chegou a ser especulada. Ele acabou ficando e segue dizendo que a Superliga é uma boa ideia e é o futuro, porque isso significa também dizer que ele estava certo e que continuará certo.
As reformas que Agnelli diz defender ao longo dos últimos anos não passam de pressão forte em cima da Uefa para que ela os privilegie, como ela fez ao longo dos anos, cedendo pouco a pouco à pressão. A Superliga foi um passo a mais na ganância exacerbada de um bando de clubes gulosos e, de forma geral, mal geridos, que precisam de cada vez mais arrecadação porque cada vez gastam mais, de forma menos inteligente e menos controlada. É como um funcionário que se endivida porque faz uma péssima gestão do próprio dinheiro e, para corrigir, acha que a solução é ganhar mais, e não fazer uma melhor gestão dos gastos.
Os clubes têm razão em cobrar uma melhor governança da Uefa, mas provavelmente uma melhor governança da Uefa não será para encher mais os bolsos desses gigantes do futebol europeu, e sim em distribuir mais o dinheiro pela competição. É preciso uma reforma grande da Uefa, mas que tocam em pontos que os clubes da Superliga não fazem a menor questão de trabalhar – e de preferência, gostariam de varrer para baixo do tapete. Falamos sobre mudanças que a Uefa precisa passar, depois de sobreviver à tentativa de golpe da Superliga.
É preciso que a Uefa seja mais atuando em relação ao Fair Play Financeiro, ou algum outro sistema que monitore gastos e faça monitoramento eficiente de conformidade; é preciso que a entidade seja mais atuando em questões como racismo e homofobia; é preciso também que a Uefa trabalhe mais forte e melhor contra a possibilidade de uso do futebol para crimes financeiros, como lavagem de dinheiro. A Uefa não é governo, mas ela pode atuar em parceria com os governos de modo a impedir que dinheiro suspeito circule no futebol. Sabemos que isso é frequente e a forma como isso acontece por vezes cria ambientes ruins, que afetam esportivamente os países – e as competições europeias, por consequência.
Agnelli pode tentar posar de paladino de melhorias, mas é só um dos 12 homens que deixaram claro seu desejo de destruir o futebol europeu. O que eles queriam implicaria em problemas graves no futebol de base, amador, nas ligas e nos clubes menores. É um processo destrutivo que esses 12 dirigentes estavam dispostos a dar início em benefício próprio, em detrimento de todos os demais. Não por acaso, as reações foram fortes e a ideia da Superliga colapsou em 48 horas. Isso não significa que o futebol europeu está livre desse tipo de ideia, como Agnelli mostra. A ameaça segue viva e presente, procurando outra chance de reaparecer e tomar de assalto o futebol.
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