Matheus Pereira: O armador brasileiro que é protagonista na temporada da Championship

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A pandemia de coronavírus tornou inviável a continuidade de praticamente todas competições ao redor do mundo, com as necessárias orientações de evitar aglomerações. A Championship é mais um desses campeonatos que não sabem qual será o seu destino e, entre os clubes que esperam ansiosamente a retomada, está o West Bromwich. Treinados por Slaven Bilic, os Baggies lideraram a segunda divisão inglesa em boa parte das rodadas e atualmente ocupam a segunda posição – um ponto atrás do líder Leeds e com seis pontos de vantagem na zona do acesso direto. O retorno à Premier League ao menos parecia questão de tempo, restando mais nove jogos para a conclusão da campanha.
Entre os melhores jogadores da Championship 2019/20, está um brasileiro – com raízes fincadas em Portugal, mas brasileiro. Ao longo dos últimos anos, se tornou mais comum notar jogadores do país na segundona inglesa. Vinte brasileiros já passaram pela competição e a atual campanha conta com três atletas nascidos no país. Rafael Cabral conquista certa idolatria na meta do Reading, enquanto Araruna é reserva no mesmo time. Porém, a projeção de nenhum deles se compara ao que vem protagonizando Matheus Pereira. O meia é um dos principais responsáveis pelas esperanças de acesso no West Brom.
Segundo o site WhoScored, que cria notas aos jogadores a partir de suas estatísticas, Matheus Pereira é o quinto melhor da temporada na Championship e o principal nome do West Brom. Foram seis gols anotados pelo brasileiro, além de 12 assistências – que o tornam líder no quesito, ao lado do sueco Niclas Eliasson. Os dribles e a capacidade de criação já fazem outros clubes crescerem os olhos sobre o jovem, inicialmente emprestado pelo Sporting. Aos 23 anos e com uma carreira desenvolvida toda na Europa, o mineiro se torna um atleta para se observar de perto por sua ascensão.
A mudança para Portugal
Nascido em Belo Horizonte, em maio de 1996, Matheus Pereira mudou-se a Governador Valadares quando tinha seis anos. Na cidade, defendeu Democrata e Filadélfia, enquanto sua família tinha boas condições – o pai era diretor de vendas em uma empresa, até perder o emprego em meio a crise mundial de 2008. No início da adolescência, seus pais migraram a Portugal em busca de oportunidades e, no primeiro momento, não levaram os filhos. O meia passou a viver com tios e avós em Belo Horizonte, conseguindo um teste no Cruzeiro. Passou um mês na Toca da Raposa, mas as dificuldades de transporte até o clube fizeram com que desistisse. De 12 para 13 anos, o prodígio foi a Portugal e iniciaria sua carreira no novo país.
A primeira experiência de Matheus no futebol lusitano aconteceu no pequeno Trafaria, da região metropolitana de Lisboa. Seu treinador no clube também era olheiro do Sporting e, meses depois, levou o mineiro às categorias de base leoninas. Em um clube reconhecido por seu excelente trabalho de formação, o adolescente não demorou a se destacar por seu talento, atuando principalmente nas pontas. Passou a ser considerado uma das maiores promessas sportinguistas e subiu rapidamente por diferentes categorias. No início de 2014, aos 17 anos, ganhou suas primeiras chances na equipe B do Sporting.
Diante da ascensão, Matheus Pereira passou a ser tratado com cuidados especiais. Quase assinou com o Monaco, cortejado por Leonardo Jardim em 2015, mas acabou optando por fechar um novo contrato com o Sporting. A cláusula rescisória era de €60 milhões. “É um valor certo, pois aqui na Europa as coisas acontecem rápido. Se você desponta cedo, o clube vai dar uma cláusula que mostre que você tem valor, que quer que você fique. Acho que não é muito, eu olho bastante por esse lado. Converso com meu pai e ele diz que eles gostam de mim, que estão me blindando. Os outros clubes podem querer, mas terão que pagar. Eu me sinto feliz pelo clube reconhecer, isso prova que venho trabalhando bem”, declarou na época, ao GE.com.
