Clubes promoverem criptoativos coloca torcedores em risco, alerta parlamento britânico
Parlamentares britânicos alertam para o risco que clubes estão submetendo seus torcedores ao emitirem tokens de criptomoedas
Produtos de criptoativos ligados ao futebol estão “colocando os torcedores em risco, dano financeiro e potencialmente prejudicando a reputação dos clubes”, de acordo com o relatório de um grupo de parlamentares britânicos. Isso atinge diretamente empresas como a Socios.com, que trabalha com tokens para torcedores, que necessariamente precisam ser comprados com criptoativos.
O crescimento dos chamados non-fungible tokens (NFT) e semelhantes nos esportes e nas artes são uma questão analisada pelo Comitê de Cultura, Mídia e Esporte, o mesmo que está trabalhando na regulamentação do futebol inglês.
Diversos clubes e jogadores estão promovendo criptoativos, alguns deles prometendo vantagens exclusivas. Criptomoedas como Bitcoin e Ethereum perderam valores nos últimos meses, expondo aqueles que fazem transações nesse tipo de ativo a perdas significativas.
O relatório dos parlamentarem criticou fortemente o uso dos NFT, ativos digitais únicos que podem ser comprados e vendidos usando criptomoedas, dizendo que eles “provaram ser inerentemente arriscados para os torcedores que investem neles”.
“No mundo do esporte, clubes estão promovendo esquemas voláteis de criptoativos para extrair dinheiro adicionais de torcedores leais, muitas vezes com promessas de privilégios e regalias que não se concretizam”, diz o relatório. É o tipo de coisa que uma das maiores empresas do segmento, a Socios.com, promove continuamente. “Os esquemas de tokens de torcedores não devem ser usados como substitutos de engajamentos significativos com os torcedores”.
Socios já patrocinou clube e está presente no Brasil
A Socios.com é uma empresa fundada em 2018 por Alexandre Dreyfus e que tem como objetivo, segundo ela mesma, criar uma plataforma baseada em blockchain para permitir a organizações esportivas e de entretenimento monetizem suas bases de fãs. A empresa alega ter mais de 100 parceiros, entre clubes e entidades esportivas, em 25 países e quatro continentes.
Entre os clubes brasileiros que fazem parte estão Atlético Mineiro, Flamengo, Vasco, Palmeiras, Internacional, Bahia, Fluminense, Corinthians e São Paulo. A empresa ainda tem acordos com clubes da Argentina, a própria AFA, que comanda a seleção argentina, e diversos clubes europeus, como Barcelona, Juventus, Milan, PSG, Roma, Atlético de Madrid, Manchester City, Napoli, FIGC (a Associação de Futebol Italiano, que controla a seleção italiana), a Federação Portuguesa (que controla a seleção portuguesa), Arsenal e Inter de Milão.
História de calote com Inter de Milão e Roma
A Inter de Milão chegou a ter a Socios.com como sua patrocinadora principal na camisa na temporada 2021/22. O clube, aliás, trocou uma empresa de criptoativos por outra: em 2022, fechou com a Digitalbits. A empresa, que também era patrocinadora principal da Roma, deu calotes nos dois clubes.
Quando os pagamentos pararam de ser feitos, inicialmente a Inter tirou o nome do patrocinador do site e das camisas dos times feminino e da base. O imbróglio não foi resolvido e tanto Inter quanto Roma não exibiram mais a marca da empresa nas suas camisas na reta final da temporada passada. A Inter, que foi finalista da Champions League, fechou um patrocínio pontual com a empresa de streaming Paramount+, que acabou renovado para a temporada 2023/24.
O Tottenham é o mais recente clube inglês a ter aderido à Socios.com, empresa de token de torcedores, no último mês. Arsenal, Aston Villa, Crystal Palace e Everton são outros clubes da Premier League que têm acordo com a empresa. A Socios.com promove um engajamento via pagamento com tokens para ter experiências como escolha de música que tocará no estádio, pinturas no ônibus do clube e até concorrer a experiências dentro dos clubes, como conhecer ídolos.
Tudo isso, porém, exige os “tokens”, que precisam ser comprados com os criptoativos dentro da plataforma, que funciona também como uma corretora. É possível comprar e vender criptoativos de clubes de acordo com a sua valorização. Uma mistura de interesses que é criticada pelo parlamento britânico.
Cassino disfarçado de engajamento de torcida
O relatório dos parlamentares é contundente em criticar o uso de tokens para engajamento dos torcedores. “O uso de tokens de torcedores no futebol não conta como uma medida aceitável de engajamento na regulação do futebol que está por vir”, afirma o texto. “O Comitê enfatiza a volatilidade de preço desses tokens e as ressalvas feitas por grupos de torcedores”.
O Tottenham Supporters’ Group, entidade que reúne representantes dos torcedores dos Spurs, foi vocalmente contra a entrada do clube na Socios.com. O Tottenham se defendeu e disse que seus tokens de torcedores “se aproveitariam dos muitos benefícios do nosso esquema de associação existente”. Além disso, disse que a parceria “era outro exemplo de como o clube está trabalhando para adicionar fontes recorrentes de receita para reinvestir nas nossas atividades de futebol”. Nada disso colou com seus torcedores.
A Socios.com também se defendeu. “Não promovemos tokens de torcedores como uma forma de fazer dinheiro, mas como uma ferramenta para engajar com organizações esportivas de formas que eram simplesmente inimagináveis alguns anos atrás”.
O discurso parece bonito, mas há um enorme problema em relação a isso. O uso mercadológico de tokens faz com que eles se tornem ativos que variam muito e criam diversos problemas aos torcedores. Em 2021, fizemos uma matéria para contar como esse tipo de token de torcedores tem ganhado espaço e quais são os seus problemas.
No fundo, é um mercado de criptomoedas e comércio de tokens, ambos altamente voláteis, que mais parecem um cassino para tirar dinheiro de torcedores. É preciso lembrar que para fazer isso, é preciso saber o que está fazendo — e essas empresas não parecem estar fazendo um bom trabalho para explicar, colocando de modo bastante polido.