Chelsea se escorou na idolatria de Lampard quando precisava e o descartou quando não precisava mais

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Lampard foi usado. Se de propósito ou não, cada um dos envolvidos pode confessar ao seu próprio padre, ou rabino, mas os dois fatos a seguir são incontestáveis: sem treinador, sem Eden Hazard, sem poder contratar, o Chelsea se escorou na idolatria de Lampard para manter as arquibancadas sob controle. Agora, £ 200 milhões em reforços depois, não precisa mais de um ídolo-escudo. Precisa de um treinador de elite e, como Lampard ainda não é um treinador de elite, foi descartado no primeiro momento em que era possível traçar um cenário plausível para a demissão.
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Não que fosse necessário muito esforço. Desde o começo da temporada, segundo o The Athletic, os cartolas do Chelsea, os mesmos que foram responsáveis pela situação precária que Lampard encontrou no começo da temporada passada, estavam decididos a demitir um dos jogadores mais importantes da história do clube no primeiro sinal de oscilação. E era o plano perfeito porque era inevitável que essa oscilação viesse. Você pode até escolher o motivo: a inexperiência de Lampard, seis novos jogadores ou o calendário aglomerado por causa da pandemia.
O meu preferido é a inexperiência de Lampard. O relato da The Athletic sobre os bastidores dos últimos meses do treinador em Stamford Bridge expõe erros que são típicos de quem está dando os primeiros passos em uma nova profissão, por mais rodagem que tenha como craque: problemas de comunicação com quem não estava jogando muito, mudanças excessivas no time, a maneira como lidou com a queda de rendimento de Kepa, críticas públicas em busca de uma reação que acabaram apenas piorando o clima.
Errar faz parte do aprendizado em todas as áreas. Não seria diferente em uma profissão tão complexa quanto a de treinador de futebol. A única experiência anterior de Lampard com a prancheta, pelo Derby County, também teve seus altos e baixos. A diretoria do Chelsea deveria saber que precisaria de paciência. Não a teve em parte porque nunca tem: desde a chegada de Roman Abramovich, é o clube grande europeu que mais troca de comando. Mas também porque sempre pareceu mais interessado nos 210 gols e nos 11 títulos importantes que Lampard conquistou como jogador do que no seu potencial como técnico.
O Chelsea havia sido punido com duas janelas de transferências sem poder contratar por irregularidades na compra de jogadores com menos de 18 anos. Estava sem técnico porque cada semana conturbada da primeira temporada de Maurizio Sarri tornava a Juventus mais atrativa. E sem o seu principal jogador porque Eden Hazard estava decidido a ir para o Real Madrid em um momento no qual não poderia ser reposto. Difícil culpar os cartolas pela saída de Hazard, que inevitavelmente aconteceria em algum momento, mas o timing foi péssimo.
O que o Chelsea tinha pela frente era uma temporada de transição, em que seria obrigado a utilizar a sua prolífica categoria de base (como se isso fosse um castigo). Os resultados normalmente ficariam abaixo do padrão que havia sido estabelecido no reinado de Abramovich. Esperando que os torcedores não percebessem que seria por culpa deles, os diretores do Chelsea promoveram o retorno do filho pródigo. Uma distração. Se a insatisfação começasse a tomar força, poderiam apontar à beira do campo: “mas olha que bonito o Lampard de terno”.
Ter saído melhor do que o esperado foi um inconveniente. Caso o Chelsea terminasse em sétimo ou sexto lugar, com Lampard desenvolvendo alguns moleques, era fácil chegar ao fim da temporada e dizer que a experiência havia sido legal, agradecê-lo por ter quebrado o galho em um momento de necessidade e que eles poderiam tentar de novo no futuro, quando Lampard fosse mais experiente e preparado. Mas, apesar de todas as oscilações, de todos os problemas, de todas as sequências ruins, Lampard conseguiu vaga na próxima Champions League, o que não era esperado, e chegou à final da Copa da Inglaterra. Ficou impossível demiti-lo.
Mas era só esperar um pouquinho. A reportagem da The Athletic mostra como as divergências entre o departamento técnico e a diretoria, especialmente Marina Granovskaia, que manda no dia a dia enquanto Abramovich assina os cheques, começaram a ficar maiores ainda durante o mercado de transferências. Lampard queria um goleiro, o clube queria que ele tentasse recuperar Kepa – que havia custado uma nota. Lampard queria reformular a defesa, dispensando nomes como Tomori, Marcos Alonso, Rüdiger e até o capitão Azpilicueta, o clube gastou € 130 milhões em Havertz e Timo Werner. Lampard queria contratar Declan Rice, o clube não queria a vergonha de comprar um jogador caro que havia passado pelas suas categorias de base sem ser aproveitado.
É sempre difícil distinguir entre reforços que o treinador queria e reforços que o clube queria, porque mesmo os segundos geralmente têm pelo menos a aprovação do técnico, mesmo que não estivessem em primeiro lugar na ordem de preferência. E nunca é uma boa política contratar apenas quem o comandante da vez gosta, ainda mais em um clube com tanta rotatividade como o Chelsea. No entanto, segundo a The Athletic, do último pacotão, apenas Ziyech e Ben Chilwell eram nomes de Lampard – embora ele não tenha reclamado de ter recebido Thiago Silva. Uma proporção dessas não costuma ser um bom sinal.
Sem pressão por resultados, Lampard foi bem em sua primeira temporada. Superou expectativas. Agora, diante de tantos investimentos, precisava dar o próximo passo e não se mostrou pronto para isso. Até pareceu que havia conseguido quando arrumou a defesa a partir do empate por 0 a 0 contra o Sevilla e emendou uma boa sequência até vencer o Leeds com uma excelente atuação no começo de dezembro. Desde então, ganhou apenas duas vezes pela Premier League, foi vencido por Arsenal e Manchester City, dominado por Brendan Rodgers, do Leicester, e despencou para nono lugar.
A derrota para o Leicester foi a gota d’água. Se não fosse essa, seria outra. O seu status de ídolo não era mais útil ao Chelsea. O clube agora precisava de um treinador que transformasse os seus investimentos em um time que briga por títulos e se classifica à Champions League todas as temporadas. Nunca quis esperar para ver se Lampard se transformaria em um profissional desse calibre. Ele precisaria de um trabalho impecável para manter seu emprego e, sob as condições apresentadas, era impossível fazê-lo.
O único atenuante à diretoria do Chelsea é que Lampard sabia aonde estava se metendo. Há poucas pessoas no mundo que conhecem os bastidores de Stamford Bridge melhor do que ele.
A chegada de Tuchel
Thomas Tuchel é extremamente competente e um bom nome para lidar com a colônia alemã que se instalou no Chelsea – Timo Werner, Havertz, Pulisic (sim, eu sei que ele nasceu nos EUA). Mas é preocupante que o treinador que saiu dos seus últimos dois clubes brigado com a diretoria tenha se reunido com a diretoria que mais briga com treinadores da Europa. Para ter vida longa, precisará navegar pela política interna do Chelsea, o que nem José Mourinho conseguiu durante muito tempo, o que nem Lampard conseguiu. Boa sorte.
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