Além disso, Matheus também era observado pela base da seleção brasileira e recebeu uma visita de Alexandre Gallo, responsável pelo setor na CBF. Não escondia, naquela época, o seu desejo de vestir a camisa amarela. As expectativas eram evidentes e, depois de ser relacionado aos primeiros jogos com o time principal do Sporting em 2014/15, o mineiro seria alçado ao primeiro nível na temporada seguinte. Então, estrearia sob as ordens de Jorge Jesus.
As primeiras temporadas como profissional
Matheus Pereira ainda alternou períodos entre o elenco adulto e o time B em 2015/16. Anotou três gols na fase de grupos da Liga Europa e costumava participar das copas nacionais, enquanto no Campeonato Português era limitado ao segundo tempo dos jogos. Seus números, de qualquer forma, eram mais convincentes quando pintava no segundo quadro. Entre 2015/16 e 2016/17, o ponta disputou 26 jogos com a equipe na segundona portuguesa. Anotou 16 gols e contribuiu com mais nove assistências. Nesta época, as seleções de base de Portugal também cogitavam sua convocação, visando o Europeu Sub-21.
Entretanto, a progressão de Matheus Pereira no Sporting não seguiu a curva esperada. Jorge Jesus não aproveitou o garoto tanto assim e, para ganhar mais rodagem, ele acabou emprestado em 2017/18 ao Desportivo de Chaves – contra o qual havia feito grande atuação na temporada anterior. Em um time de pretensões modestas, o ponta ajudou que as expectativas se excedessem. Anotou sete gols e deu cinco assistências, enfim titular absoluto no Campeonato Português. Treinado por Luis Castro, atual comandante do Shakhtar Donetsk, o clube terminou na sexta colocação.
Jorge Jesus saiu do Sporting, o elenco sofreu uma limpa em meio à crise institucional e mesmo assim Matheus Pereira seguiu emprestado. Em 2018/19, o brasileiro teve sua primeira experiência fora de Portugal, cedido ao Nuremberg, recém-promovido na Bundesliga. Os bávaros não conseguiram salvar sua pele e encerraram a campanha na lanterna do campeonato, com goleadas acachapantes e baixa produtividade ofensiva. Nada que atrapalhasse o jovem.
Se não pôde evitar o desastre, Matheus Pereira ao menos ganhou certo moral. Virou titular durante o segundo turno e foi um dos principais responsáveis por manter as esperanças dos alvirrubros. Foram três gols e uma assistência em suas últimas seis aparições na liga, antes de se lesionar na reta final da campanha. Matheus marcou um tento contra o Augsburg, na vitória que encerrou o jejum do Nuremberg que perdurou por 20 rodadas. O jovem chegou mesmo a balançar as redes do Bayern de Munique, no valoroso empate por 1 a 1 arrancado pelos azarões. Pegou a sobra de bola na entrada da área e acertou o tiro cruzado de canhota no canto.
Capitão do Nuremberg, Hanno Behrens chegou a afirmar: “Com Matheus, temos um jogador único, de alta qualidade”. O momento era tão bom que o site da Bundesliga destacou o mineiro e afirmou que existiam similaridades com o estilo de jogo de Mohamed Salah. “Forte com a posse, cheio de ritmo, um driblador habilidoso e o orquestrador de tabelas intrincadas que rompem as defesas adversárias: estas são marcas de ambos os jogadores, bem como a propensão de finalizar forte em direção ao gol”, analisavam os alemães. Matheus foi eleito o ‘Novato de Abril' na liga e concorreu ao prêmio de revelação da temporada. Todavia, com o rebaixamento de seu time, a permanência na Alemanha se tornou inviável.
O sucesso na Inglaterra
Matheus Pereira jogaria outra vez a segunda divisão. Ainda assim, parecia valorizado ao acertar com o West Brom, integrando um elenco que recebeu alto investimento para retornar à Premier League. Os Baggies fecharam o empréstimo do brasileiro por um ano, mas também firmaram uma cláusula de compra obrigatória, caso ele cumprisse ao menos 30 partidas na Championship. E a marca, atingida sem muitas dificuldades, recompensaria a diretoria inglesa com um belo negócio: segundo a imprensa portuguesa, o WBA precisará desembolsar apenas €10 milhões pela permanência de seu destaque.
O valor parece bastante baixo, considerando a multa rescisória estipulada pelo Sporting em 2015. Ainda assim, é 20 vezes maior que os €500 mil pagos pelo Nuremberg um ano antes, quando acertou o empréstimo. Nos últimos meses, a melhor forma de cotar o preço de Matheus Pereira está mesmo em campo. E, considerando a fortuna que o acesso pode significar ao West Brom, a aposta é muito bem feita. O brasileiro contribuiu de maneira vital para que os Baggies se alavancassem.
“Foi uma barganha absoluta”, comentou Jonathan Greening, jogador-símbolo do West Brom entre 2004 e 2010, em entrevista ao 888sport. “Fui ao estádio algumas vezes e sempre ele foi um dos melhores jogadores em campo. Ele pode fazer um pouco de tudo. Pode encarar os marcadores, tem um passe mortal, pode ser criativo, encontra espaços e sabe marcar gols. Tão importante quanto isso é a ética de trabalho dele. Matheus faz um trabalho defensivo à equipe. Parece ser um jogador que realmente pensa no time. Ainda falo com Chris Brunt [meia do WBA] e ele diz que o garoto é muito bacana, que os companheiros o amam”.
A adaptação não se tornou problema a Matheus Pereira. Saindo do banco nos primeiros jogos, virou titular a partir da quinta rodada. E nem foi possível questionar a titularidade do novato, com um primeiro turno incrível na Championship, entre os grandes responsáveis pela arrancada do West Brom rumo à liderança. Logo na primeira participação no 11 inicial, arrebentou com duas assistências nos 3 a 2 sobre o Blackburn. Seriam dez assistências e cinco gols em uma sequência de 15 partidas. A atuação de gala ficaria guardada aos 5 a 1 sobre o Swansea, com um hat-trick de passes decisivos em The Hawthorns, além de um tento.
“Em todos os clubes em que joguei, há algo diferente. Aqui, o que realmente me chamou atenção é como o clube é acolhedor, é aberto, como todos são legais, como as pessoas te abraçam como parte da família. Você vai ao estádio e ele está lotado, os torcedores te apoiam. Você chega ao centro de treinamentos e todos, do faxineiro ao presidente, te dão boas-vindas e fazem o máximo por você. Isso fez uma enorme diferença para me estabelecer no começo”, declarou Matheus, em entrevista ao site do West Brom em março. Segundo o jogador, seu domínio da língua inglesa vem melhorando e os companheiros que falam espanhol o ajudam na comunicação.
Quando a maratona de jogos aumentou em dezembro, o rendimento de Matheus Pereira não se manteve – assim como o de toda a equipe. De qualquer maneira, o brasileiro faria algumas boas partidas, sobretudo no início de fevereiro, providenciando pontos importantes para que o West Brom se segurasse um pouco mais no topo da tabela. No entanto, enquanto se aguardava a comemoração do acesso antecipado em Hawthorns, a pandemia paralisou a disputa. Os Baggies precisarão aguardar a definição da organização para saber qual será o seu futuro e quão preponderante Matheus Pereira poderá ter sido ao sucesso da empreitada.
A mudança tática na temporada
Um ponto importante ao crescimento de Matheus Pereira na Championship foi a sua adaptação. O brasileiro já atuava em diferentes posições no setor ofensivo, mas ocupava majoritariamente as pontas. Desta maneira, aproveitava melhor sua capacidade nos dribles curtos e também a definição de média distância, com cortes em diagonal e um bom chute de longe. “Quando se joga nas ruas do Brasil e tem uma multidão de garotos tentando tirar a bola de você, aprende-se como cuidar de si e a manter a bola”, diria, sobre a sua habilidade. Em pouco tempo, Slaven Bilic resolveu encaixá-lo como meia central no 4-2-3-1 normalmente aplicado pela equipe e viu um rendimento ainda superior de seu atleta.
Neste setor, Matheus Pereira passou a exercer uma influência bem maior na construção de jogo do West Brom. Sua facilidade para se associar com os companheiros ficou em evidência, bem como a visão e a precisão nos passes, inclusive nas bolas paradas. Além disso, o mineiro possui uma clara facilidade para encontrar os espaços entre as linhas e se desmarcar. Flutuando para receber a bola ou partindo para cima dos adversários, se tornou uma figura primordial ao sucesso do West Bromwich.
Na faixa central, Matheus emendou sua sequência arrasadora no primeiro turno e disparou como líder de assistências na Championship. Em janeiro, o brasileiro precisou se ausentar por três rodadas, punido após acertar uma cotovelada em Joe Allen que o árbitro não viu. Quando retornou, passou a ser reutilizado aberto na ponta direita, com Bilic redesenhando o West Bromwich no 4-3-3. No novo sistema, o mineiro segue com a liberdade para centralizar, sem a presença de um armador mais fixo.
Bilic, inclusive, possui uma ótima relação com Matheus Pereira. Foram frequentes os elogios do treinador ao seu pupilo ao longo dos últimos meses. “Ele gosta muito de estar aqui connosco. Encontrou-se aqui, sente-se importante. Ele fez mais do que suficiente para termos a certeza de ser um jogador muito importante para nós”, apontou o croata, em dezembro, à Sky Sports. O comandante também já ressaltou o profissionalismo do mineiro. “O Matheus está todos os dias no ginásio depois do treino, numa bicicleta. Ninguém esperava isso de um camisa 10 brasileiro. Fica lá 45 minutos além da hora para manter o físico. É essa a chave”, contara, em novembro.
Matheus Pereira, por sua vez, retribui as gentilezas. Segundo o brasileiro, o treinador confiou em seu potencial quando poucos acreditavam. “Ele é maluco. Slaven é o cara. Amo o jeito como ele passa suas mensagens aos jogadores. Às vezes, as pessoas pensam que eu não o entendo, mas entendo tudo o que ele diz. Vem da alma. No futebol, você pode sentir a alma de uma pessoa e pode sentir como a dele sangra pelo clube, pelos jogadores, pelos torcedores. Você pode ouvi-lo sem ter que entender todas as palavras. É como eu me sinto”.
O futuro
Caso o West Bromwich não suba, propostas não devem faltar a Matheus Pereira. O Manchester United teve seu interesse especulado no brasileiro, assim como o West Ham. Além disso, a própria seleção portuguesa também tem a possibilidade de convocá-lo, após os oito anos morando no país. Ao jornal O Jogo, em fevereiro, o meia afirmou que não recusaria um convite que surgisse da Seleção das Quinas. Neste momento, se mostra bem mais propenso em defender o país que acolheu sua família.
“Se o Brasil jogasse contra Portugal, torceria para Portugal. Sinto que minha essência é brasileira, mas meu coração está em Portugal. É de lá que vêm minhas melhores lembranças. A seleção portuguesa costumava ser um time médio, mas agora está no topo. Jogaria por eles com 100% de certeza, seria um sonho. Mas suponho que o melhor resultado seria um empate”, afirmou Matheus, em março, ao site do West Brom.
E o pensamento de Matheus Pereira é seguir progredindo, mesmo que a incerteza permaneça sobre a sequência da temporada. “Para mim, preparação é tudo. Jogar na Championship… É um longo ano e tenho que me preparar para o que quer que aconteça. Tudo é um desafio, por isso é sempre preparação, preparação. Ser forte, estar pronto. Admiro muitos jogadores, mas somos todos diferentes em nossos caminhos. Eu foco totalmente em tudo aquilo que pode me tornar melhor”, analisou o meia.
Para Matheus Pereira, resta ter um pouco mais de paciência. O futuro do West Brom não está mais em seus pés, ao menos por enquanto. E, seja lá qual for o seu caminho, está claro como é um jogador para se acompanhar de perto. A badalação inicial sobre o prodígio do Sporting demorou a se cumprir, mas em The Hawthorns ele prova como está disposto a conquistar seu espaço. Se permanecer com os Baggies e o acesso se confirmar, a Premier League oferecerá um degrau a mais para sublinhar o talento evidente na segundona.
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